O histórico Consulado de Rendas de Jaraguá

Inaugurado em 7 de setembro de 1870, já foi a Recebedoria Central e recebe atualmente o Museu da Imagem e do Som de Alagoas, o MISA

Prédio do Consulado em Jaraguá logo após a inauguração em 1870

Quando a Corte lusitana desembarcou no Rio de Janeiro em março de 1808, e meses depois decretou a abertura dos portos, o Brasil não somente deixou de ser uma colônia, mas passou a ser a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Com a Corte estabelecida no Rio de Janeiro, umas das alterações mais notadas foi a reorganização das instituições econômicas e fiscais da antiga Colônia.

Recebedoria em Jaraguá no final do século XIX

Inspirado no antigo imposto de 3%, que incidia sobre mercadorias exportadas, conhecido como “Consulado” e estabelecido por Felipe II de Espanha e I de Portugal em 1591, D. João VI criou as Mesas do Consulado no Brasil.

O Decreto de 7 de julho de 1818 que instituiu a Mesa do Consulado da Corte pretendia arrecadar do comércio exterior os impostos de exportação e outras contribuições. Arrecada 2% do valor das transações.

Com a evolução da arrecadação, foi criada, pelo decreto de 4 de fevereiro de 1823, a Administração das Diversas Rendas Nacionais no Rio de Janeiro, vinculada à Mesa do Consulado, mas já de olho nos impostos e contribuições internos.

Foi para ser sede do Consulado em Maceió que, em 1868, o presidente da província, José Bento Figueiredo Júnior, encomendou o projeto para a construção do prédio próprio desta unidade fiscal arrecadadora na Província, onde funcionaria a Mesa de Renda e a Alfândega da capital alagoana.

Recebedoria de Jaraguá em 1911. Foto de Luiz Lavenère

Bento Figueiredo considerava um desperdício do dinheiro público pagar aluguel de 60$000 rs: “Melhor fora construir um edifício próprio nas proporções indispensáveis”.

O local da construção do Consulado teria que ser o mais próximo possível da Ponte de Embarque e Desembarque do porto de Jaraguá, que inicialmente havia sido projetada pelo engenheiro Carlos Mornay, em 1865, para ser erguida no futuro Aterro de Jaraguá, atual Av da Paz.

Em 1868, o local da Ponte foi alterado quando a obra mal tinha começado. A mudança atendeu a determinação do então presidente da Província, Graciliano Arestides, que convenceu a empresa construtora sobre a existência de uma melhor localização.

Ponte de Embarque e Desembarque de Jaraguá fotografada da Recebedoria no início do século XX

“O local destinado para esta obra não me pareceu o mais apropriado. Em conferência com o superintendente Hugh Wilson fiz ver isto e exigi que declarasse se podia ser em frente do largo da Matriz, que por mais espaçoso e mais próximo ao recife, onde o mar é menos encapelado, mais comodidade oferece aos passageiros”, esclareceu o governante.

Ainda em 1869, com a definição do local da Ponte, naturalmente se estabeleceu também onde deveria ser erguido o Consulado, que teve o contrato para execução da obra assinado em 28 de maio daquele ano com a firma Vasconcellos & Moraes.

Recebedoria Central e entrada para a Ponte de Embarque e Desembarque de Jaraguá no início do século XX

A benção do local e a colocação da pedra fundamental ocorreram três meses depois, na tarde de 12 de agosto. Segundo o jornal maceioense O Beija Flor (“Joco-sério e noticioso”), o ato “esteve bem animado e concorrido pelo belo sexo”.

Inauguração

Um pouco mais de um ano após, na noite de 7 de setembro de 1870, o presidente da Província inaugurou o Consulado e a Ponte de Embarque e Desembarque, esta construída pelo engenheiro baiano Hugh Wilson.

O Consulado, pouco tempo depois já estava recebendo alteração em sua arquitetura. José Bento Figueiredo Júnior não gostou da falta de simetria da obra, que tinha uma guarita no lado de entrada para a Ponte de Embarque e Desembarque. Exigiu então uma guarita semelhante do outro lado e nela acomodou o corpo da guarda daquela unidade.

Esses guardas seriam hoje algo próximo de uma polícia fazendária.

Praça Dois Leões com a Recebedoria ao fundo nos primeiros anos da segunda década do século XX

Pela insatisfação demonstrada pelo presidente da Província João Thomé da Silva, em relatório de 1876, o prédio não foi bem construído. Ele indicou que a cobertura já precisava de reparos por causa das goteiras. “Conviria antes reconstruí-la, em vista da má construção que recebeu”, constatou.

Permaneceu como Consulado até 1891, quando, logo após a aprovação da primeira Constituição republicana, Ruy Barbosa, ministro da Fazenda, mandou fechar tesourarias, coletorias e mesas de renda não alfandegadas e transferiu suas atribuições para as Alfândegas, nas localidades onde elas existiam.

Foi um erro logo corrigido no ano seguinte (1892), quando surgiram as primeiras Delegacias Fiscais do Tesouro Federal onde não havia alfândegas, sucedendo as extintas tesourarias.

Em Maceió e Penedo, no Estado de Alagoas, foram criadas repartições aduaneiras. Na capital, ocuparam o prédio da Alfandega, também em Jaraguá.

