O centenário Serviço de Identificação de Alagoas

O Gabinete de Identificação e Estatística de Alagoas, criado em 1º de março de 1921 pelo Decreto nº 944, comemora o seu centenário em 2021

Instituto de Identificação de Alagoas na Rua Cincinato Pinto. Foto de Edberto Ticianeli

O uso das impressões digitais como forma de identificação remonta à antiguidade, a exemplo das placas de cerâmica que estava soterradas no Turquestão e selavam um acordo com “as impressões dos dedos que são marcas inconfundíveis”.

Esse modo de autenticação de documentos foi utilizado ainda na China (século VII) e na Índia (século IX).

Marcas de mãos na caverna de El Castillo na Espanha, com 40.800 anos. Foto AFP

Somente no século XVII, com o auxílio de um microscópio, foi possível perceber os desenhos nas pontas dos dedos. Quem notou esses detalhes, em 1686, foi o professor de anatomia na Universidade de Bolonha (Itália), Marcello Malphighi, que após estudar a superfície da pele e perceber os cumes elevados na região dos dedos, anotou formas como “da laçada a espirala“.

As impressões digitais voltaram a ser estudadas novamente no início do século XIX, quando, em 1823, o professor de anatomia na Universidade de Breslau, o tcheco Johannes Evangelista Purkinji, desenvolveu uma tese identificando nove padrões de impressões digitais.

Da mesma forma que seu colega italiano, também não fez referência às impressões digitais como uma possível ferramenta de identificação.

Identificação Criminal

As primeiras experiências na identificação humana aconteceram como forma de marcar os indivíduos envolvidos em crimes.

Essas formas rudimentares de identificação biométrica marcavam os criminosos com cicatrizes por cortes ou queimaduras, ou tatuagens. Nos casos extremos, com a mutilação, a exemplo da amputação da mão, que ainda sobrevive em alguns países.

Com a valorização do indivíduo como um ser social e com a adoção pela maioria dos países de leis criminais, em meados do século XIX, essas práticas foram abandonadas.

Para reprimir a reincidência, as leis passaram a punir com maior severidade os que persistiam no crime. Quem optava por continuar, obviamente tentava esconder o que tinha feito antes, transferindo-se para outro local e mudando seu nome.

Para o sistema penal foi ficando evidente que sem um melhor método de identificação, muitos reincidentes continuariam sendo punidos como primários.

Vários estudos foram realizados e sobressaiu destes a antropometria desenvolvida pelo francês Alphonse Bertillon, que transformado em método foi aceito e adotado amplamente.

Alphonse Bertillon

Utilizava uma combinação de medidas físicas, sinais particulares, fotografia (frente e perfil). Esse sistema foi adotado inicialmente pela Polícia de Paris em 1882, chegou ao Brasil em 1892 e incorporou a impressão digital em 1894.

O complexo sistema de classificação e falhas nas identificações antropométricas levou ao abandono dessa ferramenta.

Impressão Digital

A utilização da impressão digital como ferramenta de identificação de pessoas surgiu em lugares distantes e separados por um pouco mais que uma década.

Quem primeiro percebeu essa possibilidade nas impressões digitais foi o britânico William James Herschel, que era o magistrado principal no distrito de Hooghly em Jungipoor, na Índia.

William James Herschel

Preocupado com contratos não honrados pelos moradores do lugar, resolveu amedrontá-los exigindo que colocassem a impressão de uma das mãos no verso do contrato. Era uma técnica antiga, utilizada no século XIV na Pérsia.

Experimentou o uso dessa “assinatura” com um negociante de nome Rajyadhar Konai em julho de 1858. Não estava preocupado em identificar ninguém, queria somente que o indivíduo acreditasse que isso era possível.

Funcionou e Rajyadhar cumpriu fielmente o contrato “assinado”.

A partir de então, todo contrato passou a ter a impressão da palma da mão como garantia. Depois adotou somente a do dedo médio.

Como guardava os contratos — criando sem essa intenção o primeiro banco de dados — e tinha uma coleção razoável deles, notou que as impressões eram todas diferentes e que podiam identificar seus autores.

Percebeu também, com o passar do tempo, que não se alteravam ao longo da vida. Essas convicções o levaram a adotar mais amplamente seu uso.

Doze anos depois, um cirurgião britânico, Henry Faulds, que trabalhava como superintendente do Hospital de Tsukiji em Tóquio no Japão, percebeu marcas de impressões digitais em cerâmicas pré-históricas e começou a estudá-las.

Henry Faulds

Concluiu que eram singulares e que podiam ser utilizadas como meio de identificação. Foi mais além e elaborou um método de classificação.

