Judas Isgorogota, o jornalista e poeta Agnelo Rodrigues de Mello

Reportagem de Silveira Peixoto, especial para a revista Vamos Lêr! de 18 de maio de 1939

Paulo Dantas e Judas Isgorogota

Reportagem de Silveira Peixoto, especial para a revista Vamos Lêr! de 18 de maio de 1939.

A telefonista de “A Gazeta” — o grande vespertino que nasceu de sonho de Adolpho Araújo e que Casper Líbero tornou uma das folhas mais populares de São Paulo — estranha, do lado do fio:

— “Seo” Agnelo?!

— Sim. Agnelo Rodrigues de Mello.

— Creio que não trabalha aqui, não senhor…

— Trabalha, sim. É o Judas Isgorogota!

— Ah! Porque o senhor não disse logo que era ele. Um momento…

Não tarda muito, o poeta inspirado de “Recompensa”, que é hoje, por assim dizer, um dos mais admiráveis representantes da inteligência do Nordeste, aqui em São Paulo, combina comigo o encontro desejado.

Silveira Peixoto entrevista Judas Isgorogota para a Vamos Lêr de 18 de maio de 1939

— Você pode vir já?

— Posso. Daqui a alguns minutos estarei aí.

Dez minutos depois, entro na sala de trabalho de Agnelo Rodrigues de Mello, ou, melhor, Judas Isgorogota (tratemo-lo assim que, no seu caso, o pseudônimo liquidou, de uma vez por todas, com o nome de batismo).

— Que é que você manda? — indaga ele, risonho, abraçando-me com aqueles modos acolhedores, tão característicos à gente nordestina.

— Quero uma entrevista

— Pois, não. Você manda. Poderei publicá-la amanhã…

Percebo o equívoco. Ele pensa que estou querendo dar uma entrevista.

— Não é o que você está pensando. Quero uma entrevista de você. Vim entrevistá-lo

— Entrevistar-me?! A mim?!

— Claro.

— Claro, nada. Essa coisa está muito confusa. Precisa ser esclarecida…

— Não vejo confusão alguma. Quero uma entrevista de você, sobre você, sobre seus livros, as suas preferências…

— Francamente, não estou entendendo muito bem. Não sei por que, nem a troco de que, você pretende entrevistar-me. Sou apenas um repórter, já entrevistei muita gente, mas nunca dei entrevista. Que é que há de interessante, em mim, para eu ser entrevistado?

— Não é preciso você entender. Quero a entrevista. É para VAMOS LÊR!

— Para o “Correio Literário de São Paulo”? Mas, eu sou “cabeça-chara”, homem!…

— Por isso mesmo. Você é o representante da inteligência do Nordeste aqui em São Paulo. Já terminou o seu serviço?

— Quase…

— Então, vamos sair. Vamos tomar um café, dar umas voltas pela cidade. Enquanto Isso, conversaremos. Depois, ou reduzirei tudo a escrito e estará pronta a entrevista. E não fique aí a perguntar-me coisas que, agora, eu é que terei a prerrogativa de interrogar.

Ele acede. Arruma uns papeis, fecha as gavetas da escrivaninha, coloca o chapéu à cabeça. Alguns momentos mais, estamos na rua. A passos vagarosos, tomamos o rumo de um café do largo de São Bento.

UM SAMBURAZINHO QUE PENDIA DE UMA CARNAUBEIRA — FILHO DE SAPATEIRO E SAPATEIRO TAMBÉM

Judas Isgorogota, pseudônimo literário de Agnelo Rodrigues de Mello

Onde você nasceu?

— Em Lagoa da Canoa, no sertão de Alagoas, no mesmo lugarejo em que nasceu Dom José Maurício, bispo de Bragança e uma das mais belas expressões do clero brasileiro. Deixe-me, porém, contar a coisa, desde o princípio…

— Contanto que você não faça muita poesia, muita lenda…

— Parece lenda, mas é verdade. Aconteceu no começo do século XIX, Um caçador encontrou nas matas de Palmeira dos Índios, na então Província de Santa Madalena das Alagoas, uma indiazinha, dentro do um samburá quo pendia de uma carnaubeira…

— Aí vem a lenda.

— Não é lenda, já disse. Juro que é verdade, absoluta verdade. A menina devia ter alguns meses de idade. Os pais, que teriam ido à caça, ali a deixaram, a coberto do dolorosas surpresas. O samburazinho, porém, serviu para aguçar a curiosidade do caçador. E ele carregou consigo a inocente filha dos terríveis “papa-bispos” do Cururipe. Anos depois. fez que ela se casasse com um Indígena das margens do São Francisco, em Traipu.

— E que é que isso tem com você?

