O assassinato do coronel Adauto Barbosa pelo soldado Everaldo Borges

Coronel Adauto Barbosa, no centro da foto, conversa com Valter Mendes logo após o assassinato de Robson Mendes em março de 1967. Foto da Revista Manchete

No início da manhã da terça-feira, 30 de dezembro de 1969, o comandante da Polícia Militar de Alagoas, coronel comissionado Adauto Gomes Barbosa, chegou ao Quartel do Batalhão Metropolitano de Policiamento Ostensivo, no Trapiche da Barra, em companhia dos jornalistas Everaldo Peixoto Gama e Pedro Farias, este repórter fotográfico.

Era o seu último dia no cargo e visitava as obras daquela unidade policial, uma das conquistas da sua gestão. Pretendia mesmo era ter um novo Quartel Geral, mas conseguira somente reformar as instalações do antigo stand de tiro do 20º Batalhão de Caçadores do Exército para que recebesse o BMPO, que até a aprovação da Lei nº 2.793, de 21 de setembro de 1966, era Companhia.

Na entrada, o comandante percebeu que montava guarda um policial sem o fardamento completo, incluindo o uso de somente um dos coturnos. No outro pé calçava uma sandália do tipo japonesa. Assim que chegou à sua sala, pediu a um subordinado para levar até ele aquele soldado.

Everaldo Borges da Trindade, o Véu, de 23 anos de idade, que estava concluindo o seu último turno de guarda iniciado duas horas antes, se apresentou e lhe foi perguntado pelo fardamento e pelo coturno.

Respondeu que a farda estava em sua residência e que não tinha coturno, pois o mesmo já tinha gasto a meia sola.

Naquele momento estava começando o desentendimento que entraria para a história de Alagoas por suas graves consequências.

Pernambucano de Gameleira

Coronel Adauto Barbosa, no centro da foto, conversa com Valter Mendes logo após o assassinato de Robson Mendes em março de 1967. Foto da Revista Manchete

Filho do ferroviário Presciliano Barbosa, inspetor da Great Western em Ribeirão (PE), e da professora estadual no mesmo município, Maria José Chacon, Adauto Gomes Barbosa nasceu no povoado vizinho, Gameleira, em Pernambuco, no dia 6 de maio de 1925 (há registro do seu nascimento em 3 de maioA Província de 03/06/1925).

Seus pais se casaram no dia 19 de julho de 1924 e Adauto foi o primeiro filho do casal.

O ferroviário aposentado Presciliano Barbosa faleceu de colapso cardíaco no dia 26 de agosto de 1982. Tinha 80 anos de idade. Era filho de Antônio Joaquim Barbosa e de Cecília Teixeira Barbosa.

Maria José Chacon, que casada passou a se chamar Maria José Gomes Barbosa, era filha de Bartolomeu Caetano Gomes Bom e Ana Chacon Gomes.

Adauto Barbosa estudou os cursos primário, secundário e superior em Recife. Formou-se na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco.

Entrou muito jovem para o Exército e quando cursava a Faculdade de Engenharia já era o instrutor do então Centro de Preparação de Oficiais Reservistas (CPOR), em Recife.

Não foi possível pormenorizar sua trajetória como militar, mas há registros de suas atividades em 1949, como 2º Tenente. Em 1960 já era Major, mesma patente ostentada em 1966 quando chegou a Maceió.

Adauto Gomes Barbosa era casado com D. Isa Freitas Barbosa. Tiveram os seguintes filhos: Evani, Gustavo, Júnior e Jussara.

Convite do interventor

Logo após o golpe militar de 31 de março de 1964, quando o engenheiro e capitão José Lyra de Almeida assumiu, em Recife, a chefia do Departamento de Mecânica da Rede Ferroviária do Nordeste, o acompanhou o major Adauto Gomes Barbosa, responsável pelos inquéritos policiais militares.

O superintendente da Rede Ferroviária do Nordeste, major Waldo Sette de Albuquerque, pretendia neutralizar a ação do Sindicato, que atuava firmemente e, em Jaboatão, liderando cerca de 1.200 operários das principais oficinas da RFN.

Adauto estava lá quando foi convidado pelo recém-nomeado interventor de Alagoas, general João José Batista Tubino, para assumir o comando da Polícia Militar e, em seguida, da Secretaria de Segurança Pública, destinada inicialmente ao Ten. Cel. EB Ivanildo Figueiredo de Oliveira, que ficou no cargo poucos dias.

Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco em visita a Alagoas foi recebido pelo general João José Batista Tubino em 13 de agosto de 1966

Foi empossado em 15 de fevereiro de 1966, substituindo o major Evandro Carvalho dos Santos, e a passagem dele e do interventor pelo poder estadual seria curta, até 16 de setembro do mesmo ano, quando o governador eleito assumiria. A eleição foi indireta e aconteceu no dia 3 de setembro, com o Colégio Eleitoral escolhendo Lamenha Filho. O vice-governador era Sampaio Luz.

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Em setembro, o general Tubino arrumou as malas e partiu, mas o major Adauto permaneceu em Alagoas, atendendo ao convite do novo governador. Comissionado como coronel PM, continuou no comando dos dois principais cargos da Segurança Pública do Estado.

Deixou a Secretaria de Segurança em julho de 1969 por determinação do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganizou as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares em todo o país.

O §7º do Art. 6º estabeleceu que “O Comandante da Polícia Militar, quando oficial do Exército, não poderá desempenhar outras funções no âmbito estadual, ainda que cumulativamente com suas funções de comandante, por prazo superior a 30 (trinta) dias”.

O seu lugar foi ocupado pelo coronel José de Anchieta do Vale Bentes, que já era o secretário de Viação e Obras Públicas e assumiu cumulativamente a Secretaria de Segurança Pública.

No mesmo artigo, mas no § 2º, o Decreto também impedia o major do Exército Adauto Barbosa de continuar no comando da Polícia Militar, que deveria “ser exercido por General-de-Brigada da Ativa do Exército ou por oficial superior combatente da ativa, preferentemente do posto de Tenente-Coronel ou Coronel, proposto ao Ministro do Exército pelos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal”.

Foi em função desses impedimentos legais, que naquele fatídico dia 30 de dezembro de 1969 o comandante se despedia do quartel. No dia seguinte entraria de férias e não mais retornaria a Alagoas. Estava se transferindo para Recife, onde seus filhos já estavam matriculados e para onde já tinham sido despachada a maior parte dos seus móveis. Voltaria a Maceió somente para transmitir o comando da PMAL.

Naquele dia, participaria de um almoço com imprensa em Jacarecica, onde seria homenageado com uma medalha de Menção Honrosa como um dos melhores policiais do ano.

Iria para a reserva e já recebera o convite para dirigir um importante departamento do Grupo Othon Bezerra de Melo. Tinha em perspectiva, ocupar uma chefia da Rede Ferroviária do Nordeste, instituição que teve seu pai como um dos dirigentes e por onde ele já tinha passado.

Linha Dura

Considerado como um militar “Caxias”, nos primeiros meses em que comandou a PM afastou quase uma centena de policiais em processo regular, a maioria por desordens.

Defensor de uma rígida política disciplinar e pretendendo melhorar a qualificação dos profissionais, o coronel Adauto foi o primeiro comandante a se preocupar com os métodos utilizados para a seleção de candidatos à Polícia Militar, sendo o pioneiro na adoção de exames psicotécnicos.

Sob o seu comando a Companhia Metropolitana de Policiamento Ostensivo foi transformada em Batalhão. Neste mesmo período, a corporação recebeu 16 jipes e cinco automóveis para a Rádio Patrulha.

Outra iniciativa sua foi a articulação que estabeleceu com outros dirigentes da área da Segurança no Nordeste com o intuito de planejar ações coordenadas entre os estados da região no combate ao crime e ao tráfico de drogas.

Os secretários de segurança cel. Adauto Barbosa (AL) (primeiro à esquerda), cel. Gildásio (SE), gen. Antônio Montalverne (PE) e gen. Vieira da Rosa (SC) visitam em Los Angeles o sheriff Mc Cloud em 1968 (investigava o assassinato de Bob Kennedy)

Resultado desse seu empenho foi a realização em Maceió do Congresso de Secretários de Segurança do Nordeste, nos dias 23, 24 e 25 de julho de 1967. Com a presença de representantes dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhã, o encontro foi realizado no Teatro Deodoro e dirigido pelo ministro da Justiça Gama Filho.

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O centro dos debates foi o combate ao banditismo e ao crime organizado e protegido. Os secretários cobravam mais responsabilidade por parte dos tribunais do júri nos julgamentos e dos juízes na concessão de habeas corpus em certos casos de delitos.

Dias depois de realizado o evento, o Diário de Pernambuco (3 de agosto de 1967) publicou as declarações do coronel Adauto durante o Congresso, destacando a sua afirmativa sobre como acabar com o banditismo no Nordeste, acabando antes com o protecionismo.

