Sudaneses e Bantos em Alagoas

Artigo publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 19 de outubro de 1952

Casal inter-racial e família em 1900. Foto Zaramella

Abelardo Duarte

Os negros africanos (Sudaneses e Bantos) trazidos para o Brasil, embora representando os primeiros um dos grupos mais puros, não se apresentam, sob o aspecto antropológico-físico, com certa unidade de caracteres.

Não eram aliás, consideráveis as diferenças somáticas existentes. É que no terreno racial como no cultural, não existe mesmo essa unidade. O simples estudo das classificações raciais propostas deixa entrever que o conglomerado humano no continente africano não guarda uma homogeneidade física.

Estivadores descarregando barco no Portinho, São Luís, Maranhão. Foto de Pierre Verger em agosto de 1948

E essa falta de uniformidade constatou-se perfeitamente entre tipos introduzidos no nosso país, não somente entre os componentes dos diversos grupos, como também entre os dum mesmo grupo.

A área afro-alagoana é tida, geralmente, como de predominância dos representantes do grupo Bantu. Não se apresentam, porém, os povos Bantu (grupo meridional, ocidental e oriental) como um tipo antropológico-físico homogêneo. Reside a sua unidade apenas no terreno linguístico. Foram povos longamente mestiçados.

Pode-se citar, por exemplo, o grupo Bantu meridional que, segundo Seligman, possui uma grande variedade de tipos e uma notável diversidade nos seus caracteres físicos.

Mas não apenas povos Bantu tiveram entrada no território das Alagoas.

Já me tenho referido à necessidade de modificar-se o conceito de uma exclusividade dos afro-negros entrados e, admitindo-se a predominância dos representantes dos grupos Bantu, também participaram, talvez em maior escala do que se pensa, no caldeamento das nossas populações.

Cultura negra no Brasil

Os documentos históricos que venho compulsando, relativamente ao período de 1836 a 1867, induzem-me a pensar deste modo. E a pensar não apenas numa contribuição numérica razoável, mas, também influência cultural só explicável pela presença dos negros sudaneses.

É interessante assinalar que se trata precisamente de uma fase de ilegalidade do tráfico negreiro, pois, o Brasil tendo assinado, em 1826, e ratificado em 1827, uma Convenção para abolição completa do tráfico em 1830, só com a lei Euzébio de Queiroz, promulgada a 4 de setembro de 1851, definitivamente o extinguiu.

Entretanto, durante o período de ilegalidade foi intenso o resgate. E ainda é conhecido e verdadeiro que, mesmo depois dessa data, houve a entrada de novos negros africanos, mas, o governo passou a reprimir com decisão o contrabando.

Terei oportunidade de mostrar aspectos desconhecidos dos contrabandos de negros nas costas alagoanas, a partir de 1836.

Os grupos negros, tanto sudaneses como bantus, eram bastante cruzados e, no Brasil, ainda maior foi a mistura étnica. Donde, não só nas Alagoas como noutra qualquer parte da zona de influência africana no Brasil, teria sempre o pesquisador de enfrentar o mesmo problema da variedade de caracteres somáticos. Aliás, problemas da variedade que não são apenas condicionados à herança biológica, à herança dos caracteres raciais, mas a fatores de outra ordem, como o cultural.

Já há muitos anos escreveu o eminente professor Roquette Pinto, com enorme dose de sabedoria e previsão: “O progresso não acaba somente com o tipo étnico, desfazendo caracteres sociais, desarticula também o tipo antropológico.

Religião africana no Brasil

E mais recentemente, as conclusões de L. C. Dunn e Th Dobzhanski citadas no trabalho do professor Thales Azevedo — CULTURA E BIOLOGIA EM ANTROPOLOGIA, aula inaugural dos cursos da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, em 1951, situam o problema nesses termos: “A herança por si mesma não determina sequer os nossos traços somáticos e fisiológicos, porém são respostas ou tendências para determinação das categorias de respostas dos indivíduos aos estímulos do ambiente”.

Ora o cruzamento que se operou e prosseguiu, fez-se de maneira pronunciada senão completa. Prova-o à farta o estudo dos caracteres antropológicos essenciais do negro brasileiro.

As medidas antropométricas conhecidas, notadamente, o índice cefálico e a estatura comparados com os dos padrões originais, como fez o professor Roquette Pinto, mostram diferenças sensíveis. A braquicefalia (81 84 — Roquette Pinto) dos afro-brasileiros contrasta com a dolicocefalia (menos 75) dos negros africanos, como igualmente é chocante a baixa estatura dos primeiros (164 178 [168] — Roquette Pinto) e elevado tamanho dos segundos (170 a 179).

Acha, porém, o professor Marcelo Boldrini em obra recente (1) que “esses são todos sinais de cruzamentos, entre estirpes com dimensões e formas físicas contrastantes, nas quais se afirma a dominância diversamente intensa — e talvez derivadas do critério aplicado na escolha — da estatura baixa, da forma craniana braquioide e das platirrinias”.

Entretanto, estas diferenças biométrico-raciais, por estranhas que pareçam, notadamente a que se refere à estatura, parecem reais. Como o professor Marcelo Boldrini aventou aspectos novos do problema das raças no Brasil, qual seja o seu estudo genético, quero crer que os problemas biológicos que suscitou sejam motivo para novas pesquisas dos nosso eminentes antropologistas.

Estamos em face de questões do maior interesse científico, como a de provar-se se o fenômeno observado corre por conta, como já se procurou esclarecer, do fator alimentar, por exemplo, (fenômeno da estatura) ou se as medições dos melonodernos brasileiros incidindo, de fato sobre representantes das estirpes a que se fez alusão o referido professor Marcelo Boldrini não exprimem os verdadeiros caracteres do tipo antropólico de afro-brasileiro.

Não é menos verdade também que os grupos Bantus, especialmente o meridional, não apresentam altura elevada e estes últimos têm uma estatura média de cerca de 1m68.

A fase de unidade de caracteres somáticos abrange os dois grandes grupos.

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