— Tem multo. Descendo, em sétima geração, dessa indiazinha. Sou, portanto, um brasileiro que pode orgulhar-se de ter uma “árvore” genealógica, da qual é figura principal a própria árvore — uma carnaubeira, que é, ao mesmo tempo, símbolo majestoso da resistência brasileira contra todas as intempéries…

Faz uma ligeira pausa. E continua, loquaz, sem dar tempo para fazer outra pergunta:

— Minha mãe, que ainda está viva, graças a Deus, foi uma morena bonita, um desses tipos que vivem nos versos simples das canções sertanejas. Meu pai — Severiano Rodrigues de Mello — era um sertanejo louro, coisa não rara no sertão nordestino. Viram-se… E casaram-se, aos dezenove anos, sob esta condição, imposta por minha mãe: mudar-se-iam para a Capital, logo que nascesse o primeiro filho. Não fora a previdência de minha mãe e, certamente, hoje eu seria um sertanejo rude… Quem sabe, porém… Há tantos modos da gente e feliz!…

— E quando você nasceu…

— Tinha seis meses de idade, quando me trouxeram do sertão bravio do Ipanema para Maceió. Exemplo de honestidade e bravura, meu pai iniciou a vida, na capital alagoana, como sapateiro. Foi assim também, foi como tal, que findou seus dias, depois de haver sofrido privações de toda espécie…

É emocionado, é comovidamente, que ele prossegue:

— Recém-chegados à capital, vivíamos, pobres sertanejos, em penúria extrema. Fomos atacados pela maleita. Ficamos ali, tremendo de febre, definhando de fome; não morremos, por obra e graça de Mãe Ignez, uma preta velha, que morava nas vizinhanças.

— Tipo da mãe-preta!…

— Isso mesmo. Mãe Ignez foi incansável e meus pais e eu sempre fizemos tudo para pagar-lhe a dedicação, com um reconhecimento que se estendeu pela vida inteira. Ela viveu longos anos conosco, tratando de uns, cuidando de outros, zelando por todos. Um dia minha mãe me disse que fosse ver mãe Ignez, que ela estava às portas da morte. Fui… Não me esqueci, até hoje do espetáculo que se deparou a meus olhos. Aquela criatura boa como ninguém mais, preparara-se cuidadosamente para a morte! Nem o caixão faltava! Quando me viu, seus olhos brilharam num contentamento. Mal podia mover os lábios ressequidos; não conseguia mover, direito, os olhos esgazeados. Assim mesmo, num esforço supremo, indicou-me seus pés e ainda logrou dizer: “Os meus sapatos… que você me prometeu… espero por eles, para ir com Deus”…

Estamos à frente do quadrilátero de mármore, da mesa do café. O garçom coloca as duas xícaras…

— Corri à sapataria, onde trabalhava, pois meu pai falecera no ano anterior — prossegue Judas Isgorogota. Escolhi o melhor pano e comecei logo a fazer os sapatos. Não tardou muito, estavam prontos. Regressei, numa carreira, à casinha de mãe Ignez, que ficava na ladeira dos Martírios. Vendo-me chegar, a pobrezinha deixou transparecer toda a sua alegria. Depus em suas mãos esqueléticas a última encomenda. E de súbito, muito serenamente, começou ela a sua caminhada para o Além…

GARÇOM DO HOTEL FORTUNA — EMPREGADO DO COMÉRCIO, EM MACEIÓ — OS PRIMEIROS VERSOS

Outro garçom põe o café nas xícaras. Afasta-se, depois…

— Já fui garçom… — diz Judas Isgorogota. A Grande Guerra encontrou-me, feito garçom, no Hotel Fortuna, em Pernambuco. Fortuna era uma mulher vastíssima e analfabeta. Ainda hoje, me admiro da agilidade com que eu anunciava o cardápio do dia aos berros: “Sopa de talharim! Ravioli ao sugo! Risoto de camarão! Miúdos doré! Bifes acebolados! Bife a cavalo! Supremo de frango! Frango ensopado!”… Ou, então: “A boa peixada dos viajantes! Feijoada à moda da casa! Tripas portuguesas! Camarões à moda baiana!”… À noite, havia, sempre, “mungunzá”, “cuscuz doce”, “malcasados”, “tapioca de coco”…

— Vida divertida, heim?!

Judas desenhado pelo irmão Messias para a revista Vamos Lêr de 18 de maio de 1939

— Não deixava de ser, não. E à madrugada, especialmente, quando chegavam alguns ingleses bêbados, era uma beleza! As libras esterlinas corriam no bar da Fortuna, talvez tanto quanto na bolsa de Londres. Três meses depois, conquanto apenas tivesse quinze anos de idade, assumi a gerência do hotel…

— Depois?

— Fui obrigado a deixar o emprego… É que, um dia, entrando de supetão num vagão da “Great Western”, ofereci “o melhor hotel da cidade” a um passageiro que, logo, me reconheceu, escandalizado. Era o poeta Jayme de Altavila… Regressei, então, a Maceió. Ali, em 1916, ingressei, como simples “ofice-boy”, nos escritórios da firma Iona & Cia. Datam dessa época os meus primeiros versos…

— Qual foi o primeiro?

— O primeiro escrito e publicado?

— Foi uma versificação do conto imortal de Eça — “Suave Milagre”. Isso deu-se em 1917. Eu trabalhava, à noite, na revisão do jornal de Guedes Miranda, que fora diretor do Instituto Benjamin Constant, onde estudei, sabe Deus a custa de quantos sacrifícios. Deixe-me dizer-lhe, neste ponto, que esse colégio ocupava o edifício do antigo palácio do governo de Alagoas; nesse mesmo sobradão, instalou-se, mais tarde, o célebre Hotel dos Estrangeiros, que tinha a seguinte legenda, escrita na fachada, em letras garrafais: “O único que não tem mosquitos”. Impliquei com a legenda e, por isso, dizia comumente: “Hotel dos Mosquitos — o único que não tem estrangeiros”. E era verdade…

— Voltando aos versos…

— O Guedes, de início, recusou, formalmente, o meu trabalho que, aliás foi o primeiro e último publicado com todas as letras de meu nome. Só aquiesceu em publicá-lo, depois que Almeida Lins, poeta muito meu amigo, disse: “Guedes, eu assinaria esse soneto…” E o “Suave Milagre” saiu numa quinta página de um número de Natal, em meio a anúncios de toda espécie.