Afirmou ainda que quem organizava o crime em Pernambuco, Paraíba, Alagoas e outros estados nordestinos não eram os bandoleiros, os pistoleiros, na sua totalidade ignorantes e analfabetos. O banditismo é organizado pelos poderosos, que dele tiram o melhor proveito, mantendo-o em seu benefício. É isto o banditismo organizado, denunciou o coronel Adauto.

A sandália japonesa

Everaldo Borges da Trindade, mais conhecido como Véu, em dezembro de 1969, com 23 anos de idade, era um jovem soldado filho de Tomé Severino da Trindade e Antônia Siqueira Borges. Nasceu em 5 de dezembro de 1945 numa família moradora no bairro da Ponta da Terra (pesquisa de Wallace Lessa).

Reconhecido como bom jogador de futebol, esteve cotado para se profissionalizar, mas quem seguiu essa carreira foi o seu irmão Edmilson Borges da Trindade, o Misso, que na década de 1970 atuou em vários clubes de Alagoas, destacando-se no CSA.

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Quartel do Batalhão Metropolitano de Policiamento Ostensivo no Trapiche da Barra em 1966

Na manhã de 30 de dezembro de 1969, Everaldo cumpria o seu último turno de duas horas como sentinela do Quartel do Batalhão Metropolitano de Policiamento Ostensivo, no Trapiche da Barra, quando chamou a atenção do comandante da Polícia Militar, coronel Adauto Barbosa, por não estar completamente fardado e usando somente um dos coturnos.

“Estava de sentinela naquele quartel entre às 6 e 8 horas da manhã, quando passou o coronel Adauto Gomes, tendo este mandado chamar-me por um seu colega de farda”, assim Everaldo descreveu a cena ao, posteriormente, prestar depoimento ao capitão PMAL André Costa (Diário de Pernambuco de 3 de janeiro de 1970).

“Ao me apresentar ao cel. Adauto Barbosa, ele me perguntou onde estava meu fardamento e coturno. Respondi que a farda estava em minha residência e que não tinha coturno, pois o mesmo já tinha gasto a meia sola”.

Falou ainda que o comandante o ouviu e disse: “o problema é seu, você tem um prazo de trinta minutos para se apresentar. Caso não cumpra a ordem, hoje mesmo darei a sua exclusão, em boletim oficial”.

Então, “me dirigi ao alojamento do quartel, vesti uma gondola, a calça e as sandálias japonesas e em seguida fui à reserva, local onde se guardam os armamentos, tendo retirado dali o fuzil tipo “Mause” de 1908 e um pente com cinco cartuchos. Ao apresentar ao coronel, disse: “Estou fardado coronel, mas não tenho coturno”.

Diante disso, o comandante respondeu: — Não quero saber, colocarei hoje à tarde você para fora da Polícia. Perante a resposta do meu comandante, pedi ao coronel para não me expulsar, dizendo-lhe: “Coronel, tenho dois filhos para criar”.

O coronel rebateu: — O problema é exclusivamente seu. Em seguida gritei: — Então tome balas no senhor, mas não serei excluído pelo senhor.

Também em depoimento, o jornalista Everaldo Gama corrigiu esse texto do jornal informando que o soldado respondeu entregando o fuzil ao comandante: — Então tome o fuzil —, foi quando ouviu novamente que o problema era dele e resolveu atirar.

Segundo o soldado Everaldo, o coronel ainda reagiu: — Me respeite! O que você está entendendo? Dito isso, “passou a caminhar em minha direção. Então dei três passos atrás, municiei a arma e dei o primeiro tiro, tendo como alvo a cabeça do coronel.

Errei o alvo, mas sabendo que tinha errado o tiro, remuniciei o fuzil e atirei pela segunda vez, visando qualquer parte do corpo”.

Confessou que após o tiro, ouviu um civil gritar para que não fizesse aquilo. Era o jornalista Everaldo Peixoto Gama, que confirmou ter implorado ao soldado que não atirasse e até tentou desarmá-lo.

Vendo-se cercado por outros militares, continuou por alguns segundos com a arma em riste, temendo o movimento dos presentes. Depois a largou e correu em disparada pela rua, indo se esconder numa residência nos fundos do quartel, no antigo Ouricuri.

No depoimento ainda foi perguntado se o armeiro havia permitido a retirada da arma e da munição, respondeu que retirara o fuzil e o pente de bala sem a permissão do encarregado.

