Pajuçara, origem e ancoradouro (I)

Praia da Pajuçara no início do século XX

Pajuçara na Carta Marinha de Maceió de 1803, traçada por José Fernandes Portugal

A primeira habitação do futuro bairro da Pajuçara, na capital alagoana, foi citada por Craveiro Costa em seu livro Maceió. Está em um documento de doação de uma sesmaria datado de 1611.

Quem doou as terras foi o alcaide-mor de Santa Maria Madalena (atual Marechal Deodoro), Diogo Soares. Quem recebeu a doação foi o cidadão Manoel Antônio Duro.

Foram “oitocentas braças de terra” na costa da Pajuçara “a saber da casa de telha que o dito Manoel Antônio Duro aí tem quatrocentas braças para o norte e quatrocentas braças para o sul”.

“E para o sertão toda a terra que houver” até encontrar a Lagoa do Norte (atual Mundaú) e o “rio que para ela sai (atual Rio Mundaú)”.

Em contrapartida, Manoel Antônio Duro se comprometia a construir no prazo de um ano “uma casa de sobrado coberta de telha na dita povoação (Santa Maria Madalena) do dito Diogo Soares”. O filho de Diogo Soares especificou que seria em Sumaúma.

Craveiro Costa relata que tanto Manoel Antônio Duro quanto sua casa de telha na Pajuçara desapareceram antes da invasão holandesa. Deixa ainda a hipótese da casa ter sido destruída pelos invasores.

Ainda segundo o nomeado historiador alagoano, esta sesmaria, onde se erguerá Maceió, foi posteriormente transferida para o capitão Apolinário Fernandes Padilha, o mesmo que em 1762 doou um terreno ajudando a constituir o patrimônio da paróquia de Nossa Senhora dos Prazeres, onde foi erguida a capela que deu origem a atual Catedral da capital.

Ancoradouro

Mapa de Maceió da coleção Portos do Brasil em 1864, com a localização dos arrecifes da Pajuçara

Não há certeza sobre a origem do topônimo Pajussara ou Pajuçara, mas sabe-se que pode guardar alguma relação com juçara, uma palmeira, ou com pejussara, que seria assoprador em tupi, numa referência aos fortes ventos percebidos naquele lugar.

São exatamente estes fortes ventos prejudiciais à ancoragem de embarcações que vão definir aquela enseada como em melhores condições que a de Jaraguá por estar protegida pelos arrecifes, que formam um quebra-mar natural.

O complexo portuário Jaraguá/Pajuçara já era conhecido pelos contrabandistas franceses, que forçados pela atuação da vigilância portuguesa sobre o porto do Francês e pelas dificuldades para se chegar até a vila das Alagoas (Marechal Deodoro), começaram a adquirir suas mercadorias no porto de Maceió, para onde eram levados o açúcar e a madeira.

Um trecho da rara “Corografia” de Aires de Cazal comprova as dificuldades para se chegar à vila de Alagoas e os inconvenientes apresentados nos ancoradouros de Jaraguá e Pajuçara, “onde fundeiam em ambas embarcações no verão; o derradeiro só serve no inverno. Estão 2 léguas ao nordeste do mencionado rio das Alagoas [Marechal Deodoro]. Neles se desembarca para ir à vila deste nome; porque o rio noutros tempos dava passagem a sumacas, hoje nem canoas; mais é preciso andar uma légua por terra e tornar a embarcar no lago [Lagoa Manguaba]”.

Assim, a afirmação de Maceió como um importante povoado, ainda da capitania de Pernambuco, se deve em muito aos ancoradouros da Pajuçara e de Jaraguá, que aos poucos foram atraindo o interesse dos navegantes e gerando em terra as estruturas de apoio à esta atividade portuária.

Como resultado das boas condições oferecidas pela Pajuçara, no início do século XIX lá se instalou improvisadamente um estaleiro da construção naval e, como informou o Diário Fluminense, vol. 14 de 1º de julho de 1829, em poucos anos de funcionamento já tinha construído, por conta do Governo, um Brigue de Guerra.

