Os cemitérios de Jaraguá: dos Ingleses e de Nossa Senhora Mãe do Povo

Cemitério de Jaraguá com a Igreja da Santa Cruz ao fundo. Foto de Edberto Ticianeli

O primeiro cemitério a ser construído em Jaraguá foi o Cemitério dos Ingleses, que já aparecia na planta desenhada por Carlos Mornay, em 1841, para o planejamento da capital. Esse mapa era baseado no trabalho de José da Silva Pinto de 1820, traçado a pedido do presidente da Província Melo e Póvoas.

Segundo Moacir Santana, em “Contribuição à história do açúcar em Alagoas”, sua construção ocorreu em 1825, quando a presença de ingleses em Maceió era expressiva. Foi o governo britânico que adquiriu o terreno na então deserta praia de Jaraguá.

Localização Cemitério dos Ingleses em 1841 na Av. da Paz

Este foi o primeiro cemitério erguido, em Maceió, e onde foram sepultados corpos fora dos domínios de uma Igreja e sem o controle das irmandades.

Cumpria o artigo 12º do Tratado de Navegação e Comércio assinado entre Portugal e Grã Bretanha no início daquele século, e que permitia aos súditos britânicos o direito de serem sepultados em cemitérios particulares.

Segundo o jornal da maçonaria Labarum de 29 de outubro de 1875, o “cemitério dos protestantes” era um “recinto murado que demora à rua do Saraiva [atual Av. da Paz] desta cidade, antigo Aterro, em Jaraguá, e onde se sepultam as pessoas acatólicas, que a abertura para a estrada, praticada num dos muros laterais fronteiro a rua, era obstada por uns paus atravessados em forma de curral de bois para guardarem duas ou três vacas que ali pastavam por cima das sepulturas ao nível do chão, que se achava entulhado de quantas imundícies e arbustos parasitas podem crescer em terreno que, nos disseram, está de há muito tempo, servindo de verdadeiro esterquilínio!!!”.

O articulista cobrava que se colocasse um portão “naquele jazido de mortos” estrangeiros, na maioria ingleses e norte-americanos. Criticou duramente o sr. G. W. Wucherer por não ter tomado nenhuma providência.

“Ninguém se moveu até hoje, o indiferentismo continua como que para exacerbar os ânimos e a responsabilidade cairá principalmente sobre a cabeça do aristocrata o sr. Wucherer que pode gozar de todos os cômodos da vida, como representante de uma potência estrangeira, enquanto que os restos mortais dos súditos cujos interesses ele deve advogar, se acham contundidos pelas patas dos animais e cobertos de imundície de toda a espécie!”, protestava.

Como se percebe, o Cemitério dos Ingleses estava abandonado em 1875, provavelmente devido a inauguração em 1855 do Cemitério Público de N. S. da Piedade na Estrada do Trapiche, cuja autorização de construção foi emitida pela Lei nº 130, de 6 de julho de 1850 e nele reservada uma quadra para enterros de suicidas, ateus, protestantes e outros não católicos.

O cemitério da futura Av. da Paz foi interditado pela Lei nº 119 de 21 de setembro de 1909, quando o intendente era Antônio Guedes Nogueira. Os restos mortais foram exumados e levados para outro cemitério, provavelmente para o de Jaraguá.

Seus muros permaneceram de pé até 1920, quando o terreno foi vendido à sra. Virgínia de Carvalho Lima (tia do general Mário Lima), que ergueu um palacete no local. Ganhou, anos depois, o nº 1352 da Av. da Paz e foi residência de Flávio Luz e depois de Dalmo Peixoto.

Segundo Carlito Lima, sobrinho neto da primeira moradora, ela permaneceu no edifício até os anos 50 e a família brincava com ela dizendo que em sua residência as almas falavam inglês.

