Mortos e feridos no histórico conflito de Jaraguá

Em 14 de janeiro de 1894, a matriz de Nossa Senhora Mãe do Povo em Jaraguá ficou banhada em sangue com 6 mortos e 24 feridos

Praça Manoel Duarte com a Escola de Aprendizes Marinheiros ao fundo, local onde provavelmente houve o início do conflito

Antiga Igreja Matriz do Jaraguá

Há uma história sangrenta envolvendo a Matriz de Nossa Senhora Mãe do Povo, em Jaraguá, com várias versões e muitas deturpações históricas, principalmente por envolver as forças policiais do conflituoso governo de Gabino Besouro (24 de abril de 1892 a 16 de junho de 1894).

A editoria do História de Alagoas, que vinha pesquisando há algum tempo o assunto, encontrava dificuldades por falta das chamadas fontes primárias ou mesmo de acesso a jornais alagoanos do período.

Entretanto, na realização de outra pesquisa, por acaso foi encontrado no jornal Minas Gerais, de 9 de fevereiro de 1894, a reprodução das matérias publicadas no jornal alagoano Gutenberg de 16 e 17 de janeiro daquele mesmo ano, dois e três dias após o episódio.

Mesmo considerando que o Gutenberg não era isento politicamente, acreditamos que as informações publicadas são as mais próximas da verdade.

Começou na Pajuçara

O conflito teve início na tarde do domingo, 14 de janeiro de 1894, provavelmente numa área do início da Pajuçara que depois viria a ser a Praça Dr. Manoel Duarte, bem próxima de Jaraguá e a poucos metros da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe do Povo, situada em frente à Praça Dois Leões.

Essa possibilidade foi aventada porque nos anos seguintes outras festas foram realizadas neste mesmo largo. Ficava defronte à Escola de Aprendizes Marinheiros no início da Rua do Araça, futura Rua Epaminondas Gracindo.

Foi nesse ambiente de festa que paisanos, matriculados na capitania do porto (seriam hoje os trabalhadores da estiva) e soldados da força de segurança se envolveram num conflito cujos desdobramentos entrariam para história de Alagoas como um dos mais sangrentos.

Eis a matéria publicada no Gutenberg de 16 de janeiro de 1894:

“Estavam naquela rua a divertirem-se em um samba diversas pessoas, quando ali compareceu o soldado Franciscano e mais dois companheiros de força de segurança desarmados, que andavam a passeio.

Franciscano travou-se de razões com um dos espectadores do samba, de que resultou tomarem parte da luta os assistentes, ficando feridos diversos dos contendores e entre eles duas praças.

Chegando esse fato ao conhecimento do oficial de estado, fez seguir para o lugar de conflito um reforço de quatro praças seguidas de mais seis, todas armadas de sabre, as quais em nova luta se travaram com os matriculados, ficando desses dez soldados dois mortos e oito feridos.

Neste ínterim e quando não podiam lutar aqueles praças, chegou um reforço de cavalaria, comandado pelo alferes Rolemberg, com cuja presença dispersaram-se os matriculados, sendo nesta ocasião efetuadas várias prisões“.

Trecho da Rua Sá e Albuquerque em Jaraguá percorrido pela carga da Polícia em perseguição aos trabalhadores da estiva. Foto de Luiz Lavenére

Em seguida o jornal passa a descrever os desdobramentos deste primeiro entrevero na Pajuçara.

“Seriam oito horas da noite quando em perseguição dos contendores apareceu, vindo da Pajuçara, no pátio da matriz de Jaraguá, onde se celebra a festividade do Senhor dos Navegantes, um pelotão de cavalaria, quase em disparada.

É fácil avaliar o pânico e o terror de se apossaram as pessoas que ali estavam. Corriam todos, cada qual em sua direção, atropeladamente, caindo aqui e ali, a fugir do teatro de luta, homens, senhoras e crianças.

Nesta ocasião foram feridos alguns soldados e paisanos.

Apesar da intervenção de algumas autoridades para reprimir o conflito foram improfícuas todas as providências, não só pela exaltação em que estavam os matriculados e praças, mas ainda pela confusão que a tudo e a todos envolvia.

Como sucede em acontecimentos idênticos, foram vítimas algumas pessoas absolutamente estranhas à luta.

No conflito, além de dois soldados mortos, há os ferimentos seguintes:

Joventino, menino de 16 anos e matriculado, que foi alcançado por um sabre que lhe perfurou o pulmão esquerdo, e cujo estado era desesperador;

Theophilo, proprietário de um restaurante em Jaraguá, também ferido por arma perfurante no pulmão direito. O seu estado era também desesperador;

Alvino Cavalcanti, dono de uma taverna na rua da Alfandega (atual Sá e Albuquerque), ferido por arma branca, na testa e no braço;

Victor Gregório, por arma perfurante;

Francisco Mangabeira, com três ferimentos na cabeça, um nas espáduas e outro do lado direito.

Leandro, ex-escravo.

Além deste há mortes:

José Pombeiro, João de tal, conhecido por Quarto do porto, João das Mercês e Pedro de tal.

Na sacristia e corredor da matriz ainda estavam, até 10 horas do dia, grandes poças de sangue.

Os botequins armados no pátio da igreja foram devastados, sendo grandes os prejuízos de seus proprietários”.

No dia seguinte, o jornal Gutenberg acrescentou que foram mortos e feridos os seguintes praças da força de segurança.

Mortos: cabo José Ignácio da Silva e o soldado Jesuíno José dos Santos.

Feridos gravemente: Anatólio Leite Rodrigues, João Francisco dos Santos, José Ramiro da Silva Lobo, Manoel Sabino, José Cândido do Rego Barros; anspeçada (graduação de praça entre marinheiro/soldado e cabo) José Gomes de Araújo.

Feridos levemente: anspeçadas Tibúrcio Valeriano de Carvalho e Ursulino José de Santa Anna. Soldados José Severiano da Silva, Manoel Antônio dos Santos, Firmino Baptista da Silva e Epaminondas José Palmeira.

Além dos paisanos feridos com os nomes acima, ficaram nas mesmas condições: Manoel Boanova, João Rabeca, Venâncio de tal, Manoel João, Antônio Bezerra e Lucindo de tal“.

Politização do episódio

Tenente Coronel Gabino Besouro

Um fato desta dimensão não poderia escapar da sua politização, considerando principalmente que o presidente da Província, Gabino Besouro, estava vivendo sob verdadeiro cerco da oposição e não controlava mais as forças de segurança.

Mais de um ano depois dos trágicos acontecimentos, o Gutenberg, edição de 30 de maio de 1895, respondia a um leitor que atacava o presidente Besouro, deposto à bala, e elogiava o Barão de Traipú, que o sucedeu. O jornal alagoano comentou o episódio como um fato, “todo filho da casualidade”.

E justificou: “Todos sabem que nessas ocasiões, havendo grande aglomeração de povo, e havendo também prevenção contra a força pública, muito naturalmente há de ocorrer alguma coisa que perturbe o sossego público. Pergunto: poder-se-ia culpar o governo por um fato nascido da irreflexão de alguns exaltados? A resposta só pode ser a negativa…”.

O Gutenberg voltou a abordar o assunto em 23 de setembro de 1896 e revelou que o comandante da Polícia Militar à época do conflito era o capitão Ramalho, que foi chamado ao Rio de Janeiro, onde permaneceu recebendo seus vencimentos.

A pesquisa continua e em breve poderemos ter mais informações sobre esse episódio sangrento da nossa história.

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