CONTINUANDO — UM AUTO-RETRATO EM VERSOS, AOS DEZENOVE ANOS — PLAGIÁRIO DO PRÓPRIO NOME?!

— E você continuou.

— É verdade. Continuei fazendo versos, sempre às dez horas, ocultamente, com medo de que outros vissem… Ainda hoje é assim… Uma lembrança desse é o “Meu retrato”, aos dezenove anos, até agora inédito:

“Rosto chupado, imberbe, muito esguio,
cabelo a nuca à foça me ocultando,
olhos pequenos, cabisbaixo andando
em passo sempre em regra e não tardio;

De cor de barro a tez, olhar sombrio,
chapéu envelhecido inda lidando,
o fato em desalinho, se rasgando;
um sapato me obriga a andar macio…

Resta juntar dois sulcos doloridos
que esta vida mos deu — e não os anos,
que sobre a face trago distendidos.

Entanto, passo frio aos meus tiranos,
mesmo aos olhares ímpios dos vencidos,
mesmo aos sorrisos cruéis dos desumanos…”

Judas Isgorogota tira um cigarro da carteira. Procura a caixa de fósforos. Não encontra… Saio, com o isqueiro, em seu auxílio.

— É evidente nesses versos — continua ele — a forma, a maneira, o ritmo, a alma de meu primeiro modelo: Bocage.

Atira uma baforada para o ar. E quando vou fazer-lhe uma pergunta, avança:

— Já influenciado pelo parnasianismo publiquei, em 1919, no “Jornal da Pedra” e assinando “Rodrigues de Mello”, um soneto — “Madrepérola”. Isso me valeu uma tremenda descompostura do poeta negro Rodriguez Melo, que escreveu um artigo de três colunas, no “Jornal do Comércio”, de Maceió, para acusar-me de “plagiário” e acabar dizendo que o “plágio”, afinal de contas, estava apenas, no nome…

— Engraçado.

— Não deixa de ser. O incidente ocorrido no início de minha vida literária, gravou-se, inapagavelmente, em minha retentiva. E deu lugar a um outro episódio, de que ainda hoje me recordo, em seus mínimos detalhes. Nos escritórios da Casa Iona, onde, como disse há pouco, eu trabalhava nessa época, havia um rigorismo absoluto. Ali, não se falava, não se fumava, não se escreviam cartas particulares, nem se falava ao telefone, sequer. Imagine a minha angústia, quando rebentou o escândalo. Na manhã seguinte, entrei naquele estabelecimento comercial, assim mais ou menos como um gatuno. Sorrisos alvares gozavam minha angústia e previam o espetáculo que se daria, quando chegasse o diretor, que era Guido Ferrario.

— Quando ele chegou…

— Ao fundo, encostado à prensa, eu tremia. O chefe, pensava eu, não me perdoaria, pois jamais perdoara qualquer anomalia, em seus escritórios. Ferrari caminhou, solene, ao longo do balcão. Ao chegar diante do ponto em que me achava, voltou-se de repente e com a voz arrogante, que lhe era peculiar, disse, para que todos ouvissem: “O menino tem razão. A poesia é do menino e o nome também. Esse preto que deixe de muita história…”.

— Você então…

Judas Isgorogota desenhado por Juarez

— Fiquei perplexo, inteiramente perplexo, como todos os que tinham presenciado a cena. Devo, porém, dizer que, já então, havia resolvido mostrar a Rodriguez de Melo que um nome, em si, é coisa que bem pouco vale.

COMO NASCEU JUDAS ISGOROGOTA — EM SÃO PAULO — A “MÉDIA” SALVADORA

— Em 1921, surgiu em Maceió um jornalzinho humorístico — “O Bacurau”. Ocorreu-me, um dia, a ideia de fazer uns versos em torno da figura magérrima de Luiz Lavenère, espírito culto, que sempre admirei. Fiz os versos; faltava, porém, escolher um pseudônimo, para publicá-los em “O Bacurau”. Qual seria? Não queria assinar com o meu próprio nome…

— Nasceu, então, Judas Isgorogota.

— Exatamente. Pensei, comigo mesmo: Judas, na tragédia bíblica, simboliza o “homem possível”, da mesma maneira que Jesus representa o “homem impossível”, ou seja — o homem perfeito. Judas bem poderia servir de nome de guerra, para um poeta que queria “judiar” da humanidade. Assinei, por isso, Judas Isgorogota. O Isgorogota nada mais era que simples corruptela de Iscariote.

— E assim nasceu Judas, que acabaria sendo, mesmo, um judas…

— Como?