A construção de cemitérios fora das igrejas foi resultado de uma política imperial que começou a ser adotada em 1801, quando a Carta Régia de 11 de janeiro proibiu o enterro nas igrejas dos domínios ultramarinos portugueses e ordenou que fossem construídos cemitérios fora das cidades, com capela e capelão, se opondo à prática dos enterros católicos dentro de templos religiosos ou no entorno das igrejas, considerados locais sagrados.

A orientação foi solenemente esquecida e nenhum cemitério foi construído para cumprir estas orientações.

Nova tentativa ocorreu após a independência, em 1825, quando um decreto voltou a exigir a construção de cemitérios fora das cidades.

Essa mesma orientação foi incluída na Lei de 1º de outubro de 1828, que definiu o funcionamento das Câmaras Municipais e suas atribuições.

No Título III, que trata das Posturas Policiais daquele poder, surge a autorização para que deliberassem “Sobre o estabelecimento de cemitérios fora do recinto dos templos, conferindo a esse fim com a principal autoridade eclesiástica do lugar”.

A Lei nº 32, de 3 de dezembro de 1845, determinou em seu artigo 1° que estava “absolutamente proibido enterrar corpos dentro das igrejas ou sacristias, e quem assim procedesse, seria multado em 10$000. Esta Lei preconizava que somente seria aplicada a punição após a construção destes novos cemitérios ou, pelo menos, quando as Câmaras determinassem locais provisórios para este fim.

Mesmo com estes poderes, a maioria das Freguesias somente adotou a medida a partir da década de 1850, quando a consciência higienista e as epidemias identificaram o ar poluído pela decomposição dos corpos como ameaça à saúde pública.

Havia ainda a crença que o cemitério instalado num recanto tranquilo, longe dos pecadores, garantiria aos mortos o sossego e a paz para sofrerem suas saudades sem incômodos.

Mesmo com estes argumentos, não foi tranquila a retirada da exclusividade das instituições católicas do controle sobre os enterramentos, considerando principalmente que esta era a principal fonte de renda de muitas destas entidades.

Os poderes civis e eclesiásticos entraram em conflito e a solução encontrada foi entregar a administração destas unidades públicas para as Santas Casas de Misericórdia e ceder espaços para as irmandades construírem lá suas catacumbas.

Em Maceió, o Cemitério de N. S da Piedade passou por este processo, retornando à administração municipal somente em 1880. (Veja mais informações AQUI)

Cemitério de Jaraguá

Capela do Cemitério de Jaraguá, foto de Edberto Ticianeli

Segundo Félix Lima Júnior em seu livro Cemitérios de Maceió, de 1983, foi a Lei nº 341, de 6 de maio de 1858, que autorizou a  Irmandade de Nossa Senhora Mãe do Povo a instalar um cemitério em Jaraguá.

Não houve a determinação do local, ficando a encargo da instituição religiosa a definição do espaço mais conveniente.

Como as dificuldades eram grandes para a conclusão da obra, uma nova Lei, a de nº 489, de 3 de julho de 1866, alocou 2.000$000 de recursos públicos em sua construção.

Em outubro daquele mesmo ano, quando Silvério Jorge transmitiu o cargo de presidente da Província para José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, o cemitério ainda estava inconcluso.

No relatório, o governante informou que já existiam partes dos muros e que havia improvisado na sua frente uma cerca de madeira e um portão com cadeado. Revelou ainda que dos 3.300$000 investidos na obra, somente 300$000 vieram das esmolas dos fiéis.

A comissão encarregada da obra, liderada por Manoel Cavalcanti de Souza, era a mesma que acompanhava a construção da Matriz de Jaraguá.

O presidente Bento Júnior, quando prestou conta do seu mandato em 16 de março de 1870, comunicou que o cemitério ainda estava em obras e lhe faltava a capela. Entregou mais 1.500$000 para o frei José Maria Cataniceta.

Pela Lei nº 8886, de 30 de junho de 1882, mais 3.000$000 foi repassado para o cemitério. O presidente da Província era Augusto Cândido Ferreira Franco.

Em 1891, o local era administrado pelo tesoureiro da Irmandade, José Francisco Coelho da Paz.

