Petróleo, sal-gema e a histórica ausência da consciência ambiental e ecológica em Alagoas

Planta industrial da Salgema em Maceió no final da década de 1970

Edberto Ticianeli
Jornalista

Festejado e comemorado por ter escrito Canais e Lagoas, o viçosense Octavio Brandão é considerado como um pioneiro nos estudos sobre a terra e o homem das Alagoas. Iniciada em 20 de abril de 1916, sua pesquisa o levou a percorrer 1.500 quilômetros, 600 deles a pé.

“Preocupado com o futuro do Brasil”, o autor, já no prefácio da 2ª edição do livro, revelava que também se moveu para “descobrir riquezas naturais em geral e o petróleo em particular”. Dizia então, em suas palestras, que o Brasil ainda não havia sido descoberto.

Conclamava ao desbravamento das nossas terras para “descobrir e utilizar em proveito do Povo as riquezas imensas do Brasil: os metais, os combustíveis, os adubos, os produtos químicos, os materiais de construção, todas as matérias primas industriais, todos os produtos agrícolas, todas as forças poderosas da Natureza”.

Em 1917, Brandão chegou a indicar 14 locais com indícios da existência de petróleo. Deixou isso registrado no folheto “A mineração e a geologia dos Canais e Lagoas”. Citava o Broma, os canais da lagoa, Rio do Cobre, Porto Francês, Garça Torta, Utinga, Riacho Doce, Japaratuba e Maragogi. É verdade que alguns desses lugares já eram citados no Almanak do Estado de Alagoas de 1894, no título “Mineralogia”: “Em diversos pontos do Estado, especialmente nas comarcas de Maceió e Camaragibe, encontra-se turfa e xisto betuminosos […]”.

Octávio Brandão

O autor da pesquisa foi mais além ao indicar a necessária abertura de poços de sondagens. “Isto é um tesouro tão fabuloso que um dia resolvendo fazer um cálculo sobre o valor do petróleo que se poderia retirar desses lugares, tive de recuar assombrado. Só aparece um conto das Mil e uma Noites, misturado com as velhas histórias d’Eldorados e Sabarábuçus, que enlouqueceram as almas ávidas e heroicas dos Bandeirantes“.

Como se percebe, Octavio Brandão seria enquadrado atualmente como um desenvolvimentista, um ativista político em busca do crescimento econômico do país. Intenção nobre e louvável, considerando que Octavio Brandão externou essas ideias no início do século XX, três décadas após o fim do regime imperial, em um país tentando se estabelecer como República, conquista liderada pelas ideias positivistas.

A busca era pela completa independência, algo possível somente com a construção de um novo país, desenvolvido e rico.

Entretanto, constata-se que o sonho do progresso e do desenvolvimento ainda não era acompanhado por preocupações ecológicas e ambientais.

Essa mesma ausência é notada nos projetos do alagoano de Quebrangulo Edson de Carvalho, que no final da década de 1920 passou a prospectar petróleo em Riacho Doce, área que havia sido disputada pelos herdeiros de Caetano de Mesquita e por João Bach, pretensos descobridores do petróleo em Maceió.

Novas pesquisas em busca de petróleo foram realizadas em Alagoas a partir de 1939. Nesta fase, sob os auspícios do Departamento Nacional de Produção Mineral. Os estudos foram realizados inicialmente pela United Geophysical Company, uma empresa norte-americana.

Entre 1939 e 1942, sete novas perfurações ocorreram em Alagoas. Duas delas na Ponta Verde, uma ao lado do coqueiro Gogó da Ema e outra nos arrecifes à frente. Esta última teve, posteriormente, a sua plataforma de concreto aproveitada para a construção do farol. Segundo Lindonor Mota, quatro delas ocorreram entre maio e novembro de 1939 ao redor da Lagoa Mundaú (Levada, Mutange e Bebedouro), em Maceió.

Exploração de petróleo na Ponta Verde com o Gogó da Ema ao fundo

Sem melhores resultados, no final de 1942 as sondas foram desmontadas e levadas para Salvador. Em entrevista publicada em 10 de janeiro de 1940 no Diário de Pernambuco, o engenheiro chefe da Diling Explorat Company, que estava trabalhando nas explorações de Alagoas há 23 meses, argumentou que a transferência se deu porque “há grande empenho em intensificar a produção de petróleo baiano”.