Publicou as conclusões dos seus estudos em 1880 no Diário Científico. Sob o título de “Nature” apresentou as impressões digitais como meio de identificação pessoal, detalhando que podiam ser capturadas com o uso de tinta de impressora.

Coincidentemente, na mesma revista e um mês depois, James Herschel também divulgou seus estudos realizados na Índia.

Quem desenvolveu os estudos desses dois pioneiros foi o antropólogo britânico Francis Galton, primo de Charles Darwin, que foi quem encaminhou para ele estas pesquisas iniciais.

Galton foi o responsável pela aplicação científica destas descobertas e o criador do primeiro sistema de classificação das impressões digitais, os “Detalhes de Galton”.

Francis Galton

Seu intuito era o de determinar a hereditariedade e identidades raciais dos indivíduos a partir das suas impressões digitais, mas não descobriu relação alguma entre elas e a genética. Mas confirmou que elas não se alteravam com o tempo e que nenhuma era exatamente igual a outra.

Na América Latina, quem primeiro estudou os métodos existentes foi o policial de La Plata, na Argentina, Juan Vucetich Kovacevich. Era natural da cidade de Dalmácia no Império ” Austro-húngaro” (atual Iugoslávia), naturalizado argentino.

Começou utilizando o sistema de Bertillonage no setor de identificação de La Plata, mas após conhecer o método de Galton, resolveu aperfeiçoá-lo e criou o seu próprio sistema de arquivamento e identificação através das impressões digitais.

Juan Vucetich Kovacevich

Denominou lhe como Icnofalangometria. Passou a ser adotado a partir de 1º de setembro de 1891 na Chefatura de Polícia de La Plata, sendo inicialmente identificados 23 presos.

Em 1892, em La Plata, Francisca Roja matou dois filhos, cortou a própria garganta e acusou um vizinho como o criminoso. Na perícia, a polícia encontrou marcas de dedos ensanguentados na porta da casa. Colheram as impressões digitais e descobriram que eram da própria Francisca.

Essa foi a primeira identificação criminal conhecida e a sua repercussão levou junto o sistema Vucetich, que foi adotado no Brasil.

Deixou de ser Icnofalangometria e foi rebatizado como dactiloscopia por outro argentino. Francisco Latzina, em 1894, que publicou artigo no “La Nacion”, de Buenos Aires, elogiando o sistema, mas sugerindo que seria preciso nominá-lo assim.

Brasil

No dia 8 de setembro de 1891, o Jornal do Commercio (RJ) repercutiu os estudos do “Sr. Francisco Galton, da Sociedade Real de Londres” sobre a “impressão do polegar, ressaltando que “a marca dos dedos é imutável”. Comemorava como um “novo e excelente de identificação” o “pontinhado dos dedos”.

O sistema Bertillon também chegou ao Brasil nesse mesmo período e por ter sido adotado em vários países da Europa, era o indicado pelos especialistas de então, a exemplo do noticiado pelo mesmo Jornal do Commercio em 25 de dezembro de 1892.

Este jornal do Rio de Janeiro informou que o Ministério do Interior, Justiça e Instrução Pública havia recebido relatório enviado pelo dr. Joaquim de Albuquerque Barros Guimarães, lente da Faculdade de Direito do Recife, expondo em pormenores o sistema Bertillon “ultimamente muito recomendado pelos Congressos Anthropológicos”.

Joaquim de Albuquerque Barros Guimarães

A partir de então, vários estados criaram suas instituições voltadas para a identificação. Alguns já adotavam outros métodos, como o fotográfico, que foi oficializado em São Paulo pelo Decreto nº 9, de 31 de dezembro de 1891.

São Paulo somente criou o seu Gabinete de Identificação Antropométrica em 17 de julho de 1892.

A identificação dactiloscópica no Brasil

Quando o presidente Rodrigues Alves resolveu dar novo regulamento à Secretaria de Polícia do Distrito Federal, o fez pelo Decreto nº 4.764, de 5 de fevereiro de 1903. Nele, por insistência do jornalista piauiense José Félix Alves Pacheco, surgiu pela primeira vez no Brasil a identificação datiloscópica.

Foi o mesmo Félix Pacheco quem assumiu, em 1º de agosto de 1901 (permaneceu até 1907), a Chefia do Gabinete de Antropometria e Identificação Judiciária do Distrito Federal (depois Gabinete de Identificação e Estatística por definição do Decreto nº 4.763, de 5 de fevereiro de 1903).