Em sua primeira localização, o Cemitério de Jaraguá ocupou uma área onde hoje está construída a Igreja da Santa Cruz, em frente ao atual cemitério.

Surgiu para receber as vítimas da cólera em 1854. “Foram muitos os que morreram de cólera, e no cemitério feito para eles foi erguido um cruzeiro. Os fiéis, aos pés daquela cruz, rezavam pela sua saúde e de seus familiares, e faziam muitas ofertas” (relato o bispo de Olinda pelo 2º pároco. Fonte https://paroquiamaedopovo.wixsite.com/).

“A devota, Anna Rosa de Verçosa, ficava ao pé do cruzeiro, iluminando-o com lamparinas e guardando as esmolas que os fiéis ofereciam. Lá, os fiéis rezavam com fervor o Santo Rosário. Com a ajuda dos fiéis, mediante dinheiro e material de construção, foi levantada a Capelinha de Santa Cruz, em 1900, no lugar onde foram enterrados os que morreram por causa do cólera, sendo a época Pároco Pe. Pedro de São Bernardo Peixoto, o segundo pároco da freguesia Nossa Senhora Mãe do Povo. (Fonte https://paroquiamaedopovo.wixsite.com/).

Quem primeiro registrou a existência do Cemitério de Jaraguá nos periódicos foi o Jornal do Pilar de 14 de julho de 1878. Noticiou o assassinato na Pajuçara do coveiro daquele campo, um “tal de Pires”.

Mausoléu de Justino Torres no Cemitério de Jaraguá, foto de Edberto Ticianeli

Em 9 de março de 1882, a Gazeta de Notícias o citou como sendo utilizado por um criminoso como rota de fuga.

O Gutenberg de 6 de agosto de 1905 publicou a carta de um leitor reclamando sobre o estado de abandono do cemitério. Para resolver o problema, o denunciante faz um apelo ao “Prelado Diocesano, único competente para providenciar, em vista de não ser o Cemitério secularizado [municipalizado]”.

Segundo Félix Lima Júnior, “Era uma tristeza visitá-lo e encontrar mausoléus derrubados, túmulos em ruína, cruzes pelo chão, caveiras e ossos espalhados. As grades de ferro do túmulo perpétuo da família Rayol, estragado pela ferrugem — e que tinha sido preparadas, no século passado [XIX], na fundição da aludida família, tinham caído e lá estavam abandonados…”.

Em 1924, o intendente Ernandi Teixeira Bastos deixou registrado que o cemitério apresentava aspectos de um matagal, sendo impossível reconhecer as sepulturas.

Muitos anos depois os problemas continuavam e, em 1953, a Câmara Municipal de Maceió voltou a discutir o abandono do cemitério. O Jornal (RJ) de 13 de maio noticiou que “o Cabido Metropolitano, como a paróquia de Jaraguá, já havia decidido deixar o cemitério daquela zona à disposição da municipalidade, desde que esta se disponha a efetuar melhoramentos no mesmo. A Prefeitura, entretanto, deixou-o em abandono”.

Como a Lei que repassou o Cemitério de Bebedouro para administração do município em 1956 determinava algumas condições e as citava como sendo as mesmas estabelecidas para o Cemitério de N. S. Mãe do Povo em Jaraguá, é possível este tenha passado para a gestão pública um pouco antes.

Logo após a mudança da administração, foram realizadas reformas, construíram e caiaram muros, enterram as ossadas expostas e as ruas foram limpas.

Nos anos seguintes, o local passou ser destino das romarias organizadas pela Sociedade Amparo dos Cristãos, sempre no dia 2 de novembro. Em 1960, quando padre era o holandês José Thews, houve até missa no cemitério, após a romaria.

Em 5 de abril de 1961, o abandono do cemitério voltou a ser pauta da Câmara Municipal após denúncia do vereador Claudenor Sampaio, que alertou ao prefeito Sandoval Caju sobre a impossibilidade do local continuar a receber enterros. O secretário do município foi constatar o fato e concordando com o vereador, proibiu novas inumações.