Félix Lima Júnior, em Alagoas e a Marinha de Guerra, detalha que esta corveta estava em construção no ano da Independência (1822) por determinação do Conselho Ultramarino.  No ano seguinte, ainda em construção, foi incorporada à Marinha de Guerra.

A embarcação foi lançada ao mar em 1828 e, “pela solidez de sua construção, e boas qualidades, que começou a desenvolver na viagem, promete vir a ser uma excelente Embarcação de Guerra”.

Esta importância estratégica da Pajuçara foi reconhecida em 1829, quando tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de autoria do deputado Souza Mello propondo a criação de “um arsenal de marinha no porto de Pajussara, na província das Alagoas, etc”, conforme registros no Anais do Parlamento Brasileiro.

Em 1858, ao indicar que o melhor porto de Maceió era o da Pajuçara, o jornal Brasil Marítimo revelou que esta enseada já havia funcionado em melhores condições: “a Pajussara apresenta uma magnífica bacia, perfeitamente abrigada, onde somente falta mais algum fundo, que já teve, como prova o fato de ter sido a corveta Maceió, ali construída, não há muitos anos”.

Essa capacidade de abrigar as embarcações não era secundária. Inúmeros foram os casos de barcos danificados ou mesmo perdidos durante os temporais por estarem ancorados em Jaraguá, onde não existia essa proteção.

Um pronunciamento do deputado Virgílio Palmeira de Araújo Peixoto na sessão de 28 de junho de 1866, na Assembleia Provincial, ao ressaltar as vantagens do porto da Pajuçara, revelou que no porto de Jaraguá: “quando sopra o vento sul ou norte, as embarcações se veem em grande risco, e muitas infelizmente têm vindo arrebentar-se de encontro às praias, o que não aconteceria desobstruindo o Porto de Pajussara”.

Assoreamento

Praia da Pajuçara com suas jangadas

O problema que manteve a enseada da Pajuçara sob estudos e debates durante quase todo o século XIX e em um terço do XX foi a necessidade de recuperá-la para que recebesse embarcações maiores, o que estava sendo impedido pelo seu permanente assoreamento.

Em dezembro de 1833, um relatório do presidente da Província, Vicente Pires de Figueiredo Camargo, chamava a atenção dos deputados para a situação daquela enseada: “O Porto de Pajussara hoje quase desprezado pelo entulho na Barra é suscetível de melhoramento, e sem muita despesa, podendo-se por meio das máquinas tirar a areia, servirá como dantes de pacífico ancoradouro das muitas embarcações, que já frequentam a Vila de Maceió, livrando-se assim do perigo, a que por esta falta estão expostos na estação de inverno” (Jornal do Commercio de 8 de março de 1834).

O porto de Jaraguá também era considerado um bom ancoradouro, mas no período de chuvas e fortes ventos não oferecia as mesmas proteções que o da Pajuçara, como registrou em 1854 o jornal Brasil Marítimo (PE). Avaliava o periódico especializado que naquela época o porto de Jaraguá, durante o inverno, não oferecia aos navios “o mesmo seguro abrigo que no verão; mas segundo afirmam pessoas entendidas, próximo está o ancoradouro da Pajussara, onde naquela estação os navios podem estar em segurança, dependo isto talvez de algumas medidas próprias de melhoramento”.

Outra solução apresentada nesta mesma reportagem foi a de se colocar “um quebra mar flutuante” no Porto de Jaraguá.

Fábrica de sabão na Pajuçara

Uma notícia publicada no Diário de Pernambuco de 22 de janeiro de 1860 revelou o quanto rapidamente se deu o assoreamento da enseada da Pajuçara. Ao identificar a necessidade de se aproveitar o porto, que necessitava “somente ser escavado ou desobstruído”, o articulista informou, em 1860, que há somente 30 anos passados era um “excelente e abrigado ancoradouro”.

A importância da recuperação do porto para a economia alagoana era grande e o esforço para encontrar uma solução era maior ainda, mesmo sendo estas propostas apresentadas por quem não entendia muito da natureza dos movimentos das areias nos litorais.