— Sim: acabaria, como acabou, traindo o próprio criador, isto é, traindo a você e tomando o seu lugar, liquidando, de uma vez por todas, com o seu nome…

— Lá isso é verdade. Voltando ao que lhe dizia: o soneto alcançou êxito que me surpreendeu; é verdade que o entusiasmo arrefeceu um bocado, quando se soube que o autor era simples empregado da Casa Iona… Fiz outros sonetos, melhor, outras “caretas”, que obtiveram igual sucesso. No ano seguinte, foram esses trabalhos reunidos em um volume, o título de “Caretas de Maceió“, em edição de Lavenère.

— Quando você veio para São Paulo?

— Pouco tempo depois, em outubro de 1924, na empresa editora que ele fundara [Se refere à Companhia Editora Monteiro Lobato]. Logo no ano seguinte, entretanto, como lado da crise que então empolgou nosso país, a empresa teve de fechar…

— E você foi engrossar o exército dos “sem trabalho”…

— Sofri muito. Vivi ao relento…

— Fome…

— Não. Fome nunca passei. Quando ela aparecia para visitar-me, corria a fazer o mesmo, isto é, a visitar Paulo Gonçalves, altas horas, na redação da “Folha da Manhã”. E não arredava pé, enquanto o magnífico poeta não mandava buscar a “média” salvadora…

POR QUE FRANCISCO DE PAULA GONÇALVES PASSOU A SER PAULO GONÇALVES

Judas Isgorogota nasceu em Lagoa da Canoa, Alagoas

— O Paulo que era Paula…

— Não estou entendendo muito bem… — redargue Judas.

— Ora, pois você não sabe que o nome do poeta era Francisco de Paula Gonçalves?

— Sei. E que tem isso?

— E sabe que, a princípio ele se assinava Paula Gonçalves? Sabe por que ele transformou o Paula em Paulo?

— Muito vagamente…

Pois o caso não deixa de ser interessante, “seo” Judas. Um dia, Paula Gonçalves recebeu uma carta amorosa. O signatário, que, dizem alguns contemporâneos do poeta, era um trade nortista, fazia a mais apaixonada declaração de amor e dizia estar disposto a abandonar o burel, para casar-se com a inspirada “poetiza” Paula Gonçalves…

— Então, ele resolveu mudar o nome.

— Isso mesmo. Para evitar novas e possíveis confusões, decidiu-se a assinar Paulo Gonçalves.

— E aí está como Paula ficou sendo Paulo…

— É exato. E voltemos ao que você estava dizendo.

— Em que ponto estávamos?

Paulo Gonçalves mandava buscar a “media” salvadora…

DE “DIVINA MENTIRA” A “RECOMPENSA” E A “JOÃO CAMACHO”

— Você quer me dar fogo?

Acendo, com o isqueiro, o cigarro do poeta. E ele continua:

— Em 1927, publiquei “Divina mentira“, livro desequilibrado como a vida que eu levava. Nesse mesmo ano e eu era, então, revisor do “Jornal do Comercio“, daqui de São Paulo — com a colaboração do desenhista Nino, conquistei o primeiro prêmio de literatura infantil, em concurso da “Tarde da criança”, como o livro em versos – “Um pirralho na Arca de Noé”.

— Em seguida?

— Consegui, em 1928, uma menção honrosa, com a peça “A fada negra”, no concurso de teatro infantil, levado a efeito pela mesma instituição. De parceria com Carlos Pagliuchi, iniciei, em 1929, uma opereta infantil — “O violino magico”. Mas…

— Mas?

— A esse tempo, eu ingressara na redação de “A Gazeta”. Todos os originais achavam-se em minha tenda boemia de trabalho, na “Gazeta Infantil”, quando rebentou a revolução de 1930…

— Então…

— Tudo ficou reduzido a cinzas…

— Que pena!

— Não foi pena, não. Isso redundou em proveito para as letras nacionais…

— “Recompensa”, quando saiu?

— Nove anos depois de ter publicado “Divina mentira”, resolvi dar á publicidade “Recompensa”, isto mesmo instigado por Sud Menucci. Miguel de Arco o Flecha. Já me foi dada a alegria de ver esgotada a segunda edição desse livro; a terceira aparecerá em breve e será “edição para o Brasil”, pois que as duas primeiras foram adquiridas, integralmente, por S. Paulo, fato que, aliás, tem para mim significado todo especial. Fui feliz com “Recompensa”, apesar da menção honrosa que lhe conferiu a Academia Brasileira de Letras. “Recompensa” recompensou-me…

Judas pede mais uma xícara de café.

— No ano passado, fui atacado de um dinamismo fora do comum, em mim. Além da segunda edição de “Recompensa”, publiquei, em parceria com José Niccolini, a novela humorística “João Camacho”, que Raymundo Magalhães Junior, o criador admirável de “O homem que fica”, de “Mentirosa” e de “A mulher que todos querem”, vai teatralizar, realizando assim, uma peça que, certo, alcançará sucesso.

— Como nasceu “João Camacho”?

