Grandjean de Montigny: autor da planta da Catedral

Estudo publicado na Revista do Arquivo Público de Alagoas, nº 1, em 1962

Praça D. Pedro II e Catedral de Maceió no início do século XX Foto de Luiz Lavenère

Monsenhor Cícero Vasconcelos

Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny nasceu em Paris no dia 15 de julho de 1776 e faleceu no Rio de Janeiro em 2 de março de 1850. Foi um arquiteto e advogado francês membro da chamada Missão Artística Francesa que chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Óleo de Auguste Muller.

A Catedral Metropolitana de Maceió, mesmo para quem não entenda de arquitetura e de arte, é um monumento impressionante.

As torres imponentes, o frontispício delicado e sóbrio, as colunas, os arcos, toda a estrutura do edifício na harmonia das suas linhas e contornos, refletem majestade e grandeza.

Ignorava-se, ainda há pouco, quem fora o autor da sua planta. Os historiadores da Catedral, aliás minuciosos quanto aos outros aspectos da grandiosa construção, mostram-se, em geral, omissos ou obscuros em relação à autoria do projeto. (1)

Hoje, porém, é esta uma questão resolvida.

Em 1816, aportava ao Rio de Janeiro a “Missão Artística“, contratada em Paris pelo Marquês de Marialva, Embaixador de Portugal junto à Corte de Luís XVIII.

Fora uma promoção pessoal de D. João VI e bastaria esta sua iniciativa para desfazer a lenda de obscurantismo e de ridículo em que se tem tentado envolver a figura de estadista do Príncipe Regente, a quem o nosso país deve as suas primeiras, mas clarividentes e definitivas passadas na senda do progresso e, até, da independência.

Da Missão Francesa faziam parte consagradas figuras das ciências e das artes, tanto liberais como mecânicas. Eram nomes como os de Lebreton, Taunay, Debret e Grandjean de Montigny.

Este último, ao incorporar-se àquela notável Missão, já gozava de projeção europeia.

Contemplado com o prêmio máximo de arquitetura, seus trabalhos figuravam não só na França, mas em Roma, em Nápoles, em Westphália [região histórica da Alemanha] e outras partes da Europa.

No Brasil enriqueceu Grandjean de Montigny o Rio de Janeiro com preciosidades arquitetônicas, algumas das quais, resistindo ao camartelo [instrumento semelhante ao martelo] da urbanização, ainda se conservam para orgulho dos nossos foros de cultura.

Projetou o edifício da futura Academia das Belas Artes [o primeiro edifício, na Travessa das Belas Artes, próximo à Praça Tiradentes] e foi o primeiro professor oficial de arquitetura no Brasil. Incumbiu-se, também, da construção de residências particulares, das quais algumas se conservam de pé.

O ministro Osvaldo Aranha mostrava com orgulho aos seus visitantes a linda residência que possuía no Estado do Rio e que fora construída pelo grande arquiteto.

O Solar Grandjean de Montigny, exemplo da arquitetura neoclássica brasileira, foi tombado pelo Iphan em 1938. Está localizada no campus da PUC-Rio, na Gávea. Construído em torno de 1826 (não se sabe ao certo)

A Universidade Católica do Rio de Janeiro, por entre os edifícios das suas Faculdades, com os quais vai enchendo o vale em que se assenta, na Tijuca, conserva carinhosamente uma bela residência de campo, relíquia do extraordinário talento do arquiteto.

Uma contínua saraivada de doestos [insultos] e intrigas marcou a reação da cultura provinciana ante os novos moldes e técnicas aqui introduzidos pela “Missão Artística“.

Pouco a pouco aqueles sábios e artistas, deslocados no ambiente, ainda muito colonial, da corte do Rio de Janeiro, foram retornando as suas pátrias. (2)

Grandjean ficou e pôde, já no 2° Império, traçar a planta da Catedral de Maceió.

Têm lances surpreendentes e atos emocionantes, os episódios desta verificação histórica.

O professor Alfredo Galvão, Catedrático da Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, ainda em princípios deste ano [1962] chegava à nossa Capital e exibia todo um precioso documentário que lhe viera às mãos em pesquisas a que procedera nos arquivos daquela notável instituição.