Para se ter uma ideia destas propostas, o Conselho Naval da Marinha recebeu em 1881 uma representação assinada por “diversos habitantes” solicitando o “restabelecimento da enseada da Pajussara por meio de estacadas que desviem as areias, e de escavações que melhorem o canal por onde outrora se passava do ancoradouro de Jaraguá para aquela enseada” (Correio Mercantil de 20 de abril de 1861).

Com o crescimento destas cobranças, o governo Imperial encomendou um estudo cujos resultados foram divulgados em outubro de 1861, identificando a existência de cinco barras na enseada da Pajuçara: Grande, das Mortes, Barreta, Seca e a quinta seria um canal localizado entre a Barra Seca e a Barra das Mortes.

Também foram encontrados os seguintes bancos: um grande defronte à Barra Grande; outro entre o banco grande e a embocadura da Barra Grande; e outro entre o banco grande e a terra.

Havia ainda um ao lado do que ficava a Barra das Mortes, outro em frente a Barra Seca, também conhecido como banco de Jaraguá e o último em frente ao canal.

Esse estudo identificou que estes últimos “compõem-se de areia e pedra” e “não são naturais, e sim formados por pedras que são ali lançadas e que tem indubitavelmente concorrido para a formação desses bancos”.

Foi avaliado também como “um grande mal, que se vai fazendo também ao porto, em que presentemente fundeiam navios, o lançar-se o lastro dos navios estrangeiros no fundeamento. Em baixa-mar estes bancos ficam descobertos, preamar tem meia braça até uma de profundidade”.

Interior da Fábrica de Sabão da Pajuçara

O relatório apontou ainda que “há neste porto cinco recifes, que, parece-nos, se comunicam entre si, não obstante a areia que os separa”, e que “do lado da Ponta Verde, existem dez currais de pescaria, que em grande parte têm contribuído, e continuam a contribuir para mais obstruir o porto da Pajussara”.

Treze anos após as pesquisas de 1861, o engenheiro Andrée Cernadok, comissionado pelo Governo, iniciou novos estudos do porto da Pajussara. (Cearense de 31 de agosto de 1874).

Somente em maio de 1879 se tomou conhecimento deste relatório. O presidente da Província tornou público que Andrée Cernadok não encontrou como impedir que os fortes ventos movessem as areias que assoreavam a enseada da Pajuçara. Também esclareceu que não adiantaria a dragagem, pois os ventos rapidamente reporiam o material retirado.

A solução apontada era a de melhorar o porto de Jaraguá e para tal fim propôs a construção de “um quebra-mar curvo sobre o recife para facilitar melhor abrigo ao mesmo porto” (Jornal de Recife de 18 de maio de 1879).

Em 1907, o Porto de Jaraguá ainda não tinha resolvido o problema da construção do seu quebra-mar para proteger as embarcações nos períodos chuvosos.

Para se ter uma ideia dos prejuízos provocados pela falta desta obra, na noite do domingo, dia 7 de julho de 1907, um temporal atingiu Maceió e causou as seguintes destruições no porto: avarias nas barcaças Anna Leite e Laura Silva; grandes danos nas lanchas Carolina e Laurentina; naufrágio dos botes Voador e Baliza; ficaram despedaçados os botes Adamastor e Brazil.

“Todas as pequenas embarcações, lanchas, alvarengas e barcaças foram fundear no abrigado porto da Pajussara”, informou o Gutenberg. Até a lancha a vapor do serviço de Saúde do Porto procurou a Pajussara.

Jangada saindo para a pesca no mar de Pajuçara

Mesmo com amarras sobressalentes, os navios ancorados tiveram problemas e em um deles elas se partiram. O vapor Honorius, ainda pela manhã, tentou entrar no ancoradouro, mas não conseguiu por recomendação do prático.

A Pajuçara também era procurada para a movimentação de passageiros quando o mar estava muito revolto em Jaraguá. Nestas ocasiões, o trapiche da fábrica de sabão servia como “Ponte”. Esse equipamento foi demolido somente em 1930.