Foi em uma dessas sondagens em Bebedouro que se “descobriu importantes jazidas de sal-gema que seriam aproveitadas décadas depois”, informa Cícero Péricles de Carvalho no livro Formação Histórica de Alagoas.

Continuávamos em busca das riquezas reveladas por Octavio Brandão, mas sem qualquer preocupação ecológica e ambiental.

Petrobras

Voltamos a procurar petróleo em terras alagoanas a partir de 1955, quando já existia empresa Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras, criada em 3 de outubro de 1953 pelo governo Vargas.

Em Alagoas, a primeira equipe de pesquisadores foi liderada pelo engenheiro Diego Lodroño. Ainda em 1955, mais duas equipes desembarcaram em Maceió.

Os trabalhos de prospecção, a encargo da firma norte-americana Hanney and Williams Drilling Co., tiveram início em 28 de janeiro de 1957 com a instalação de duas sondas: uma no Tabuleiro do Martins e outra em Jequiá da Praia, ainda pertencente a São Miguel dos Campos.

No dia 17 de agosto de 1957, o petróleo jorrou em Jequiá da Praia. No Tabuleiro do Martins o mesmo aconteceu dois meses após, no dia 17 de outubro. Com essa descoberta, Alagoas passou a ser o segundo Estado brasileiro a produzir petróleo, registrou o professor Cícero Péricles.

Em 1958, foram abertos novos poços de sondagem em Jequiá da Praia, São Miguel dos Campos e foz do Rio São Francisco. Em Piaçabuçu a exploração teve início em 1961. Dois anos depois foi a vez de Coqueiro Seco.

Até 1960, mais 22 poços foram perfurados entre São Miguel dos Campos e Piaçabuçu. Nenhum deles tinha viabilidade comercial. Naquele ano, somente o de Jequiá produzia a contento da empresa.

Entre 1961 e 1964, 16 novos poços foram perfurados em Alagoas. Estavam distribuídos por Piaçabuçu, Feliz Deserto, Coruripe, Coqueiro Seco, Pilar, Marechal Deodoro, Paripueira, Passo de Camaragibe, Satuba e Tabuleiro dos Martins, onde existiam quatro poços.

 

Carreata na Rua do Comércio em Maceió, comemorando 10 anos da Petrobras, em 1963

Frustrando o entusiasmo inicial, os 58 poços de Alagoas não renderam o esperado, além disso nada se conseguiu nas prospecções dos campos marítimos de Mero e Cavala na plataforma continental.

Em 1969, o distrito operacional da Petrobras em Maceió foi transferido para Aracaju, em Sergipe, que operava o poço de Carmópolis desde 1963 e conseguia extrair petróleo da plataforma continental desde 1968.

Houve protestos em Maceió contra essa decisão, mas a empresa manteve a transferência. Era o fim do ciclo da exploração intensiva desse recurso mineral em Alagoas.

O petróleo tinha sido anunciado como sendo a redenção econômica do estado, gerando emprego e renda. Os valores arrecadados com os royalties trariam riqueza e independência econômica. Por isso contava com o apoio da sociedade, mesmo que sua importante exploração não contasse com algum plano de proteção ambiental.

Sal-gema

Foi com essa complacência histórica que Maceió viu o empresário baiano Euvaldo Freire de Carvalho Luz iniciar prospecção para extrair sal-gema “em terrenos de sua propriedade e do Domínio da União, da Lagoa do Norte [Mundaú] no distrito e município de Maceió, no Estado de Alagoas, numa área de quinhentos hectares (500 ha)”, como autorizava o Decreto nº 59.356 de 4 de outubro de 1966. Assim nasceu a Salgema Indústrias Químicas Ltda.

Antes, em 1944, o Governo Federal já havia liberado a exploração por 22 anos para um grupo internacional, que não conseguiu explorar o sal-gema e a concessão caducou em 1966.

Planta industrial no início das operações da Salgema nos anos 70. Acervo APA

Somente na década de 1970 foi que surgiram os primeiros olhares sobre o meio ambiente com intenções protecionistas. Partiam principalmente dos técnicos da Secretaria de Planejamento, da Universidade Federal de Alagoas e de algumas poucas lideranças políticas.

