O regime feudal ainda impera nos Engenhos de Alagoas!

Moreno Brandão, da Agência Brasileira, analisa em artigo publicado no jornal A Esquerda (RJ), de 23 de março de 1928, os motivos das emigrações dos alagoanos

Seca em Santana do Ipanema. Foto Japson

Moreno Brandão

A seca expulsou do Nordeste milhares de trabalhadores rurais

MACEIÓ, fevereiro — (A.B.) — Dia a dia mais se acentua a tendência que se manifestam os alagoanos para se entregarem à emigração.

Uns deixam os campos nativos em procura do Exército.

Deixam-nos outros desvairados pelas sedutoras miragens amazônicas, muito embora, quando estas se dissipam, venham eles a conhecer o logro de que foram vítimas.

Com a saúde definitivamente combalida e privados de quaisquer recursos, a despeito de labores insanos, cheios de pesares por haverem se escravizados a ferozes e impróbidos, os senhores dos seringais, tardiamente se arrependem do passo que deram.

O resultado dessa emigração é que o mísero proletário, sem a menor vantagem, antes com a maior soma de inconvenientes, tem a sua vida brutalmente abreviada.

Agora são os eitos das fazendas do sul que estão atraindo levas e levas de operários rurais de Alagoas, que em seus 58.000 quilômetros de superfície poderia muito bem abrigar mais do que o milhão de indivíduos que vivem aqui.

É, entretanto, necessário saber quais as causas por que o alagoano pobre tão facilmente se expatria.

Em primeiro lugar vem o inconceptível despotismo que reina em quase todos os engenhos.

Caboclo que ali viva é pior do que um escravo.

Roubado, insultado, ferido em todos os seus sentimentos, quando se atreve a formular uma queixa, tem em resposta uma surra bárbara e crudelíssima.

Outra causa de êxodo está no fato de se terem transformado em fazendas de criação muitos dos latifúndios existentes no Estado.

Sabido como é que a indústria pastoril exige poucos trabalhadores em cada estância, não é de pasmar que os proletários desempregados procurem zonas onde haja trabalho, pois não encontrarão mais nos lugares em que nasceram e viveram, exercitando sempre sua atividade.

Se assim acontece nas regiões do norte de Alagoas e também nas zonas centrais, no sul do Estado a tendência emigratória se explica por duas causas.

A outra causa, de caráter transitório, é o banditismo.

As secas, para debelação das quais nunca se tomaram as medidas, que beneficiaram Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia, exercem em Alagoas ação funestíssima, destruindo em poucos meses o fruto de muitos anos de labor exaustivo.

Durante essas calamidades, que equivalem a uma série de horríveis tragédias euripidianas o Estado tem um prejuízo de perto de 12 mil contos.

Perdem-se inúmeros rebanhos. As lavouras ficam totalmente calcinadas.

Surgem espantosas epidemias de disenteria, sarampo e varíola.

As puérperas raramente sobrevivem aos partos.

Briga-se tigrinamente pela gota escassa de água que moreja das cacimbas lodosas.

Famílias inteiras se afastaram dos seus lugares de nascimento para tentar a vida em outras regiões

O crime campeia impune, formando-se então perigosas quadrilhas de salteadores. Dá-se a este respeito um contraste frisante entre a população pacata do sul do Estado e a gente agressiva e brigona do centro e do norte, pois, em quanto ali não se formam grupos de bandoleiros, no sul tem medrado as maltas dos Calangos, Canários, Gueias, e, agora, a horda sinistra de Lampião.

No centro e na região setentrional do Estado tem havido maior número de crimes do que na zona austral, mas são praticados por bandidos isolados, que, à semelhança de Rego Mello, Pedro Camaratubá, Mocoró, Zuza da Jurema, André Tripa e outros não pensam em formar bandos.

A própria famosa quadrilha dos Papa-méis se constitui depois da dispersão dos que pelejavam na guerra da Cabanada sob as ordens do célebre facínora Vicente de Paula.

Além desse acervo de desgraças decorrentes das estiagens, fator poderoso do alastramento da prostituição, observa-se que, nesses períodos calamitosos, quando um selamim de farinha (dez litros) custa dez mil réis, ou o trabalho escasseia de todo ou, quando aparece, o salário orça por trezentos réis por dia!…

Que poderá fazer um indivíduo qualquer com semelhante redito diário?…

Mesmo que ele não tenha o ônus da família, terá de se alimentar com a venenosa mucunã [raiz parecida com a Mandioca], com o xiquexique [um cacto, diferente do mandacaru], com o bró (farinha extraída do estirpe da palmeira Ouricuri), com o cabaú rinchão [cabaú é o resíduo da calda de cana-de-açúcar que escorria das fôrmas nos antigos engenhos] e com outras comidas, altamente nocivas à sua saúde.

Tendo família, de modo algum a preservará dos horrores da fome, se apenas ganha três tostões em cada jornada.

Oprimido pelo chefe político, escorchado pelo fisco, ridicularizado até em festas escolares, o sertanejo, mártir das secas, é agora o alvo predileto das perversidades insignes de Lampião.

Daí a sua tendência para a evasão, que só poderia obstar dando a Alagoas, além de outros cuidados, o benefício das obras contra os verões frementes, que assolam vastos segmentos da desditosa terra.

1 Comentário on O regime feudal ainda impera nos Engenhos de Alagoas!

  1. Claudio Ribeiro // 8 de outubro de 2019 em 14:17 //

    Caros companheiros,
    Só posso expressar que o texto é aterrorizante, apesar de basear-se em fatos econômicos e sociais reais de nossa terra.
    Abraços cordiais,
    Claudio Ribeiro – Casimiro de Abreu, RJ.
    Alagoano – Fernão Velho

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