O edifício do extinto Consulado foi ocupado então pela Recebedoria Central do Estado.

Segundo pavimento

Em 24 de fevereiro de 1918, durante a gestão do governador Baptista Aciolly, o prédio foi reinaugurado após receber o segundo pavimento em sua parte central. A reforma foi acompanhada pelo arquiteto José Diniz da Silva.

Recebedoria Central fotografada da Ponte de Embarque e Desembarque

Baptista Aciolly deixou o governo no dia 12 de junho de 1918. No dia anterior inaugurou “os serviços de aformoseamento mandados executar nas imediações da Recebedoria Central. A praça ficou de aspecto muito agradável, os largos passeios arborizados, havendo ainda bonito cais que vai desde a ponte de desembarque até o Trapiche Williams” (A Província de 15 de junho de 1918).

Essa área “aformoseada” é a atual Praça 18 do Forte de Copacabana.

Já funcionando como Coletoria Estadual, a Recebedoria Central, antigo Consulado, passou a dividir o prédio com a Delegacia do 2º Distrito de Maceió a partir da década de 1940.

Bonde no ponto da Recebedoria em Jaraguá

A partir da década de 1970, essa repartição fiscal do Estado permaneceu utilizando o local praticamente como um depósito de documentos.

O prédio foi cedido pelo governador Guilherme Palmeira para o Museu da Imagem e do Som de Alagoas (MISA) em março de 1982.

Na verdade, existia somente um embrião de Museu. Foi necessário promover campanha pública para receber doações e assim montar seu acervo.

O MISA, que havia sido criado em 3 de setembro de 1981 por Bráulio Leite Júnior, então presidente da Fundação Teatro Deodoro, funcionava precariamente numa sala do Teatro Deodoro. Somente em de 6 de março de 1987, quando já existia material suficiente para expor e o prédio da Recebedoria concluiu sua reforma, o MISA foi inaugurado. Seu  diretor era o jornalista Bezerra Neto.

Multidão à frente à entrada para a Ponte de Embarque e Desembarque recepciona alguma autoridade. Ao lado a Recebedoria

Com a execução do Projeto de Revitalização de Jaraguá, a partir de 1999, o prédio recebeu investimentos e foi novamente reformado. Nesse período a Delegacia do 2º Distrito deixou de ocupar uma de suas alas.

Abriu as portas novamente em 2000, durante a gestão da prefeita Kátia Born.

O acervo do MISA, um dos equipamentos da Secretaria Estadual de Cultura, é formado por fotografias, fitas VHS, fitas K7, DVD, disco de Vinil, equipamentos de Áudio e Vídeo, filmes 16mm, filmes Super 8, negativos e slides e livros.

Disponibiliza ainda o acesso ao acervo do radialista Edécio Lopes, com quase 12.000 itens; livros, fitas de áudio e vídeo cassete do acervo do jornalista Freitas Neto e Vladimir Calheiros.

Está aberto à visitação pública de terça à sexta-feira, das 8h às 17h.

Misa ainda com a Delegacia do 2º Distrito. Foto de José Ronaldo

O pilarense Gilberto Silva Leite começou a trabalhar no Museu em 1982 como catalogador das fotografias e dos recortes de jornais. Atualmente respondendo pelo Setor de Pesquisas, o funcionário mais antigo do MISA revela que trabalhar com um acervo que é parte da história de Alagoas lhe trouxe muitos ensinamentos.

“Aprendi muito com o César Rodrigues, que já faleceu. Foi ele quem me orientou desde o princípio. Hoje valorizo cada foto e cada objeto aqui guardados e sinto um orgulho enorme em trabalhar num prédio que completa 150 anos de existência e faz parte da história do nosso Estado”, exaltou Gilberto.

2 Comments on O histórico Consulado de Rendas de Jaraguá

  1. Fabrícia Barreto // 7 de setembro de 2020 em 23:11 //

    Parabéns pelo seu trabalho primoroso que norteam minhas pesquisas, muito obrigada.

    Aproveitar para tb citar o seu Gilberto que sempre recebe muito bem que procura o MISA, com ele aprendi a olhar uma fotografia antiga e interpretar, todas com muita informação.

  2. FLAVIO ROBERTO BERGER // 12 de abril de 2021 em 21:27 //

    Bom dia
    Prezado Senhores

    Preciso de um auxilio, preciso da autorização de uso da foto histórica do porto e se possível fornecer com resolução boa para possível utilização no 1º livro de portos da América Latina: “ Portos da América do Sul e Marinha do Brasil ”.
    Com o auxílio, colocaremos o nome em agradecimentos, bibliografia.
    Se tiver mais fotos, apresentar.
    Foto = https://www.historiadealagoas.com.br/predio-que-ja-foi-o-consulado-de-rendas-de-jaragua-completa-150-anos.html
    Ponte de Embarque e Desembarque de Jaraguá fotografada da Recebedoria no início do século XX
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    • ITAMARATY (Ministério das Relações Exteriores)
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    * Faculdades/Universidades, escolas técnicas navais no exterior/internacionais.
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    * Patrocinadores/apoiadores/parceiros.

    Certos de que poderemos contar com seu importante apoio, no aguardo da resposta.

    Att.

    Flávio R. Berger
    (Jornalista /Autor/Editor/Fotógrafo)
    wattzapp +55 47-999846805

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