Everaldo Borges, o Véu, é irmão do jogador Misso, que brilhou no CSA

Outras testemunhas acrescentaram que após o primeiro tiro o coronel Adauto se jogou ao chão e rolou em várias direções para fugir dos disparos (foram três), mas foi atingido por dois deles, um penetrou na região glútea e outro se alojou perto do pulmão.

Na fuga, Everaldo foi perseguido por um grupo de militares liderado pelo coronel Floriano Guedes e com o apoio do tenente Newton Rocha, o primeiro a se confrontar com o soldado, que mesmo respirando com dificuldade advertiu ao tenente: — Tenente, afaste-se. O senhor está na minha mira”. Empunhava uma baioneta.

Percebendo que conseguiria mais fugir, entregou-se dizendo ao coronel Floriano que confiava nele: — Pelo amor de Deus, coronel, não deixe que me matem. Ouviu do coronel: — Você nada sofrerá. Sua sorte está nas mãos das autoridades.

Detido, foi conduzido por patrulha fortemente armada para o Quartel Geral da PM da Praça da Cadeia, onde foi lavrado do auto de flagrante pelo delegado Jamesson Rodrigues, responsável pela jurisdição onde se cometeu o crime.

Os primeiros ouvidos no inquérito foram o coronel Floriano Guedes, capitão Paulo Casado e o jornalista Everaldo Gama, que estiveram próximo do crime ou do criminoso em algum momento.

Como havia a suspeita de que o crime seria um ato subversivo, o general Candal da Fonseca, comandante do IV Exército, deu ordens para que o soldado fosse transferido para o quartel do 20º BC.

Essa suspeita era tão forte que obrigou o secretário de Segurança, coronel José de Anchieta do Vale Bentes, a se deslocar até Recife para esclarecer que o crime não tinha sido um ato político.

O temor existia não pelo histórico do soldado Everaldo, mas sim por causa da atuação de Adauto Barbosa na Rede Ferroviária anos antes, quando foi o diretor encarregado de várias demissões de sindicalistas em Jaboatão, e por ter enfrentado o Sindicato da Morte em Alagoas.

Lutando pela vida

Enquanto o soldado Everaldo era detido, uma ambulância transportava o comandante para o Pronto Socorro de Maceió, que então funcionava na esquina da Rua Dias Cabral com a Rua Santos Pacheco.

Antigo Pronto Socorro de Maceió, na esquina da Rua Dias Cabral com a Rua Santos Pacheco

O primeiro contato do coronel Adauto no PS foi com um acadêmico de Medicina, como informou o Diário de Pernambuco de 6 de janeiro de 1970. Moacir Andrade, que veio a ser governador de Alagoas, ouviu do paciente o seguinte: “Vou morrer porque cumpri meu dever”.

Minutos depois estava sendo atendido pelo major-médico Edmilson Gaia, que chefiou a equipe de cirurgia. A primeira intervenção foi iniciada às 8h30 e concluída às 11h30. Constataram que um dos projéteis havia esfacelado parte conexa do fígado e atingido seriamente o rim direito.

Nas horas seguintes, a vítima foi operada mais três vezes na tentativa de conter a hemorragia. No final da tarde de 31 de dezembro, dia seguinte ao crime, Adauto Barbosa já tinha recebido 32 litros de sangue, que foram obtidos graças as doações de dezenas de soldados da Polícia Militar e do Exército.

As quatro primeiras cirurgias foram as seguintes: Laparotomia exploratória, quando se descobriu a lesão hepática; nefrectomia, a remoção do rim direito; traqueostomia e a quarta, uma operação no tórax para exame da situação pulmonar.

Foi o médico e major PMAL, dr. Edmilson Gaia, quem primeiro atendeu ao coronel Adauto Barbosa no Pronto Socorro

Nesse tratamento, a equipe médica, que tinha o dr. Carlos Paes como anestesista, foi ampliada, incluindo até uma delegação de Recife. Num rápido levantamento nos jornais da época foi possível relacionar os seguintes profissionais:

Dr. Argeu Pessoa, dr. Ib Gatto (era secretário de Estado), dr. Duda Calado, dr. Arnóbio Valençadr. Rodrigo Ramalho (extraiu o rim em 10 minutos, um feito para a época).

A equipe de Recife era formada por: dr. Esdras Marques (cunhado do coronel Adauto), dr. Waldemir Cadete Lopes (cirurgião do Pronto Socorro de Recife), dr. Manoel Geraldo Viana (cirurgião do tórax), dr. José Magno da Costa Nova (anestesista), dr. Álvaro Vieira Filho, dr. José de Barros e dr. Ricardo Baummann.