— Deixe-me dizer-lhe, logo, que Niccolini é que é o verdadeiro “pai da criança”. Ele havia publicado, no suplemento dominical da “Folha da Manhã”, uma série de contos engraçados. Um dia, em conversa, lembrei-lhe a reunião desses contos, numa novela. “Não tenho muito tempo. Se você quisesse fazer isso…” — insinuou-me ele. Aceitei e a papelada veio toda para as minhas mãos. Arrumei jornalisticamente a matéria, dei uma espinha dorsal á obra e, não tardou, “João Camacho”, entrou para o prelo. Nicolini, agradecido, impôs que meu nome figurasse ao lado do seu, na capa do livro. E aí está como surgiu a firma: “Niocolini & Isgorogota”.

“DESENCANTO” — DESENCANTA-SE — PROPÓSITO DE UM CONCURSO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO — COMO JUDAS ESCREVE — “MADAME CURIE”, O LIVRO QUE LHE CAUSOU MAIOR IMPRESSÃO

— “Desencanto”…

— Desencantou-se, também em 1938. Foi seu editor esse corajoso Vicente Plana, que bem merece figurar na plana dos grandes editores brasileiros.

— Você candidatou-se, não há muito, a um concurso do Ministério da Educação.

— E esse concurso proporcionou-me a pior impressão de toda a minha vida. Concorri com dois livros: “Um passeio na floresta” e “O bandeirante Fernão”, poemas infantis, magnificamente ilustrados pela arte de Paim. Os trabalhos premiados, não sei muito bem quais foram; sei que seus autores receberam confortantes “boladas”… Qual não foi minha surpresa, porém, ao verificar que meus livros tinham sido “escolhidos”, entre os mais interessantes… “Um passeio na floresta”, então, recebeu a honra de ser o volume nº 1 da “Biblioteca da criança brasileira”, organizada pelo Ministério da Educação!… Essa honra, creio eu, deveria caber ao livro que conquistara o primeiro prêmio… Outra surpresa reservou-me o malfadado concurso: meu livro foi publicado como sendo de Rodrigues de Mello, quando, na verdade, quem o escreveu foi Judas Isgorogota, como figurava nos originais. Deus queira que o Sr. Rodriguez Mello, de Maceió, não venha de novo, atenazar-me o espírito com o tal “plágio de seu nome”!…

— Qual a hora em que, regra geral, sente melhor disposição para escrever?

— Geralmente, alta noite. Uma ideia qualquer não me deixa dormir. Levanto-me, faço café, tomo alguns goles, sento-me frente á máquina… Só tenho o trabalho de datilografar, porque os versos “já vêm feitos”, através de uma trama emocional que, confesso, me abate profundamente.

— O livro que lhe causou impressão mais forte?

— Foi “Madame Curie”. Jamais, na vida, li qualquer coisa que tanto me fizesse sentir, não a grandeza exponencial de uma vida, mas a poesia terna e pura que a espiritualizou. Tive, ao ler esse livro, desejos de ser ministro da Educação…

— Ministro da Educação?! Por quê?

— Para mandar fornecer, a todas as jovens brasileiras, um exemplar de “Madame Curie”. Para que lessem, para que seguissem o exemplo dessa grande mulher, para que haurissem a essência de ternura, do amor, de poesia e de beleza, que há em suas páginas.

“SOU UM HOMEM QUE CRÊ NA POESIA!” — JUDAS ISGOROGOTA VAI MORRER… — ERA UMA VEZ UM POETA

Saímos do café, descemos a rua Libero Badaró, rumamos para o Parque Anhangabaú. É ai, numa alameda batida de sol, que Judas Isgorogota me diz:

— Sou um homem que crê na poesia! Não poderei, aliás, ser de outra forma. Devo à poesia, tudo que tenho e tudo que sou. Foi ela, foi essa boa e terna companheira, que me abriu todas as portas a que bati…

Depois de uma pausa, acrescenta:

— Acredito, porém, que nunca me abrirá as portas da imortalidade acadêmica, porque meus dedos nodosos a elas jamais baterão… Esta vaidade eu tenho. Não poderá sofrer o fascínio de tal imortalidade, quem já conquistou, com seus versos, a imortalidade imensamente consoladora da admiração, da gente bandeirante…

— Dizem que você vai morrer…

Judas olha-me, surpreso, bem dentro de meus olhos. Compreende, depois sorri…

— Judas Isgorogota é um boneco que arranjei, para sorrir da humanidade. De uma feita, o endiabrado monstrengo passou este recibo a Fernandes Lima, então governador de meu Estado:

“Recebi do Dr. Fernandes Lima,
governador perpétuo de Alagoas,
pela graça de Deus, das almas boas
que seguem a rota dos que estão de cima,

a importância mencionada acima
de “réis 20$000″, porque as pessoas
das urbes, do sertão e das lagoas
vendem seu voto de entranhada estima;

e por cuja quantia me sujeito
a votar no doutor; e em testemunho,
passo o presente, por José do Coito.

em duplicata, para um só efeito
Maceió, Jaraguá, a 12 de junho
de 1918”.

— Mas, o boneco foi crescendo…

— É. Com o correr do tempo, sem que eu o percebesse, apoderou-se de minha personalidade, de meu pensamento, até de meus sentimentos. Hoje, eu é que sou o boneco… Os críticos irritam-se como pseudônimo e os católicos fazem figas. Tudo por causa do Judas! Vou matá-lo, no ano próximo, que é quando pretendo editar o último livro de Judas Isgorogota: “Os que vêm de longe”. Estará, assim, terminada a sua existência…

— A dele, ou a sua?

