Gastone Beltrão, uma revolucionária alagoana

Gastone Beltrão

No dia 12 de janeiro de 1950 nascia, às 22h20, na Rua do Comércio em Coruripe, Alagoas, Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, filha do casal João e Zoraide Beltrão.

Sobre sua origem, Thomaz Beltrão, seu irmão e destacada liderança política em Maceió, deu mais detalhes:Cópia de PB180022

“A Gastone veio de duas famílias de matriz conservadora. Pelo lado da minha mãe, é a família Campelo de Carvalho. A família Campelo era dona da Fazenda Estiva, mas depois migraram para o Rio de Janeiro. Pelo lado paterno, a família Beltrão, Castro e Azevedo“.

“A Gastone — continua Thomaz — teria a maior propensão de ser uma figura conservadora e não a militante histórica e progressista que ela foi. Essa migração da família Campelo de Carvalho para o Rio de Janeiro em função de contingências, de disputas agrárias, fez com que ela tivesse a oportunidade de estudar na casa dos meus avós”.

Sobre os irmãos, Thomaz, que foi vereador por Maceió (PT), esclareceu que eram seis: “o mais velho é o Túlio, depois vem o João José, depois a Ana Tereza, a Moacyra, a Gastone e eu, que nasci nove anos depois da Gastone“.

Infância e adolescência

Gastone viveu uma infância feliz. Tinha muitas amigas e a mais especial delas era sua irmã Moacyra, um ano mais velha. Na adolescência, viveu idas e vindas entre Maceió e Rio de Janeiro.

Na capital alagoana estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva. Concluiu o segundo grau no Rio.

Voltou a Maceió em 1968, quando prestou vestibular para Economia na Universidade Federal de Alagoas, obtendo o terceiro lugar. Foi nessa época que iniciou sua militância política.

Militância política

Mesmo estando em Maceió, Gastone não deixava de ir ao Rio, onde a avó e a tia materna moravam e onde fez contatos com as pessoas que a levaram ao envolvimento na luta política. Um deles, seu amigo Zé Pereira, foi quem apresentou a ela a organização revolucionária Ação Libertadora Nacional, onde ingressariam juntos, provavelmente no final de 1968. Também seria incentivada por Carlos Eugênio Paz, o Clemente, de quem era amiga pessoal e quase vizinha.

A amizade entre Gastone e José se tornou tão forte que, num acordo secreto entre os dois, resolveram simular um casamento para dar maior idade para Gastone, então com 19 anos, o que possibilitaria a sua viagem a Cuba, via Itália, onde treinariam táticas de guerrilha.

Cssamento de Gastone e José Pereira

Casamento “simulado” de Gastone e José Pereira

Em 8 de agosto de 1969, Gastone e José se “casaram’ e partiram, no dia seguinte, para Roma, onde iriam estudar e trabalhar, conforme dito às famílias, além de passar a lua-de-mel.

Entre agosto de 1969 e o segundo semestre de 1971 viveram em Cuba, mas informando a família, através de cartas e cartões postais, que estariam em Roma. Para que a família continuasse a acreditar que eles estavam na Itália, a correspondência era enviada a Roma, onde amigos as encaminhavam para o Brasil.

A última carta enviada a família, por exemplo, foi postada em 10 de agosto de 1971, mas escrita em 11 de julho do mesmo ano.

Esse esforço, entretanto, era desnecessário: a família sabia por amigos que ela estava em Cuba e treinava guerrilha. Nesse período, cartazes com as fotos de Gastone e outros militantes foram espalhados por todo o país, inclusive em Maceió.

A volta

No segundo semestre de 1971, Gastone e José Pereira deixaram Cuba em direção ao Chile, de onde voltariam clandestinamente para o Brasil, mais precisamente a São Paulo.

Encontraram no Brasil uma Ação Libertadora Nacional diferente. Sem Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, tinha como seus principais pilares Carlos Eugênio Paz e Iuri Xavier Pereira.

Nesse período, o que era uma simples amizade tornou-se um relacionamento sério e Gastone e José Pereira iniciaram um romance, mas que não durou muito.

A relação teve início no dia 26 de agosto de 1971 e permaneceram juntos até o dia 22 de janeiro de 1972, data em que Gastone foi assassinada, como confirmou José Pereira em carta de 13 de maio de 1972 destinada a D. Zoraide, mãe de Gastone.

Gastone em família

Gastone em família

A morte

Na manhã de 22 de janeiro de 1972, Gastone e José deixaram o “aparelho” em São Paulo para se encontrarem com o militante Antônio Carlos Bicalho Lana e depois seguirem, em um Jipe, para uma reunião com outro dirigente da organização.