Quando acordou, entre uma cirurgia e outra, o coronel Adauto tentou se comunicar com a sua esposa, que acompanhou tudo de perto, mas foi impedido pelos médicos. Num certo momento, pediu papel e caneta para escrever: “Vocês são camaradas”, se referindo aos médicos. Sorriu e adormeceu.

No dia 1º de janeiro de 1970, o dr. Edmilson Gaia conseguiu conter a hemorragia tamponando com uma compressa a área do fígado atingida pelo disparo.

Com essa pequena melhora, a equipe médica que veio de Pernambuco resolveu levá-lo para Recife na expectativa de ali de utilizar, entre outros recursos, um rim artificial ou mesmo um transplantado.

O dr. Edmilson Gaia lembra que alertou os colegas sobre a gravidade das lesões e que a hemorragia voltaria caso fosse retirada a compressa.

O enfermo saiu de Maceió a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira e foi internado no Hospital Barão de Lucena na capital pernambucana.

O implante do rim artificial começou às 22h40 do mesmo dia e durou apenas 20 minutos. A equipe cirúrgica foi composta pelos médicos dr. Edmilson Gaia, dr. Esdras de Queiroz Marques, dr. Álvaro Vieira, dr. Abel Chacon Gomes, dr. José de Barros e pelo acadêmico Eriberto de Queiroz Marques. Os cardiologistas foram: dr. Mauro Arruda, dr. Ivan de Lima e dr. Aluísio Costa.

Antes da operação, o dr. Edmilson Gaia voltou a alertar que se retirada a compressa o sangramento retornaria em grande volume. Não foi ouvido e a hemorragia reapareceu de forma fulminante e incontrolável.

O coronel Adauto Barbosa não suportou a perda de sangue e faleceu às 9h do dia seguinte, 2 de janeiro. Tinha 46 anos de idade.

O exame cadavérico realizado em Recife pelo professor Persivo Cunha indicou que o coronel Adauto não sobreviveria aos ferimentos recebidos, mesmo com o rim artificial ou transplantado. O então diretor do Instituto Médico Legal explicou que as lesões eram gravíssimas nas vértebras, rins, pulmão, e fígado, razão pela qual o enxerto de rins seria inútil.

Seu corpo ficou em câmara ardente no quartel da Polícia Militar de Pernambuco, no Derbi, a partir das 13h. O sepultamento ocorreu em Recife, no mesmo dia.

O cortejo saiu do quartel às 17h e acompanhado por uma multidão se deslocou até o Cemitério de Santo Amaro, onde foi saudado pelo toque de silêncio e por salva de tiros. Personalidades destacadas da política e do Exército de Alagoas e Pernambuco estiveram presentes. Os de Alagoas viajaram em cinco ônibus fretados pelo governo do Estado.

Entre as autoridades estavam os governadores de Pernambuco, Nilo Coelho, e de Alagoas, Lamenha Filho, e o comandante do IV Exército, general Artur Candal da Fonseca.

Nos anos seguintes, seu nome passou a denominar vias importantes em Maceió. Uma delas, na Jatiúca, próxima ao Conjunto Santo Eduardo, foi oficializada pela Lei Municipal nº 2.087 de 1973. A outra, no Trapiche da Barra, pela Lei nº 2.216 de 13 de junho de 1975.

Julgamento e punição

Com a imprensa cobrando punição exemplar para o soldado Everaldo Borges da Trindade, o seu maior problema foi encontrar um advogado que aceitasse defendê-lo. Os jornais especulavam que ele iria pegar 30 anos de prisão, quantificando suas intenções.

Quando da realização da Reconstituição, no dia 14 de janeiro de 1970, novamente os jornais deram carga contra o soldado, avaliando-o como tendo se comportado com “frieza” ao reviver o momento do crime.

Quem primeiro o defendeu foi o bacharel Jair Galvão, que era o advogado da Justiça Militar e obrigado a atuar em qualquer processo contra componentes da Polícia Militar de Alagoas.

No período inicial dos inquéritos, o comando da Polícia Militar de Alagoas era exercido interinamente pelo coronel Cícero Argolo. O Chefe do Estado Maior era o coronel Adalberto Andrade Lima.

A razão da existência de inquéritos e a solução encontrada para definir quem julgaria o militar foi explicada em um documento com o carimbo de CONFIDENCIAL do Serviço Nacional de Informação (SNI), datado de 21 de maio de 1970.

