Natal de 1964 em Maceió

Rua do Comércio em Maceió nos anos 50

Edberto Ticianeli – jornalista

Para uma cidade ainda com ares provincianos, o burburinho que agitava a Rua do Comércio naquele final de tarde era anormal. Muito diferente do tradicional e sonolento dia a dia da principal via de Maceió.

Era a última oportunidade para as compras do Natal de 1964. Aquela véspera de feriado cristão, numa quinta-feira, anunciava festas e comemorações prolongadas, principalmente para os que pretendiam fugir do calor nos sítios da Mangabeiras ou da Jatiúca.

pressa contagiava a todos. Mesmo com poucos automóveis em circulação, atravessava-se a rua a passos largos e os cumprimentos entre os conhecidos eram rápidos e formais.

Café Central atendia seus últimos frequentadores e já tinha algumas portas cerradas. Seu proprietário, da única porta aberta, observava o movimento acelerado dos passantes. Com um cigarro entre os dedos, esperava que os funcionários concluíssem a limpeza do estabelecimento.

Ao seu lado, lhe chamou a atenção um menino sardento tentando vender caixinhas de uva passa sobre um caixote. Não gostava que ocupassem a calçada do Ponto Central, mas àquela hora não iria mais implicar com ninguém, mesmo incomodado com os gritos do galeguinho:

— Olha a uva passa! Dois cruzeiros a caixinha!

Era uma novidade nas ruas da Maceió. Iguais somente se encontrava na Helvética e na Feira Franca, mas por um preço bem maior que o anunciado.

O menino não lhe era estranho, sempre perambulava pela Rua do Comércio com um pequeno caixote pendurado no pescoço, oferecendo bloquinhos de papel, lápis, borracha, lapiseiras e outros apetrechos utilizados pelos vendedores das lojas. Se anunciava como o “Big-Big“, o mesmo nome pintado no caixote. Tinha somente nove anos de idade, mas já era experimentado nos negócios. Começara aos seis anos como vendedor de refrescos.

Sabia que o seu produto não era fácil de vender. Durante toda a semana andou pelo Comércio sem grandes resultados. Além disso, o ganho era pouco. O caixote de passa viera de São Paulo e o custo do frete num ônibus fora alto. Tinha que vender muitas caixinhas para ganhar alguma coisa.

O seu principal concorrente era o caju cristalizado, que nesta época do ano aparecia em quantidade. Exposta em cestos, essa iguaria fabricada em Riacho Doce era vendida facilmente, mesmo não sendo tão barata.

Percebendo que as primeiras luzes dos postes de iluminação já estavam acesas, o galeguinho resolveu levar seu produto para a esquina do Bar do Chopp, onde alguns dos clientes da Helvética poderiam se interessar pelas apreciadas passas de uva provenientes da capital paulista.

Mesmo ali, um dos melhores pontos do centro de Maceió, não conseguiu vender nada e isso lhe angustiava. A noite chegava e tinha que levar dinheiro para casa. Como o arrecadado até aquela hora era insignificante, sabia que seria acusado por sua mãe de ter deixado de lado o trabalho para brincar.

Seria castigado, como fora diversas outras vezes. Era uma criança, mas as cobranças dos pais levavam em conta somente a situação difícil da família, que se empenhava diariamente para conseguir o que comer.

Desesperado, voltou para a Rua do Comércio, que começava a se esvaziar. Algumas lojas, já fechadas, mantinham suas vitrines iluminadas. Nas outras, o barulho das portas de ferro sendo desenroladas anunciava o fim do expediente.

Sentia-se tomado pela mesma pressa de todos, mas meia hora depois foi tomado por um sentimento de paz e tranquilidade. Sabia que não conseguiria vender mais nada. Não tinha mais pressa alguma.

Era noite e ainda teria que caminhar muito até o bairro da Coreia, depois da Ponta Grossa, mas não tinha pressa. Não tinha pressa em ser castigado. Não tinha pressa em chegar em casa, porque lá não teria presente lhe esperando e nem uma ceia farta, não teria Natal e nem festa alguma.

Era somente o final de mais um dia de trabalho na vida de uma criança pobre nas ruas de Maceió.

7 Comments on Natal de 1964 em Maceió

  1. Golbery Lessa // 4 de dezembro de 2019 em 22:21 //

    Belíssimo conto, Ticianeli.

  2. Belissimo.

  3. Roberto Brandão // 5 de dezembro de 2019 em 06:19 //

    Concordo com o Golbery Lessa. O relato descreve exatamente a correria na cidade as vésperas de um feriado natalino prolongado.
    Faltou mencionar o Sr.benjamim Medeiros da feira franca. Que saudades.

  4. Claudio Ribeiro // 5 de dezembro de 2019 em 08:13 //

    Caro Ticianeli, bom dia, extensivo a todos.
    O relato é muito entristecedor. E como o do menino, certamente hoje em dia, com os estimados 50 milhões de desempregados, subempregados, procurando biscates e catando objetos no lixo – como vejo por estas plagas todos os dias, deve haver milhares em busca de alguns trocados para sobreviver.
    Fraternal abraço em todos.
    Aproveito para almejar um Feliz Natal para todos, com Jesus no coração, e um novo ano repleto de esperanças em um mundo melhor, mais justo, fraterno e solidário.
    Muita paz em nossos corações,
    Claudio Ribeiro – Casimiro de Abreu, RJ.
    Alagoano – Fernão Velho

  5. Marco Aurélio de Alencar // 5 de dezembro de 2019 em 10:54 //

    Gostaria de saber do primeiro estabelecimento da América Latina a usar luz néon em Maceió AL um salão de beleza, pelo que sei pertencente a minha mãe…

  6. Tudo isto alcancei. Foi quando Maceió era Maceió.
    Cheio de traDIÇÃO E ENCANTOS próprio do Nordeste.
    Hoje não temos mais nada de beleza.
    Somos sombras do passado.
    Infelizmente . Pagamos pela mal adminstração.

  7. A criança vendendo na rua em 1964, e agora véspera de 2020 ? Mudou muita coisa ? Acho que não! Trocaram só os atores…

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