Talvez, a minha, também… Uma Vez que a criatura se apoderou do espírito do criador, é muito possível que eu não possa subsistir… E era uma vez um poeta!… Aliás, penso que já é tempo de penitenciar-me, como todo Judas que se preza… Nestes últimos tempos tenho concorrido para uma verdadeira balburdia nos arraiais católicos… Um amigo do Ceará contou-me ter assistido a uma acalorada discussão entre um jornalista e um padre daquelas remotas paragens. Afirmava o velho sacerdote que “Isgorogota” é que é o sobrenome do “traidor”, e não Iscariote, “o que aliás já havia sido amplamente provado por um ilustre poeta paulista”! (Nunca provei coisa alguma nem pretendo fazê-lo… Esta outra é do mesmo quilate: conta Frieiro ter ouvido em uma igreja de Belo Horizonte uma moça contar a tragédia bíblica a algumas crianças. Ao chegar no ponto culminante, ela disse:

— “Então, o Judas Isgorogota deu um beijo na face de Jesus Christo”…

O Frieiro, conta o Britto Broca, ficou arrepiado, e por isso mesmo é um daqueles que desejam que o novo judas seja enforcado. Será, prometo, mas… é tão interessante tudo isso! Imaginem que delícia é ouvir o meu nome dos lábios de minha filhinha — Juda Gorogota!… E se vocês vissem e ouvissem com que entono ela diz esse nome! E que encanto que tem, em seus lábios rosados puros, aquelas silabas gritantes!…

***

Da editoria do História de Alagoas:

Agnelo Rodrigues de Mello nasceu em Lagoa da Canoa, quando ainda era um distrito de Traipu, Alagoas, em 15 de setembro de 1898, mas foi registrado somente em 15 de setembro de 1901. Faleceu em São Paulo – SP no dia 10 de janeiro de 1979.

Era filho de Severiano Rodrigues de Melo e de Teresa da Rocha Melo. Estudou as primeiras em Maceió no Colégio Sagrado Coração de Jesus e no Instituto Benjamim Constant.

Entre 1914 e 1916, após perder o pai, morou e trabalhou em Recife. De volta a Maceió foi trabalhar como “ofice-boy” nos escritórios da firma Iona & Cia, em Jaraguá.

Estreou nas letras com “Caretas de Maceió”, em 1922, poesias humorísticas sobre costumes e personalidades locais, inicialmente publicadas em O Bacurau, dirigido por Lafaiete Pacheco.

Jorge de Lima, autor de O Acendedor de Lampiões, foi quem prefaciou o livro, mas não escapou da mira do jovem poeta:

Lá vem o curador das aflições da rua!
para odiar a dor, a associar a sua
Este mesmo que vive, entristecidamente,
tristeza ao mal que assombra o coração da gente!

Dez, cem, mil injeções aplica e continua
outras tantas a dar, consecutivamente,
à medida que a doença aos poucos se acentua
e a palidez da morte apenas se pressente.

Contradição feroz em que o senso medita:
Ele que extingue a dor e saneia a cidade,
um remédio não tem p’ro mal que o debilita…

Tanta gente também nos outros insinua
Xaropes e injeções de toda qualidade
como este curador das aflições da rua!

Em Maceió, trabalhou em O Bacurau, Correio da Tarde e Jornal de Alagoas, neste escrevia diariamente a coluna Pintando o Sete.

Foi um dos fundadores da “Academia dos Dez Unidos“, refletindo a revolução literária paulistana de 1922.

Transferiu-se para São Paulo em 1924. Neste mesmo ano trabalhou na Revista do Brasil, da Companhia Editora Monteiro Lobato.

Em 1926 já estava no Jornal do Comércio de São Paulo. No ano seguinte, estava vinculado à revista O Comentário, de Veiga Miranda. Ainda em 1927, foi para a Gazeta Infantil, onde ficou até o ano seguinte assinando como Papai Noel. Saiu para A Gazeta de São Paulo, permanecendo neste jornal até a década de 1960.

Foi ainda secretário da revista “Arquivos da Polícia Civil de São Paulo”, órgão da Secretaria de Segurança do Estado e jornalista de O Estado de São Paulo e da Revista Oriente e de A Época.

Em 1º de setembro de 1930, Jorge Amado publicou uma crítica (escrita em 7 de julho) sobre ele em duas páginas do jornal baiano ETC. Relatou que encontrou seu livro “Divina Mentira” no Rio de Janeiro. O tratou como “um poeta admirável”:

“A nota predominante nos seus versos é a originalidade. Não se lhe vê um lugar comum. Tem um ritmo próprio, cheio de suavidade e quase indiferença. A indiferença do homem que já cansou de se revoltar. Mesmo a descrever a amada, esta eterna amada que é a mesma em todos os quarenta milhões de tolos poetas brasileiros, é Isgorogota original. Ela não é alegria, não é todo seu amor, sua ventura. É a meia lua do seu céu interior”.

E citou o verso de Isgorogota:

Alvo e fino o seu corpo… E tão alvo e tão fino
É o seu corpo que tem parecença de lua
No quartel do minguante… O seu corpo, imagino
É a humana expressão fiel da meia lua.