Lá está detalhado que a apuração do assassinato “foi feita através de três processos: um em flagrante, um na área militar por competente IPM, a cargo do Maj. José Guilherme do 14º RI-Socorro, por determinação do Exmo, Sr. Gen. Cmt da 7ª RM e um outro na área da SSP/AL, a cargo do Bel. Jamerson Rodrigues, titular da Delegacia de Polícia do Distrito onde ocorreu o crime, com assistência do Dr. Manoel Fonseca, Corregedor de Polícia da SSP/AL”.

Continua o documento do SNI: “Apesar das diligências iniciais terem sido feitas sob absoluto sigilo, sabe-se que foram executadas uma apuração (sic) de todos os pormenores ligado (sic) ao fato delituoso”.

“As três peças (o flagrante, o IPM do Exército e o IPM da Polícia), foram fundidas em uma e remetida ao STF para dirimir dúvidas sobre a competência do julgamento, com o ofício nº 293/70 de 3 de abril de 1970”, concluiu o informe do órgão de Segurança.

Oficialmente, quem encaminhou o inquérito unificado à Escrivania da Justiça Federal foi o promotor dr. Aderson Vasconcelos da 2ª Promotoria de Maceió.

Toda a dúvida surgiu por causa da Lei de Segurança Nacional.

O Supremo Tribunal Federal remeteu a consulta ao então Tribunal Federal de Recursos, que, em 30 de março de 1971, decidiu que a Justiça Militar de Alagoas era competente para julgar o processo.

O Conselho Permanente da Justiça Militar do Estado de Alagoas que julgou o soldado Everaldo era composto então por: tenente-coronel Gerson de Melo Argolo, presidente; capitão Petrúcio Arcanjo de Alcântara; tenentes José Ramalho e Nelson Augusto do Nascimento, todos da PMAL.

O promotor público que atuou no inquérito foi o dr. Edgar Valente de Lima Filho.

No início de abril da 1971, o advogado do soldado já era o dr. Teófilo Rosas. Foi ele quem impetrou habeas corpus em favor do seu cliente e causou com isso uma verdadeira mobilização militar para impedir a concessão de tal benefício.

O julgamento, que ocorreu no dia 4 de novembro de 1971, teve início às 14h30 e terminou às 22h com Everaldo Borges da Trindade condenado a 14 anos de reclusão, .

O promotor militar, dr. Claudenor de Albuquerque Sampaio, exibe o fuzil do crime durante o julgamento de Everaldo Borges

O promotor militar foi o dr. Claudenor de Albuquerque Sampaio, auxiliado pelos advogados dr. Roque de Brito Alves e dr. Paulo de Castro Silveira. Este chegou a sustentar a tese que o soldado era do “Sindicato da Morte”.

A defesa foi realizada pelos advogados dr. Teófilo Rosa e dr. Airton Cerqueira, que arguiram legítima defesa da honra, legítima defesa própria, coação moral, violenta emoção e estrito cumprimento do dever.

Everaldo manteve-se calmo, de cabeça baixa, muito pálido. Mas quando abraçou a esposa após ouvir a condenação, teve uma violenta crise de choro.

A condenação de 14 anos de reclusão não foi bem aceita. Houve reação dos jornais e do próprio Promotor, que apresentou recurso da sentença ao Tribunal de Justiça do Estado.

O processo foi parar nas mãos do juiz dr. Newton Saldanha, que também recebeu no dia seguinte o comunicado do advogado, dr. Teófilo Rosa, informando que considerava sua missão encerrada, não mais continuando na defesa do soldado.

A sentença foi confirmada e Everaldo Borges foi recolhido à Penitenciária São Leonardo. Por bom comportamento foi transferido para a Colônia Penal Santa Fé, em União dos Palmares. No dia 17 de março de 1977, o juiz dr. Jairon Maia Fernandes concedeu liberdade condicional ao ex-soldado. Ele tinha cumprido quase sete anos de reclusão.

Sabe-se que após cumprir a pena, Everaldo Borges da Trindade foi morar com a família em um Estado do Sudeste, onde faleceu em 16 de julho de 2019 (pesquisa de Wallace Lessa), aos 73 anos de idade.

30 Comments on O assassinato do coronel Adauto Barbosa pelo soldado Everaldo Borges

  1. Jocelio da Rocha Cavalcante // 17 de agosto de 2021 em 00:01 //

    Excelente trabalho de divulgação dos fatos!