Sem saber, estavam sendo seguidos por agentes do DOPS comandados pelo delegado Sérgio Fleury.

Antes de chegarem ao local da reunião, Gastone, que trajava calça e camisa de mangas compridas, de cor escura, desceu para fazer compras numa pequena mercearia situada no cruzamento entre as ruas Heitor Peixoto e Inglês de Souza, no bairro da Aclimação.

Como os agentes perderam o Jipe de vista, resolveram capturar Gastone – ou Rosa, nome que usava na clandestinidade. De armas em punho, se aproximaram de Gastone, que percebendo a ameaça protegeu-se em um balcão e teve início uma troca de tiros. Ela foi sumariamente metralhada, mas não morreu imediatamente.

Segundo o dossiê de mortos e desaparecidos políticos, a alagoana teria recebido o chamado “tiro de misericórdia” na testa. Ao que tudo indica, morreu no translado ou numa sala de tortura.

O assassinato foi publicado no Jornal do Brasil, edição de 25 de janeiro de 1972, mas sem informar a identidade de Gastone e distorcendo totalmente os fatos.

A manchete, “Pistoleira fere e morre em duelo com Policiais”, descrevia o fato como ocorrido na Av. Lins de Vasconcelos, partindo da Vila Mariana, e citava o “ladrão” João Ferreira da Silva, denominado Tião, que sequer existiu.

Apontava Gastone como criminosa comum e não como “subversiva”, nome que era dado aos militantes da luta armada da época pelos órgãos repressores.

Local onde Gastone se refugiou para fugir da polícia

Local onde Gastone se refugiou para tentar escapar da polícia

Sabendo de sua morte, freis dominicanos enviaram uma carta a um professor de história da UFAL, orientando-o a procurar a família de Gastone e informar a triste notícia.

Ele procurou Moacyra e repassou as informações. Imediatamente, D. Zoraide, sua mãe, viajou para São Paulo em busca de notícias.

No DOPS paulista foi informada que existia sim uma Gastone e que teria sido morta há dois meses. No dia seguinte conseguiu falar com Sérgio Fleury que, num primeiro momento, disse não lembrar de Gastone.

Feita a descrição física, o delegado, que ficou conhecido por praticar torturas e cometer assassinatos, disse que “essa moça era muito corajosa e forte, resistiu até a última hora” e contou a versão do DOPS, de que teria sido assassinada em tiroteio.

11159503_1589820261258117_7787475669369206461_nSomente em 1975, depois de muita cobranças da família, foi que seus restos mortais foram localizados, retirados do cemitério de Perus e enviados a Maceió onde foram enterrados no túmulo da família.

Lembranças

Sobre a irmã, Thomaz Beltrão lembra: “Era uma pessoa profundamente generosa, sempre rebelada contra as injustiças sociais, e uma figura que assimilou, sobretudo, essa concepção de que, mesmo muito jovem, tinha que se dedicar ao lado de outros brasileiros para que acontecessem mudanças importantes no nosso país”.

Gastone lutou e morreu pela causa que acreditava. Costumava dizer que resistiria até o último momento, pois não aguentaria a prisão e a tortura.

Como disse José Pereira da Silva, em carta acima citada: “Tudo o que fizemos foi por realmente acreditar, por amor a nossa gente, por amor a nossa pátria. Jamais sequer pensamos em benefício próprio, sacrificamos nossa juventude e nossas vidas […]”.

Texto base de Gabriel Passos (original AQUI), ampliado com informações de Thomaz Beltrão.

4 Comments on Gastone Beltrão, uma revolucionária alagoana

  1. gladstone beltrão das neves // 29 de janeiro de 2017 em 23:52 //

    ola fiquei comovido com a historia dessa mulher e mais ainda por que o meu nome é (gladstone beltrâo) sou do recife tenho 34 anos fiquei comovido ao lêr essa historia.

  2. Fernando Dorea // 28 de abril de 2020 em 16:14 //

    São história de lutas e resistência, de CIDADÃOS e Cidadãs, que prestaram um grande benefício a sociedade brasileira e janais ficarão esquecidos na memória dos que viveram e estão vivos para relatar tudo que aconteceu sem cortes.

  3. Apenas mais uma guerreira que morreu defendendo seu país, sua gente dos arbítrios de uma ditadura suja e assassina. Esse sim merece ser chamada de patriota!

  4. …Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil… Esses sim foram verdadeiros PATRIOTAS!!!

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