E concluiu: “A Divina Mentira é sem dúvida um grande livro. Livro de angústia, de sofrimento e de tragédia. Livro que a gente sente. Livro de um homem de muito talento. De um grande poeta”.

Como que lembrando dos dias difíceis que teve em São Paulo, Judas Isgorogota publicou na Gazeta (SP) de 7 de janeiro de 1931, os seguintes versos:

Recomendações

I

E se acaso você for à minha choupana
E minha mãe disser: — “Como vai meu filho?
Será que ele vai bem ou será que me engana?”

Você não vá falar que ando maltrapilho…
Mas, lhe diga a sorrir: — “Fique a senhora em paz!
Ele vence brincando o maior empecilho!

Está outro! Ninguém o reconhece mais!”

II

Se minha irmã disser: — “Como vai o meu mano?
Ele é muito falado? Ele é muito querido?
E será que ainda vem para casa este ano?”

Você não vá tocar no que tenho sofrido…
Mas, lhe diga a sorrir: — “O seu mano é um rapaz
Que tem prêmios de amor e glória recebido!

Está outro! Ninguém o reconhece mais!”

III

Entanto, se você chegar até a casa
De onde um dia saí, cambaleante e mudo,
— Ave que cai do azul com uma ferida na asa —

E uma voz lhe disser, branda como um veludo:
— “Como vai o meu noivo?”, ouça bem, meu rapaz!
Diga-lhe apenas isto, ela compreende tudo:

— “Está outro… Ninguém o reconhece mais…”

Agnelo Rodrigues de Mello, além de Judas Isgorogota, também usou o pseudônimo Pinto VII.

Em 9 de julho de 1932 eclodiu na capital paulista a chamada Revolução Constitucionalista, liderada pelo general Isidoro Dias Lopes. Era uma tentativa de derrotar o grupo que estava no poder após a Revolução de 30, com Getúlio Vargas à frente.

Treze dias depois um hino dos revoltosos foi publicado n’A Gazeta de São Paulo. A Canção das Bandeiras tinha a música de Carlos Pagliuchi e versos do alagoano Judas Isgorogota.

A Canção das Bandeiras foi publicado na Gazeta SP de 22 de julho de 1932

Sem muito destaque foi a sua participação no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Na diretoria eleita em junho de 1941, Isgorogota era um dos conselheiros fiscais daquela instituição.

É de 1941 a publicação de Interior:

Vem-me ao ler cada verso que componho
A lembrança das velhas catedrais…
O incensório de prata… o órgão tristonho…

Um par de freiras tristes… os vitrais
Das janelas fechadas para o sonho…
Os carrilhões fundidos para os ais…

Leio-os por isso mesmo… pois, em cada
Verso que o coração me diz, ao fim,

Vejo que há sempre, incógnita, ajoelhada,
Uma mulher olhando para mim…

Entre 1949 e 1950, foi redator-chefe da Gazeta Infantil (SP), onde também publicava contos e poesias, como esta sobre o amor:

Há duas classes de amor,
cada qual mais diferente:
— O amor que a gente ama
e o amor que ama a gente…

Era considerado como um renovador da poesia lírica brasileira. Uma das suas poesias mais publicadas nos jornais foi O Herói:

— Papai, o que é um herói?
Eu pergunto porque tenho grande vontade
de ser herói também…

Será que posso ser herói sem entrar na guerra?
Será que posso ser herói sem odiar os homens
E sem matar alguém?

O homem que já sofrera as mais fundas angústias
E as mais feias misérias
Trabalhando a aridez de uma terra infecunda
Para que não faltasse o pão no pequenino lar;
O homem que as mais humildes ilusões perdera
No seu cotidiano e ingrato labutar;
Aquele, ao ouvir a pergunta do filho;
“Papai, o que é um herói?”
Nada soube dizer, nada pôde explicar…
Tomou de uma peneira
E cantando saiu, outra vez a semear!

Casou-se em 1933 com Nazira Cesar de Melo, filha de um xeique druso da Transjordânia, Sheir Hammed. No dia 24 de outubro de 1934 nasceu sua filha Rima, para não se ter dúvidas de que era filha de um poeta.

Nazira foi professora do Instituto Caetano de Campos e autora dos livros de canções Poesias Musicadas e de Festas de Todo Ano, coletânea de musicas infantis (cantos orfeônicos) destinados aos Jardins da Infância e primeiros anos escolares.

Nazira Cesar de Melo, esposa de Judas Isgorogota

Obras:

Caretas de Maceió, Maceió: Oficinas da Livraria Machado, 1922. (sonetos humorísticos – prefácio de Jorge de Lima);

Aguarela, (Do livro inédito Intimidade), Maceió: Tipografia da Livraria Fonseca, 1923;

Jardim de Academo, inédito (40 sonetos sobre os membros da Academia Alagoana de Letras);

Divina Mentira, São Paulo: Graphicars, 1927. (poesia). Recebeu críticas elogiosas em vários jornais e concorreu a prêmio da Academia Brasileira de Letras em 1928;

Um Pirralho na Arca de Noé, São Paulo, 1927, (poema infantil) premiado pela Tarde da Criança de São Paulo;

A Fada Negra, São Paulo, 1928. (teatro infantil em versos), menção honrosa em Tarde da Criança de 1928;

O Violino Mágico, opereta infantil, em parceria com Carlos Pagliucci, do Conservatório Musical de São Paulo. 1930;