  2. Jurandir Machado da Cunha // 17 de agosto de 2021 em 07:13 //

    Foi uma supresa para nós amigo da familia do Cel. Adauto, eu era garoto e convivia com seus filhos Gustavo e Jussara que moravam na Pajuçara em frente a praia, ficamos muito triste com seu falecimento, e como diz a reportagem o Soldado após solto foi viver no Sudeste em lical ignorado.

  3. Como sempre o grande historiador Edberto Ticianeli, relatou os fatos com tanta precisão que me fez voltar no tempo. Conheci o Cel. Adauto. Pelo que sei era um militar íntegro! Jamais acreditei que a ausência do coturno tenha sido o real motivo. Era um hom justo e exigente, isso não agradava a todos!

  4. Pedro Teixeira // 17 de agosto de 2021 em 15:06 //

    O poder militar sempre anarquizava os subordinados.Fato selhante no quartel do exército aqui em Maceió.Quando cometia qualquer falta até mãe era xingada. Foi razão maior que fez optar para não servir.A consequência disso levou a que os superiores passassem a respeitar os subordinados.

  5. Junior Argolo // 17 de agosto de 2021 em 18:21 //

    Q história triste! Parabéns, pela forma q contou os eventos.

  6. Gilberto Bomfim Ferreira // 17 de agosto de 2021 em 21:33 //

    Três oficiais citados aí acima na narrativa, eu tive o prazer de conhecê-los pessoalmente na casa do meu saudoso padrinho Cel. Pereira no início dos anos 70, o Cel Cícero Argolo, os então tenentes José Ramalho e Nelson Augusto do Nascimento.

  7. FERNANDO THEODOMIROO LIMA // 21 de agosto de 2021 em 16:24 //

    Excelente, Ticianelli. O povo de Alagoas precisa conhecer a verdadeira história de sua terra. Você escrevendo parece que estamos vivendo os fatos. Continuo seu Admirador.

  8. Juliane T. SANTOS // 23 de agosto de 2021 em 18:06 //

    Triste demais.

  9. André José Soares Silva // 24 de agosto de 2021 em 07:58 //

    No último parágrafo: “1921”?

  10. Geison Franca // 24 de agosto de 2021 em 08:15 //

    Muito bom ter conhecimento deste fato histórico para Alagoas e, principalmente, para PMAL. Obrigado pela história bem narrada!!!

  11. Obrigado pela observação, André. Já corrigido. Hábito da escrita do século passado. RSSSS

  12. Sou militar e cresci ouvindo essa istoria. Meu Pai Militar tbm me contava de uma forma tão real que revivie lendo esse fabuloso artigo. Parabéns.

  13. Parabéns pela narrativa, revivi o passado

  14. A falta de um dialogo amigavel! De um superior para seu subordinado! Soldado é um ser humano, tem seus problemas e pode surtar a qlq momento! Deu no que deu! Lamentavel! E ate hj ainda acontece isso!

  15. Maurício Gomes // 25 de agosto de 2021 em 19:02 //

    Se houvesse um pouco de bom senso de ambas as partes, principalmente do coronel, talvez não tivesse ocorrido o fato delituoso….

  16. Siqueira Lima // 12 de novembro de 2021 em 07:34 //

    Meu pai me contava essa história, aqui pude ter contato com os detalhes. Parabéns pela matéria!

  17. Luciano B Carvalho // 3 de fevereiro de 2022 em 22:56 //

    Tinha 9 anos á época morando perto do quartel, ouvi os tiros. A maioria dos personagens conheci, principalmente o então Capitão André. Parabéns Ticianeli pela matéria.

  18. Josivan Pereira da Silva // 4 de março de 2022 em 17:16 //

    É lamentável o acontecido para ambas as famílias, e não fiquem surpresos se no dia de hoje venha se repetir coisas dessa natureza por parte de alguns oficias mau caráter, mau formados, que venham tentar humilhar os praças, infelizmente é uma realidade que acontece em nossa instituição policial…
    E não deixar de Parabenizar o grande historiador.

  19. Por vezes ouvi essa historia, mas, nunca de fonte confiável e de forma detalhada e o melhor com imagens.

  20. Amigo parabéns pela riqueza de detalhes, não sabia do ocorrido e já residi nas duas ruas e ficava me perguntando quem foi aquele militar. Muito obrigado pela contribuição para o Estado de Alagoas.

