O adeus do Rei: “A primeira vez que assisti a Pelé jogar ao vivo”

O jornalista Luís Veras Filho relata como foi a primeira vez em que viu Pelé jogar ao vivo. Depois, comenta sobre a fatídica noite de 1974, quando encontrou o Rei sentado em um meio-fio

Peixinho e Zito, do Santos, disputam a bola com Evandro, do CRB, no histórico jogo de 1965 na Pajuçara

LUÍS VERAS FILHO
COLABORAÇÃO

Pato Branco

Isso aconteceu em Maceió no dia 25 de julho de 1965, em jogo contra o CRB.

Ainda não havia o estádio Trapichão e, mesmo com a população de Maceió na época ser cerca de 20% da que é hoje, os campos de CSA e do CRB eram por demais acanhados para receber um jogo de futebol que atraiu muitos torcedores de outros estados. Como o jogo envolveu o CRB, então o palco do espetáculo foi em seu campo.

O historiador Lauthenay Perdigão revelou que o jogo ganhou forma para acontecer quando um grupo de empresários decidiu bancar em Maceió um amistoso com o famoso Santos, considerado o melhor time do mundo na época. A princípio, o confronto seria entre o Santos e um combinado de CRB e CSA, mas os dirigentes não se entenderam sobre quantos atletas de cada clube iriam participar da partida, e os promotores do evento resolveram acertar apenas com o CRB. Até porque a maioria dos empresários torcia pelo CRB.

Time do CRB que enfrentou o Santos em 1965: em pé Pinga, Aguiar, Dirceu, Zé Luiz, Lourival e Evandro. Agachados: Naldo,. Canhoto, Xavier, Cabo Jorge e Zé Luiz II. Acervo Museu do Esporte

Comprei o ingresso com antecedência, cheguei ao estádio por volta das 10 horas da manhã para assistir ao jogo que começaria às 4 da tarde e já havia gente nas acanhadas arquibancadas. Consegui me alojar ao meio da subida da arquibancada coberta, com visão próxima ao meio do campo. De nada adiantou, porque era tanta gente que todos tiveram que se sujeitar a assistir ao jogo em pé.

Para não sair do lugar quando a fome apertasse e perder o lugar, mamãe preparou um lanche para levar, lembro-me como se fosse hoje: dois sanduíches de pão crioulo com manteiga e queijo de coalha e biscoitos sortidos da Pilar. Tudo em dois sacos de papel, daqueles que eram usados na época nas padarias, vendas e mercearias para acondicionar compras, antes de serem substituídos pelos poluidores sacos de plástico. Refrigerantes eram fáceis de se conseguir à venda nas arquibancadas junto aos ambulantes.

O estádio do CRB, o tradicional Severiano Gomes Filho, na Pajuçara, nunca havia recebido tanta gente. Havia até cadeiras à beira do campo circulando parte da pista. Afinal, era a primeira vez que o Santos iria jogar em Maceió com Gilmar, Pepe, Coutinho, Zito e, principalmente, Pelé. Durante semanas os amantes do bom futebol, sejam do CRB ou do CSA, só falavam desse jogo.

Time do SAntos que começou jogando contra o CRB em 1965: Modesto, Lima, Zito, Orlando Peçanha, Gilmar e Mauro Ramos. Peixinho, Rossi, Coutinho, Pelé e Abel 1965. Acervo Museu do Esporte

Começou a partida com o Santos apresentando-se meio acomodado no primeiro tempo, sem forçar, e o CRB, que tinha um bom time, defendendo-se, jogando razoavelmente bem, chegando até a chutar duas ou três vezes para Gilmar agarrar. No intervalo, o Santos não foi ao vestiário, ficando na pista perto do banco mais próximo à arquibancada onde me encontrava, e lá estava Pelé chupando laranja costume na época.

Lembro-me que um torcedor do CRB que estava próximo a mim comentou em alta voz quando terminou o primeiro tempo: “Mas que timinho, o CRB é melhor”.

Dizem que o Aguiar, lateral direito do CRB, teria dito o seguinte no intervalo: “O pessoal veio ver o rei, e cadê o rei?”.

Mas quando começou o segundo tempo, o Santos, como se seus jogadores tivessem escutado o que Aguiar comentara, decidiu jogar seu futebol, a dar espetáculo e fez 6 a 0 como se estivesse passeando e poderia ter feito mais: dois gols de Pelé, dois de Coutinho, um de Peixinho e um de Toninho Guerreiro. Pelé, ao ser substituído, saiu aplaudido.