José Félix Alves Pacheco

O Decreto nº 4.764, no seu Artigo 57, determinava: “A identificação dos Delinquentes será feita pela combinação de todos os processos atualmente em uso nos países mais adiantados, constando do seguinte, conforme o modelo do Livro de Registro Geral, anexo a este Regulamento: Exame descritivo (Retrato Falado); notas cromáticas; observações antropométricas; sinais particulares, cicatrizes e tatuagens; impressões digitais; fotografia de frente e de perfil”.

O Parágrafo Único completava: “Estes dados serão na sua totalidade subordinados à classificação datiloscópica, de acordo com o método instituído por D. Juan Vucetich, considerando-se, para todos os efeitos, a impressão digital como prova mais concludente e positiva da identidade do indivíduo, dando-se-lhe a primazia no conjunto das outras observações, que servirão para corroborá-la”.

A adoção desse método pela capital Federal não foi seguida imediatamente pelos estados. Isso somente aconteceu após a passagem pelo Brasil de Vucetich, que em 1905 esteve no Rio de Janeiro participando do 3º Congresso Científico Latino Americano, onde apresentou um painel sobre a “Evolução da Datiloscopia”.

A identificação datiloscópica chegou a São Paulo somente em novembro de 1907.

Alagoas

A primeira proposta oficial para a criação do Gabinete de Identificação e Estatística Criminal de Alagoas foi apresentado pelo secretário de Estado dos Negócios do Interior, bacharel Demócrito Brandão Gracindo, no relatório entregue ao governador João Baptista Accioly Junior em março de 1916.

Pretendia o secretário modernizar o inquérito policial e entendia que a criação do Gabinete ajudaria a organizar o que ele chamou de “Serviço policial”. Reivindicava ainda a criação do Serviço Médico-Legal e enaltecia a dedicação do dr. José Carneiro de Albuquerque por sua boa vontade em manter esse serviço de forma rudimentar.

O assunto só voltou a ser tratado quando o governador já era Fernandes Lima, que começou a organizar o Gabinete no final de 1920. Em janeiro do ano seguinte já estava em fase de montagem.

Fernandes Lima candidatou-se a reeleição no pleito que aconteceu em 12 de março de 1921. Como não teve concorrente, dias antes (1º de março) entregou o governo ao Cônego Manoel Capitulino de Carvalho, vice-presidente do Senado. Somente reassumiu após a pose para o segundo mandato, em junho do mesmo ano.

Atestado do dr. Jorge de Lima recomendou a Fernandes Lima repouso por “se achar atingido de excessiva depressão nervosa, apresentando sintomas francos de ergastenia e debilidade geral” (Diário de Pernambuco de 8 de março de 1921).

O governador interino, Cônego Manoel Capitulino de Carvalho, no dia da posse, 1º de março de 1921, assinou e publicou o Decreto nº 944, criando o Gabinete de Identificação e Estatística, que começou a funcionar imediatamente.

Oficialmente foi inaugurado no dia 17 do mesmo mês. Ocupava parte do andar térreo do prédio do Serviço de Saneamento, vizinho ao palácio dos Martírios, e lá permaneceu até 1927, quando foi transferido para novas instalações.

Palácio dos Martírios com o prédio ao lado onde funcionou o Serviço de Saneamento e o Gabinete de Identificação

Seu primeiro diretor foi o dr. José Carneiro de Albuquerque, que já era médico do Serviço Médico-Legal.

Em sua Mensagem ao Congresso Legislativo de 21 de abril de 1921, o Cônego Manoel Capitulino de Carvalho explicou que o sistema adotado era o Vucetich e que até aquela data era crescente o número de civis “das diversas classes sociais” que procuravam o órgão.

Esclareceu que a identificação criminal auxiliava na captura dos criminosos, “facilitando as investigações e pesquisas necessárias às investigações policiais e tem a vigilância constante sobre os elementos suspeitos e nocivos à Sociedade”.

O segundo Gabinete de Identificação de Alagoas foi instalado na Vila da Pedra, atual Delmiro Gouveia, em abril de 1921. A iniciativa foi dos diretores da Fábrica de Linhas ali implantada por Delmiro Gouveia.

Nos primeiros anos, o Gabinete de Identificação e Estatística Criminal de Alagoas funcionou precariamente, como reconheceu em 1925 o governador Costa Rego ao registrar em relatório que o órgão ainda não estava completamente aparelhado, mas supria a contento as necessidades do Estado em matéria de polícia científica.

Informava o governante que faltava completar o atelier fotográfico, “que deve preceder a criação do serviço de investigação e captura”.