  21. Glauther Cavalcanti // 20 de agosto de 2022 em 15:18 //

    O Cel ADAUTO foi comandante de meu irmão SD DOUGLASS, durante o ano de 1958, na 7ª Cia Com em Recife-Pe. Tratava-se um Oficial Justo e disciplinado. Infelizmente esse marginal, que jamais deveria ter ingressado nas fileiras da gloriosa PMAL, logrou êxito em cometer assassinato. Mas já está no inferno. A justiça foi feita.

  22. Realmente lamentável todo o fato, mas o Cel poderia ter relevado a situação, usando de bom senso, o que salvaria sua vida, bem como o soldado poderia ter mais autocontrole, porém como diz o ditado: ” o homem é o momento”….

  23. O sr. Glauther Cavalcanti não conhece as pessoas e sai logo esculhambando. Conheci alguns membros da família, aliás ainda os conheço e são gente de Bem, estudiosos, alguns médicos, outros dentistas. Talvez o Coronel tentou humilha-lo. Eu também faria o mesmo. Porque ele era um mero soldado não merecia o tratamento que recebeu. Isso ainda existe até hoje.
    Aconteceu outro caso também aqui em Alagoas no quartel do Exército. Quem comanda tem que também respeitar os comandados.

  24. Nao se vê mais reportagens com tão alto teor de isenção, tanto quanto ao Coronel como ao Soldado. A mídia de hoje diria o pior possível do agressor e endeusaria a vítima, mas todos sabemos como essa relação é nervosa, e como um é decorrente do outro, e não apenas nos quartéis, mas em toda atividade onde há hierarquia. É preciso que todos se esforcem para que as relações seja, ao menos, aceitáveis, infelizmente no presente caso, o pior acabou por acontecer.

  25. Na verdade sempre houve esses tipos de coisas nas corporações, oficiais querendo ser o dono do mundo. Com palavrões com os subordinados, achando ser o dono das corporações sem respeitar seus pares.

  26. José Marques de Mendonça // 7 de abril de 2023 em 21:55 //

    Gostei muito desta reportagem, acompanhei de perto este acontecimento, era o CB da Guarda do 20-* BC no dia que o sd Borges foi recolhido ao xadrez. Parabéns para quem escreveu com tantas riquezas de detalhes. Faz parte da história de Alagoas.

  27. RUBENS VIEIRA BARBOSA // 7 de junho de 2023 em 17:56 //

    Alicerçado na narrativa, depreendo que, emponderado pela condição de Oficial, o Sr. Cel.do Exército, Adauto Gomes Barbosa, desacatou o Soldado da PMAL, Sr. Everaldo Borges da Trindade. Não sabe-se o tom de voz empreendido pelo Sr. Coronel, mas a fala, por si, foi ameaçadora, e, ainda implicava na perda de rendimentos do Soldado da PMAL, que buscou defender-se, sendo desafiado. Oficialato x Praças: diferença descomunal do Poder. Há que ser humilde.

  28. Esse soldador pra mim foi um herói antigamente os militares de baixa patentes era humilhado vou da um exemplo aqui o caso Leôncio que passo por muitas humilhações até te sua sexualidade posta em dúvida por um coronelzinho o coronel pergunta pra mulher do Leôncio sé ele era homem mesmo porque o cara fazia auterofilismo hoje não tem lei pra punir esses tipos de coisa mais antes tinha que lava a honra na bala em dependentes de patente ou não temos que respeita uns aus outros

  29. História muito triste, voltei ao passado.
    Porém, houve exagero em ambas as partes, era o último dia do Coronel Adauto , em uma situação dessa.
    Ao ver o Soldado Everaldo sem o fardamento, dava uma punição, e não ser caxias ao ponto de Exonerar o mesmo da Polícia Militar.
    Pai de de família, como ele mencionou, sem emprego , é complicado.
    Não justifica a ação do Soldado.
    Porém, essas mesmas atitudes vem se repetindo até o dia de hoje, infelizmente, pessoas que se encontram em um cargo importante , querem pisar as pessoas menos favorecidas.
    É nisso o que dá.
    Morreu, recebendo todas as honras merecidas.
    Porém, não vale a pena.
    Humildade é a melhor coisa que existe no ser humano.
    Parabéns pela Reportagem.

  30. Fernando marinho rosa // 24 de março de 2024 em 21:34 //

    Sou filho do Dr. Teofilo Rosa homem de coragem inabalável na época foi preso no 20 batalhão.
    Advogado escritor professor de português foi membro da maçonaria e da academia maceioense de letras.

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