Coutinho, do Santos, faz o segundo gol no CRB. Acervo Museu do Esporte

Os times jogaram assim:

CRB: Dirceu; Aguiar, Zé Luís I, Evandro e Lourival; Pinga e Cabo Jorge; Naldo, Xavier (Humaitá), Canhoto e Zé Luís II. Técnico, Claudinho.

SANTOS: Gilmar (Laércio); Modesto, Mauro (Haroldo), Orlando (Joel) e Lima (Geraldinho); Zito e Rossi; Peixinho, Coutinho (Toninho), Pelé (Santana) e Abel (Pepe). Técnico, Lula.

Goleiro Dirceu, do CRB, defende seu gol do ataque santistas

Anos depois, encontrei Pelé

Aconteceu no final da noite do dia 30 de março de 1974, um sábado. O Santos havia jogado e empatado com o Clube Náutico Capibaribe pelo Campeonato Brasileiro em 1 a 1.

O Santos, como todos os clubes que jogavam no Recife, sempre ficavam hospedados no Hotel São Domingos, no centro da cidade, em frente à Praça Maciel Pinheiro, que ocupava os dois prédios de três andares à esquerda. Embaixo ficava o bar do hotel, que nas noites de sábado vivia um piano-bar, pelo que sou vidrado.

Eu, minha então noiva, que mais tarde seria a minha primeira mulher, a irmã dela e namorado estávamos num barzinho quando resolvemos, já perto da meia-noite, irmos curtir o piano-bar do hotel. A entrada do hotel ficava na rua lateral na porta mais estreita que se vê em frente ao segundo carro estacionado.

Estacionei o carro no lado esquerdo da praça, e caminhávamos para o piano-bar quando vi em frente à entrada do hotel um negro vestido com calças e camisas brancas, sentado no meio-fio, e em frente a ele três garotos, também negros, sentados no asfalto. Exclamei: Olhem lá o Pelé!” O namorado da minha cunhada, de nome Rodolfo, discordou, mas fui com todos até o local e constatamos que realmente era Pelé e um dos garotos estava com uma caixa de engraxate.

Coutinho enfrenta o zagueiro Evandro observado pelo goleiro Dirceu Arruda. Acervo Museu do Esporte

Chamei-o pelo apelido, ele se levantou estendi a mão direita, que ele apertou, apresentei-me e apresentei meus acompanhantes. Então pedi um autógrafo dele. Fomos até a recepção do hotel, ele pediu ao recepcionista uma caneta emprestada e da carteira retirou um cartão de visitas feito de madeira, bem fininho, que era moda e chique na época. Ele perguntou meu nome e escreveu no cartão: “Ao amigo Luiz Veras (meu Luís com “Z”) com abraço do Pelé (a tradicional assinatura dele com a bolinha sobre o “e”).

Como a camisa que eu usava não tinha bolso, entreguei o cartão à minha então noiva para guardá-lo na carteira. O cartão ficou com ela, casamo-nos, divorciamo-nos e há alguns anos perguntei a ela sobre esse cartão, que me disse que não sabia sequer se ainda existia. Quanto ao Hotel São Domingos, este não existe mais. Parece que o Poder Público Municipal comprou o prédio, remodelou-o e hoje é a Câmara Municipal.

*Publicado originalmente na Gazeta do Paraná, de Cascavel, edição de 31 de dezembro de 2022.
Fotos tratadas por Ticianeli.

3 Comments on O adeus do Rei: “A primeira vez que assisti a Pelé jogar ao vivo”

  1. Eu vi esse jogo. Tinha 10 anos na época. Meu pai comprou para assistir dentro do campo. Cabo Jorge deu um ‘banho de cuia’ em Pelé e a torcida foi ao delírio. Depois veio o segundo tempo e tome goleada. Se não me engano, Canhoto bateu um pênalti e Gilmar defendeu. Também vi, um dia antes, Pelé desfilando num carro aberto, à noite, na Pajuçara. Eu estava na casa de meu tio, que era vizinho do Arnon de Melo.

  2. carlos costa // 6 de fevereiro de 2023 em 22:36 //

    Estive nesse jogo levado por um tio. Tinha 12 anos e mal consegui ver o que se passava em campo, espremido na arquibancada superlotada. O Santos ficou hospedado no Parque Hotel, do Seu Euclides, na praça Dom Pedro II. No domingo cedinho uns poucos jogadores apareceram na calçada, mas não eram famosos e passaram quase despercebidos entre os curiosos que faziam plantão defronte ao hotel.

  3. Claudio de Mendonça Ribeiro // 7 de fevereiro de 2023 em 05:56 //

    Muito grato, prezado Ticianeli. E um feliz dia para todos nós, abençoado por Jesus.

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