Recompensa, 1936, Menção Honrosa da ABL;

Desencanto, São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1938. (poesia);

Um Passeio na Floresta, ilustrações de Paim, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937. (poesia infantil) prêmio do MEC;

O Bandeirante Fernão Dias: Poema Infantil Inspirado na Epopeia de Paes Lema, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937, prêmio do MEC;

João Camacho, em colaboração com José Nicolini, São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1938. (novela humorística);

Os Que Vêm de Longe, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1947. (poesia);

Fascinação, São Paulo, 1947;

Pela Mão das Estrelas, São Paulo: Ed. Saraiva, 194?. (poesia);

Interlúdio, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1950. (poesia);

Música Proibida, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1952. (poesia);

Versos da Idade de Ouro, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1954. (poesia infantil);

Sapatinhos de Prata, São Paulo: Ed. Saraiva, 1954. (poesia infantil);

As Amáveis Lembranças, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1960. (antologia poética);

A Árvore Sempre Verde, S. Paulo: Ed. Saraiva, 1961. (poesias); e Sonetos do Artífice (esses dois livros receberam o Prêmio Alvares de Azevedo da Academia Paulista de Letras em 1961;

Mensagem Lírica do Brasil, [s.d.] (poesias esportivas) em francês, inglês e português, premiado na Olimpíada de Helsinque, Finlândia;

Cantos da Visitação, S. Paulo: Edições Oriente, Coleção das Amáveis Lembranças, 1970. (poesia);

XXX Poemas de Judas Isgorogota, S. Paulo, Ed. Pasárgadda, 1973. (seleção);

Bavusíadas, versos satíricos publicados no Jornal de Alagoas, sob o pseudônimo de Pinto VII;

A Cidade dos Abkar, original árabe, 1942 (versificação).

Teria deixado inéditos: Intimidades (versos); Jardim de Academo (40 sonetos sobre os membros da AAL); Aquarelas, oferecido ao IAGA, conforme ata de 05/03/1931.

4 Comments on Judas Isgorogota, o jornalista e poeta Agnelo Rodrigues de Mello

  1. Poeta que nao se desvinculou de suas raízes migratórias, nota-se em “os que vieram de longe” e “amaveis lembranças “

  2. Emocionante Judas Isgorogota. Sua vida é uma poesia de beleza sem fim.
    Amei cada palavra escrita por ele.
    Gostaria que me dissesse onde posso adquirir seu livro”Aos que vem de longe”. Ficarei muito agradecida.

  3. Sandra, é muito difícil encontrar qualquer livro dele. É mais provável que algum Sebo de São Paulo tenha.

    Judas Isgorogota

    Os que Vêm de Longe

    Vocês não queiram mal aos que vêm de longe,

    aos que vêm sem rumo certo, como eu vim;

    as tempestades é que nos atiram

    para as praias sem fim…

    Os que vêm de longe, os que vêm famintos,

    os que vêm rasgados de dar compaixão,

    os olhos parados, os pés doloridos,

    pisando saudades calcadas no chão…

    Vocês nunca souberam o que é tempestade

    na vida de um homem… e nem saberão!

    É a seca na mata… é o mato rangendo,

    é a terra tostando, virando zarcão…

    É a gente morrendo na estrada vermelha

    vendo trapos humanos lutando com o pó…

    E as levas se arrastam penosas na estrada,

    enchendo as estradas de angústia e de dó…

    É a gente, sentindo tonturas na alma,

    piedade divina dos céus implorar,

    e ver que somente uma gota nos brota

    dos olhos cansados de tanto chorar…

    É o gado morrendo de fome e de sede,

    morrendo e mugindo num doido clamor,

    e a gente morrendo de sede, e sonhando…

    — a gente tem mesmo de ser sonhador… —

    sonhando com água, que ao menos o gado

    liberte da angústia da sede e da dor…

    E os trapos humanos se arrastam rezando,

    caindo, chorando,

    sofrendo e clamando por Nosso Senhor…

    É a gente ter nalma esperanças e sonhos,

    viver da ventura dos olhos de alguém,

    um dia encontrar a palhoça deserta

    e saber que, faminta, arrastando-se além,

    aquela que amamos a leva maldita

    levou-a também…

    É a gente sofrendo de ver a desdita

    sorrindo dos homens… Olhar para o céu,

    fechar a palhoça e sair pela estrada,

    sem rumo, sem nada, dos ventos ao léu…

    E o céu lá em cima piscando de quente…

    Lá longe a palhoça ficou, triste e só…

    Um fiapo de nuvem vem vindo… vem vindo…

    e a gente vai indo com os olhos na nuvem,

    os pés escaldando na areia e no pó…

    Depois, já se sabe… Depois é isso mesmo …

    a gente vem vindo, tal qual como eu vim,

    sem Deus, sem destino, sem sorte, sem nada,

    até dar à costa num mundo sem fim…

    Vocês não queiram mal aos que vêm de longe,

    rasgados, famintos de dar compaixão…

    os olhos na terra … os pés doloridos…

    pisando saudades calcadas no chão …

  4. Joselia Carlla Cavalcante Dantas Silva // 1 de junho de 2023 em 08:29 //

    Muito lindo gostei muito

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