Na sessão do dia 24 daquele mesmo mês, o vereador Domício Falcão aplaudiu a medida e cobrou a ampliação do cemitério. Meses depois, a Câmara aprovou a Lei nº 973 de 26 de agosto de 1963, autorizando a desapropriação de um terreno baldio aos fundos do terreno estabelecido em 1858.

Sandoval Cajú não sancionou e nem vetou a lei e, em outubro, recebeu protestos do vereador Nilson Miranda.

O terreno do Cemitério somente veio a ser ampliado em 1964, quando o prefeito Vinicius Cansanção adquiriu mais 50 metros de terreno, estabelecendo uma saída para a Rua Dr. Messias de Gusmão. Quem viabilizou a aquisição do imóvel foi o vereador Felício Napoleão.

Em 10 de maio de 1966, o jornal O Semeador publicou uma nota informando que o prefeito Divaldo Suruagy tinha iniciado a recuperação do local, que estava “interditado há muitos anos ao enterro de adultos”. Destacava que o “velho cemitério jamais foi lembrado pelas administrações e o fato é que ali permanecia sem utilização de qualquer espécie, quase que totalmente abandonado“.

Nessa reforma, foi construída a capela que permanece de pé em nossos dias. Mas o abandono, velho companheiro do lugar, continua até os dias atuais.

Sem maiores cuidados com a limpeza (a não ser antes dos Dias de Finados), o cemitério de Jaraguá é um amontoado de sepulcros, resultados de muitos anos sem planejamento algum na distribuição dos seus jazigos.

Mesmo que tenham sido construídos quase que no mesmo período que o de N. S. da Piedade, o de Jaraguá não apresenta um único mausoléu artisticamente trabalhado, como acontece com o cemitério do Prado, ou mesmo com o de São José, no Trapiche da Barra.

Mausoléu de Canuta Macedo

Essa diferença pode revelar que as famílias que procuravam Jaraguá, não tinham o mesmo poder aquisitivo dos usuários do outro grande cemitério público de Maceió, ou que, mesmo tendo condições financeiras, optaram pela simplicidade, talvez por motivos religiosos.

Somente dois jazigos perpétuos — possivelmente os mais antigos de Jaraguá — apresentam arquitetura diferente dos demais: os da família de Canuta Macedo (provavelmente Presciliana Canuta, esposa do coronel Tertuliano Canuto, de Mata Grande) e o de Justino Sa. Torres, um rico proprietário da capital e morador de Jaraguá, que faleceu em 10 de julho de 1898 (este mausoléu serve de depósito de entulhos).

Há ainda o de Joanna Navarro Rippol, esposa de José Rippol, proprietário da Fundição Rippol e morador da Rua da Igreja, atual Barão de Jaraguá. Ele faleceu em 19 de setembro de 1910 e foi enterrado no mesmo simples jazigo que recebeu sua esposa em 12 de fevereiro de 1920. Era uma família de muitas posses, mas claramente não buscou ostentação artística em suas construções.

A capela do cemitério também não apresenta arquitetura que a classifique como obra de valor.

5 Comments on Os cemitérios de Jaraguá: dos Ingleses e de Nossa Senhora Mãe do Povo

  1. O cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo fica oficialmente no bairro de Pajuçara lei municipal 4.952/2000 veja AQUI http://www.bairrosdemaceio.net/media/bairros/mapa/Paju%C3%A7ara/pajucara.jpg

  2. Carlito Lima // 14 de março de 2020 em 09:11 //

    No cemitério de Jaraguá foi enterrado uma das maiores figuras da história política alagoana RUBEM COLLAÇO

  3. O cemitério dos ingleses é o mesmo,onde é o de Jaraguá?

  4. O Cemitério dos Ingleses era na Av. da Paz.

  5. O dos ingleses eram mais ou menos onde na Avenida da Paz?

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