Examinando-se tais documentos chegava-se à conclusão de que, a 17 de março de 1838, a Secretaria de Estado do Império, obedecendo à determinação do Ministério da Justiça, oficiara ao Diretor da Academia das Belas Artes, Felix Emílio Taunay, recomendando fizesse “levantar a planta de um templo para, por ela, edificar-se a Igreja Matriz que se pretende erigir na Vila de Maceió“; (3) e que, a 2 de abril de 1838, já o Diretor da Academia das Belas Artes remetia à Secretaria de Estado a planta solicitada e que fora traçada pelo professor de arquitetura.

Era este Grandjean de Montigny. Restava verificar que destino fora dado à planta de Maceió.

Catedral de Maceió no final do século XIX

Foi tarefa facilmente desempenhada por Moacir Medeiros de Sant’Ana, jovem Diretor do Arquivo Público de Alagoas, a quem, em boa hora, o Governo do Estado confiou a reorganização deste importante ramo do serviço público.

Sabia encontrar-se na biblioteca do nosso Instituto Histórico um livro constituído de extratos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, inclusive um de autoria de Francisco Manuel Martins Ramos, sob o título: “Lista dos Governadores, Presidentes e Comandantes dos Armas que tem tido a Província das Alagoas desde o ano de 1819 até 1841.” Consultou-o e verificou que o Presidente da Província no período de 1836 a 1838 fora Rodrigo de Sousa da Silva Pontes, de quem dizia o autor: “pediu ao governo geral, pelo Ministério da Justiça, que, na Corte, pela Academia das Belas Artes, se levantasse e lhe fosse remetida a planta para a igreja Matriz que se pretendia edificar na então Vila de Maceió; e não só lhe foi enviada uma, como duas de dois soberbos frontispícios, com o Aviso da respectiva Secretaria do Estado, com data de 26 de abril de 1838, que chegaram no tempo do seu sucessor, acompanhadas de cópia do Ofício do Diretor da dita Academia e de uma nota explicativa do autor”. (4)

Não foi esta a primeira planta traçada para a nova Matriz. O ofício dirigido a 2 de agosto de 1837 pelo vigário Joaquim José Domingues, ao Presidente Rodrigo de Sousa da Silva Pontes, refere-se a um “risco desaparecido (que) tinha sido propriam.e tirado p.a este fim, (calcular as dimensões) e até me persuado que existia o orçam.to conforme o m.nio risco.” (5)

Senador cônego Cícero Teixeira de Vasconcelos, autor deste estudo, e o diretor dos Diários Associados Assis Chateaubriand

A planta solicitada por Rodrigo de Sousa Silva Pontes — é o que esclarece outro documento em poder do Diretor de nosso Arquivo Público (6) — aqui chegada quando este já não se encontrava na presidência, foi executada na construção da Matriz da, já então, cidade de Maceió, a qual teve a sua primeira pedra lançada às 4 horas da tarde do dia 22 de novembro de 1840, (7) ao pé do morro da Pólvora, um pouco à frente da antiga Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, (8) quando da Presidência do dr. Manuel Felizardo de Sousa e Melo.

Não há que pensar em outras igrejas de Maceió. A planta foi pedida e traçada para a Matriz de Maceió e nenhuma outra igreja de nossa Capital teve a sua construção coincidindo com aquelas datas.

É, pois, a planta da Catedral fruto do talento daquele arquiteto francês, fixado definitivamente no Brasil, e que, uma semana apenas depois de comissionado pelo Diretor da Academia das Belas Artes para tal trabalho, já lhe entregava duas plantas “de dois soberbos frontispícios“.

E, com esta verificação histórica, adquire Alagoas o direito de reclamar lugar de destaque na paisagem cultural do país: sua Catedral Metropolitana possui o sinete fulgurante da arte de Augusto Henrique Vítor Grandjean de Montigny.

*As explicações entre colchetes [ ] são da editoria do História de Alagoas.

(1) Dois são os principais trabalhos acerca da nossa Catedral: JAIME, Manoel Claudino de Arroxela. “Alguns apontamentos acerca da matriz da paróquia de N. S. dos Prazeres da cidade de Maceió”. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, Maceió, v. I, n. 4, junho/1874; “A NOSSA Catedral”. O Semeador, Maceió, 9/junho/1923 (apesar de publicado sem assinatura, baseia-se em dados fornecidos por Wenceslau de Almeida).