Destaca-se desse período o Projeto de levantamento Ecológico Cultural da Região das Lagoas Mundaú e Manguaba (PLEC), apresentado em 1980 pela Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas. Estudava os crustáceos decápodos (camarões, siris, lagostas, lagostins e caranguejos) de importância econômica, “procurando desta forma encontrar os pontos de convergência entre a exploração desses recursos e o desenvolvimento da cultura da região”.

Alertava para as “marcantes alterações no meio ambiente e na população local” das lagoas Manguaba e Mundaú. Pretendia fornecer dados para a “minimização de prejuízos culturais e ecológicos que possam advir dessa implantação […]”.

Mesmo com o reduzido engajamento da sociedade, esses profissionais lideraram as primeiras reações à localização da planta industrial da Salgema no Trapiche da Barra. Da mesma forma reagiram, em 1985, ao projeto de expansão da empresa em Maceió e contra a instalação do Polo Cloroquímico no Tabuleiro de Marechal Deodoro.

Afundamentos

Quando a terra tremeu em Maceió no dia 3 de março de 2018 e com surgimento de afundamentos e rachaduras nos bairros do Pinheiro, Farol, Bebedouro, Mutange e Bom Parto, seus moradores se mobilizaram para cobrar das autoridades a urgente identificação da origem dos problemas.

Sabendo-se que as minas da Braskem naqueles bairros estavam provocando os afundamentos, passou-se então à cobrança da penalização desta empresa, incluindo as indenizações aos moradores afetados pelos danos.

Perfuração de mina no Campo de Salmoura da Salgema em Bebedouro na década de 1970

Em paralelo, e pela primeira vez na história de Alagoas, ampliou-se o debate sobre consciência ambiental e ecológica para amplos setores da população, incluindo os não afetados diretamente.

Isso tem alguma importância? Tem muita.

Não custa lembrar que por falta do exercício da cidadania em épocas passadas, escapamos por pouco de termos hoje algumas torres de petróleo na Ponta Verde. Isso mesmo, ao lado do Marco dos Corais. Outras na margem da Lagoa Mundaú, onde estariam, em mais de uma dezena, com risco de vazamentos de óleos em suas águas.

Vamos torcer para que tenha fim de uma vez por todas a histórica permissividade originada pelo não envolvimento da população com as questões que dizem respeito à sua cidade.

5 Comments on Petróleo, sal-gema e a histórica ausência da consciência ambiental e ecológica em Alagoas

  1. Miguel Gustavo de Paiva Torres // 8 de dezembro de 2023 em 17:28 //

    Que maravilha de artigo. Uma luz sobre a história do petróleo e do Salgema em Alagoas. Escapamos de um dano ainda maior.

  2. A Exploração do petróleo em Alagoas, mesmo não tendo o sucesso desejado foi boa enquanto durou, perguntem aos que trabalharam nesta atividade em Alagoas, os salarios em relação ao mercado eram otimos, trabalhei 34 anos na PETROBRAS em Alagoas e em outros estados,bem que poderiam ter poços na praça dos martirios, deodoro ponta verde ,pirulito, gerando emprego, a Salgema , a mesma coisa, foi bom e é boa, o estado não tem outras boas atividades economicas industriais, as usinas estão capengas,a ecologia é boa quando o povo tem emprego e renda decente,ser ecologista com emprego publico é bom demais

  3. Sérgio A. Santos // 9 de dezembro de 2023 em 18:04 //

    Ótimo artigo! Admito que a geração de emprego e renda foram positivos. Mas, isso não muda a degradação do meio ambiente por conta de uma mineração irresponsável. Se o preenchimento das fossem feitos à medida em elas aumentavam suas cavidades, este problema não teria acontecido. O mesmo acontece com a derrubada das florestas de forma irresponsável! Sei que muitos trabalhadores sustentaram suas famílias trabalhando com o petróleo e com o sal-gema. Hoje seus filhos, netos e outros familiares dos bairros afetados pagam um alto preço. Mas, o maior culpado é o Governo que não fiscaliza de forma eficiente esse tipo de exploração.

  4. Caro Roberto Albuquerque de Gusmão Correia, se sua intenção foi a de diminuir o autor (recurso retórico) ao imputar-lhe ser detentor de emprego público, lamento lhe informar que o autor não tem emprego público algum. É um profissional autônomo. Mas agradeço por contribuir expondo sua visão sobre o problema, que, de certa forma, comprova que o autor está abordando algo real, existente. Obrigado por contribuir.

  5. Confesso que não sabia, nada disso, foi uma aula! Obrigado!

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