O dr. José Carneiro também procurava aprender com o funcionamento dos Gabinetes de outros estados, como fez ao viajar para Salvador em junho de 1925 para estudar o serviço de identificação da Bahia.

Dr. José Carneiro de Albuquerque

O número de cadastrados cresceu quando Prefeitura de Maceió e a Capitania dos Portos obrigaram todos os seus servidores a adquirirem documento de identificação.

O relatório do ano de 1924 apontou que foram realizados 1.633 registros civis e que o arrecadado foi insuficiente para cobrir os custos. A “culpa” por esse desequilíbrio nas contas foi atribuída à gratuidade na identificação dos Guardas Civis e praças da Força Policial.

O Gabinete foi reorganizado pelo Decreto de 8 de julho de 1925. Costa Rego pretendia criar uma “filial” em cada Delegacia de Polícia do Estado, após os escrivães participarem obrigatoriamente de um rápido estágio na Capital. Identificariam principalmente os presos, enriquecendo o arquivo criminal.

Em 1925 foram realizadas 1.162 identificações no Registro Civil e 298 no Registro Criminal.

No ano seguinte, 1.349 pessoas foram registradas, sendo apenas 10 delas mulheres. 479 eram analfabetos. O Registro Criminal fichou 502 indivíduos.

No ano de 1927 foram identificadas 1.482 pessoas, sendo 9 mulheres. No registro criminal foram 244 indivíduos.

Dos 1.365 novos registros de 1928, 12 foram de mulheres.

Em 1929 foram 1.237 pessoas cadastradas, com 11 mulheres. Neste ano, uma nota em jornal informa que o diretor, dr. José Carneiro, tinha como secretário Carlos Silva Rego.

No ano seguinte o Gabinete tinha os seguintes servidores:

Diretor: Dr. José Carneiro Albuquerque
Secretário: Carlos Silva Rego
Oficial: Ovídio Edgar Albuquerque
Amanuenses:
Pedro Vidigal Paiva e Durval Jathl Freitas
Fotógrafo: Ventura Brandão Martins
Auxiliar: José Aurélio Barros Corrêa

A Carteira de Identidade do futuro jornalista Josué Júnior em 1931, assinada pelo dr. José Carneiro, foi a emissão nº 16.046

Esse tipo de órgão recebeu denominação diferente nas diversas unidades da federação. Na maioria foi organizado como Instituto, mas também se constituiu como Coordenadoria, Departamento, Diretoria e Coordenação.

Em Alagoas, o Instituto de Identificação Delegado Mário Pedro dos Santos está vinculado à Perícia Oficial do Estado de Alagoas. Seu endereço é: Rua Cincinato Pinto, 143, no Centro de Maceió.

Relação dos diretores deste serviço em Alagoas:

1 – José Carneiro de Albuquerque – 1921 a 1936
2 – Rodrigo de Araújo Ramalho – 1936 a 1957
3 – Alfredo Ramiro Basto – 1957 a 1970
4 – Luís Duda Calado – 1970 a 1972
5 – Everaldo Reis Acioli – 1972 a 1987
6 – Juares Monteiro dos Santos – 04/09/1987 a 06/04/1989
7 – Euridice Santina da Silva Torres – 08/04/1989 a 09/02/1995
8 – Everaldo Reis Acioli – 1995 a 1997
9 – José Fernandes do Nascimento – 19/08/1997 a 09/02/2000
10 – Delegado José Rangel Ataíde Vanderlei – 10/02/2000 a 07/02/2003
11 – Niplon Santos Silva – 10/02/2003 a 16/08/2006
12 – Cel. PM Manoel Marques – 2006 a 2007
13 – Delegado Antônio Monteiro de Souza Filho – fevereiro e março de 2007
14 – Luiz Geraldo de Mendonça Araújo – 2007 a 2008
15 – Delegado Kelmann Vieira de Oliveira – 07/04/2008 a 16/08/2010
16 – Maria Madalena Cardoso da Silva – 18/08/2010 a 24/01/2018
17 – Roney Presbítero de Arruda Nascimento – 24/01/2018 a 19/03/2021
18 – José Anízio de Amorim – 09/04/2021 até a presente data

José Anizio de Amorim, atual diretor do Instituto de Identificação de Alagoas

1 Comentário on O centenário Serviço de Identificação de Alagoas

  1. Alba Maria Toledo Cardoso // 18 de julho de 2021 em 20:36 //

    Muito interessante essa matéria do Instituto de Identificação
    Parabéns , só estamos avançando porque no passado teve cabeças brilhantes para solução de problemas.
    👏👏👏👏

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