(2) Para maiores informes acerca da missão de 1816, consulte-se TAUNAY, Afonso de E. A Missão artística de 1816. Rio de Janeiro, Publicações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1956.

(3) Apud LIMA JUNIOR, Félix. «Planta para a matriz de Maceió>. Jornal de Alagoas, Maceió 6/agosto/1961.

(4) RAMOS, Francisco Manoel Martins. “Lista dos governantes, presidentes e comandantes das armas que tem tido a província das Alagoas desde o ano de 1813 até 1841”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, tomo 46, 1886, 2a. parte, p. 53-63

(5) CLERO – 1819-1837, docs. do A.P.A., maço 2, estante 10.

(6) “A NOSSA Catedral”, citado na nota n. 1, de cuja existência só tive conhecimento após publicar o trabalho acerca da Catedral de Maceió.

(7) Em meu trabalho Sobre a história da Catedral de Maceió (Maceió, 1962) consignei, baseado em Craveiro Costa (Maceió, Rio, 1939, p. 105) haver ocorrido em 22 de julho e não em 22 de novembro de 1840, o lançamento da pedra fundamental da matriz e catedral de Maceió. Pesquisas posteriores, efetuadas nos trabalhos aqui consignados, (notas ns. 1 e 4) levam à convicção de que a verdadeira data é 22 de novembro de 1840.

(8) Deve-se ao Visconde de Sinimbú, conforme afirmação de Craveiro Costa (op. cit. p. 105), ter sido a nova Matriz construída no mesmo local da antiga, magnifica posição na aba do antigo Morro da Pólvora. Batendo-se por essa imponente localização, defendia Sinimbú ideia antes adotada pela própria Irmandade do S. S. Sacramento, que anteriormente exarara o seu propósito de edificar a nova Matriz no mesmo local da primitiva, sem que se saiba das razões por que abandonou depois o seu primitivo projeto, para decidir-se em favor da rua da Alegria. O local da antiga Matriz já em 1829 havia sido escolhido pela mesa da Irmandade do S. S. Sacramento, como se constata pelo Artigo 6° do termo da aludida mesa, datado de 31 de maio daquele ano de 1829, que esclarece: “… a Matriz q. se pretende eregir fica em huma praça separada de outro qualqu.r edeficio oq. lhe facilitara poder levantar a referida planta seg.do o melhor gosto”. Esse tópico faz parte da cópia do mencionado termo, enviado por Manoel Gonsalves Anjo, anexa à carta datada de 3 de agosto de 1837, dirigida ao vigário Joaquim José Domingues da Silva. (CLERO – 1819 1837, docs. cit.).

3 Comments on Grandjean de Montigny: autor da planta da Catedral

  1. Vinicius Maia Nobre // 21 de outubro de 2019 em 21:25 //

    Prezado Ticianeli:
    Tenho minhas dúvidas quanto autoria do projeto de nossa Catedral . Essas dúvidas estão explicitadas no nosso livro “_Paixao Incalculavel_” da página 308 à 321 . O alagoano natural do Pilar e radicado em Recife , Professor José Luiz Mota Menezes comentou certa vez que a Catedral não guarda as proporções sempre usadas por Montigny e ademais 22 anos após sua chegada muitos alunos da Belas Artes tinham sido seus alunos . Há também
    o fato terem desaparecido as plantas portanto anulando qualquer prova de sua autoria . Um fato que me chamou atenção foi que no oficio encaminhando o projeto desaparecido , o missivista observa que aluno se propôs acompanhar a obra mediante uma gratificação ! Não foi o tal aluno quem desenvolveu o projeto ! O saldo dessas dúvidas é que ficou na vontade nossa que o Montigny fosse o autor !

  2. Dr. Vinicius, tenho conhecimento dos questionamentos levantados. Como esse texto é do Monsenhor Cícero Vasconcelos, não pude externar esses dados. Mas escreverei em breve um texto a partir dos seus questiomnamentos. Obrigado mais uuma vez por suas importantes contribuições.
    P.S.: o Sandro Gama também tem estudado essa possível não autoria do projeto por parte do renomado arquiteto francês.

  3. André Soares // 22 de outubro de 2019 em 20:21 //

    Polêmica a parte, nossa Catedral é majestosa.

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