Em 1910, voltou-se a discutir a construção do cais do porto de Jaraguá ou desassorear a Pajuçara. Entre as especulações sobre qual projeto adotar, um deles, que apontava o Cais em Jaraguá como solução, tinha a preocupação de não prejudicar a comunicação das correntes marinhas com esta enseada, e propunha que a muralha a ser elevada tivesse “um viaduto, ou ponte, ligando o molhe com a praia” (Gutenberg de 20 de agosto de 1910).

Repetindo o acontecido em 7 de julho de 1907, novo temporal ocorreu na noite entre 24 e 25 de julho de 1928, provocando imensos prejuízos.

Os ventos sul criaram fortes ondas que levaram quase todas as embarcações fundeadas no porto de Jaraguá a naufragarem, entre elas 26 alvarengas carregadas de mercadorias, que faziam o transbordo entre os navios e as pontes de embarque e desembarque, e um rebocador.

Essa borrasca foi a responsável pelo aumento da pressão sobre os governantes para que resolvessem o mais rápido possível quem seria o responsável pela obra e onde ela seria instalada.

Somente após a Revolução de 1930 foi que surgiram as decisões para a construção do tão sonhado porto. A primeira delas foi adotada pelo presidente Getúlio Vargas, que baixou o Decreto nº 23.459, de 16 de novembro de 1933, concedendo ao Estado de Alagoas autorização para realizar as obras e o aparelhamento do porto de Maceió e explorar seu tráfego durante sessenta anos.

No dia 31 de janeiro de 1935, um despacho do interventor de Alagoas encerrou a polêmica sobre onde deveria ser construído o porto, se na Pajuçara ou em Jaraguá. Escolheu uma das duas propostas vencedoras da concorrência pública realizada pelo Ministério da Viação.

Para a construção do porto na Pajuçara somente o Consórcio Companhia de Construções Civis e Hidráulicas (Cobrazil – Civilhidro) se habilitou. Jaraguá recebeu proposta das duas firmas, mas foi vencedora a Companhia Geral de Obras e Construções S.A. (Geobra), principalmente por estabelecer que somente receberia qualquer pagamento depois de concluídos os trabalhos e o equipamento experimentado.

Praça Manoel Duarte durante a construção do Porto de Maceió, antes de 1940

Existiam então duas propostas vencedoras, uma para cada enseada. A definição ficou ao encargo do interventor Osman Loureiro, que optou por Jaraguá por ter menor volume de material a ser dragado e estar livre de assoreamento, além de ser mais conhecido entre os navegantes.

O custo foi de 18.688:612$200 e somente pago 30 dias depois do encerramento das obras, que tiveram início no dia 17 fevereiro de 1936 com a instalação do escritório técnico da Geobra na Praça Manoel Duarte, nº 106, na Pajuçara.

No início de março aportou em Maceió um cargueiro alemão com equipamentos para instalar pedreiras, transportar materiais e lançar pedras na construção do quebra-mar.

A inauguração do Porto de Maceió ocorreu em 20 de outubro de 1940 com a presença do presidente Getúlio Vargas.

CONTINUA AQUI.

6 Comments on Pajuçara, origem e ancoradouro (I)

  1. Fatima Pinto // 12 de agosto de 2019 em 20:30 //

    Que maravilha!! Parabéns por todo esse resgate!

  2. AGRIBENE SOARES BORGES // 12 de agosto de 2019 em 21:35 //

    Quando Getúlio Vargas inaugurou o Porto de Maceió.em outubro ,eu tinha apenas um mês de vida.Nasci em Maceió no dia 28 de setembro de 1940.

  3. Kleiner de Oliveira Ramos // 12 de agosto de 2019 em 22:40 //

    Excelente, Ticianeli! Notável!!

  4. Claudio Ribeiro // 15 de agosto de 2019 em 20:15 //

    Parabéns, prezado Ticianeli.
    Claudio Ribeiro
    Alagoano

  5. Max Balduino // 13 de março de 2021 em 10:10 //

    Parabéns pela qualidade do material e pelo serviço prestado a nossa memória e história.

  6. Edilma Acioli Bomfim // 13 de março de 2021 em 22:45 //

    Sensacional documentário!

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