Esquisitices da política alagoana do século XX
Crônica do jornalista e deputado Alberto Deodato sobre a política alagoana em 1957


Alberto Deodato foi um escritor talentoso, jornalista e político
Alberto Deodato foi um sergipano de Maruim que se projetou na política mineira e no jornalismo brasileiro.
Notabilizou-se por ser um dos que assinaram Manifesto dos Mineiros, documento lançado em outubro de 1943 e subscrito pelos mais importantes nomes da política mineira. Cobrava a redemocratização do país.
Presidente da seção estadual da UDN, participou da conspiração político-militar para depor o presidente Getúlio Vargas, que o levou ao suicídio em agosto de 1954.
Junto com o governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, participou ativamente da trama que depôs o presidente João Goulart no dia 31 de março de 1964. Como prêmio foi nomeado interventor nas emissoras mineiras de rádio e televisão.
Jornalista atuante, foi diretor da Folha da Noite, da Folha do Dia e do Correio Mineiro, em Belo Horizonte, além de colaborar com os jornais cariocas Gazeta de Notícias, A Folha, O País e Fon-Fon.
O artigo abaixo, de sua autoria, foi publicado no jornal Tribuna da Imprensa de 18 de fevereiro de 1957.
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Alagoas dá muito doido…
Minha infância se repartiu entre os canaviais do engenho de meu pai, em Sergipe, e às margens do São Francisco, em Alagoas. Durante dez meses, estudava, a bolos de palmatória, com aquele grande Higino Belo, em Penedo — que ensinou a todos os alagoanos de minha idade — para, nos outros dois meses, tempo de moagem, ir me espojar no palhiço do engenho, rolar no banguê, chupar cana caiana, a dente, de chapéu de palha, camisolão azul, com bolso, pendurado no fueiro, sobre o recavem dos carros de boi, que iam encher-se de cana para a moenda…
Isso não é o começo de autobiografia, que a idade já está a reclamar. Mas que a saudade não deixa escrever. Os olhos se me enchem dágua e se turvam as letras…
A história é, apenas, para dizer que conheço bem os alagoanos. Que lhes quero bem, como velhos companheiros de diabruras infantis e colegas de carteira. Alagoas é, também, minha terra natal.
Esse crime bárbaro de Arapiraca [referência ao assassinato do deputado José Marques da Silva, da UDN] veio consolidar a vontade que sempre tive de escrever sobre os políticos alagoanos. Uma obra que, sendo estudo de sociologia política, fosse, também, de ficção. Começaria assim: “Os doidos na política alagoana”.
Por que, na verdade, a originalidade de Alagoas é a esquisitice de sua vida política. É certo que outros Estados também têm isso. Mas Alagoas, por ser pequena, tem mais. A maioria dos que a têm governado não expressa as virtudes intelectuais e morais de sua gente. Virtude alagoana é a inteligência de Jorge de Lima e de toda a enorme geração de poetas e romancistas, até Graciliano Ramos.

Rui Palmeira, um dos filhos de Miguel Soares Palmeira
É o lúcido equilíbrio e discrição de Rui Palmeira. O brilho e o amor ao trabalho de Cavalcante Freitas. A serenidade lírica de Mendonça Lima. Mas não são esses os homens que têm dirigido o Estado, embora os tenha eleito o povo para seus representantes. A fauna diretiva da administração é o trem mias diferente que já vi.
As minhas observações teriam início na política municipal de Penedo, há quarenta anos. O primeiro intendente que conheci, hoje chamado prefeito, era o “seu” Barreiros. Esse homem veio passear no Rio. Quando voltou, não tirou mais o fraque, a calça de lista, o chapéu chaminé e as luvas cinzentas. Em dia de feira, sentava-se num tamborete, punha a cartola de lado, tirava as luvas e comia camarão torrado com farinha. Acabou no hospício.
O delegado de Polícia era o “seu” Fialho. Em frente a sua casa, ficavam, sentados numa cadeira, o dia todo, um cabo e um soldado de Polícia. À tarde aboletava-se, entre eles, o próprio delegado. Os ordenanças o acompanhavam por toda parte. Quando entrava na casa de um amigo, ou ia fazer compras no comércio, ou servia-se do mictório público, os soldados ficavam à porta.
O chefe político, “seu” Constantino, sumiu da noite pro dia, depois de levar uma surra de cacete. Morreu no Rio…
E na política estadual? Uma porção de doidos. Euclides Malta não era doido. Mas pensava que a governança do Estado fosse só pra sua família. Revezava-se com os parentes. Foi preciso intervenção federal para entrar gente estranha no governo.
Álvaro Paes foi dos melhores e mais tranquilos homens que tenho conhecido. De jornalista, no Rio, passou a governador de Alagoas. Governou comendo bem. Não havia galinha que chegasse. Acabou com os sururus do Hotel de Maria Pimenta. Quase esgota os “viveiros” de curimãs alagoanos.

Campos Teixeira, de óculos e escuros e terno preto, ao lado de Silvestre Péricles. Foto do Jornal de Alagoas
Depois de outros, não menos originais, apareceu o sr. Péricles de Góis Monteiro. Pintou misérias. O seu ato mais inofensivo foi borrar as paredes do Palácio do Governo, depois de uma desinteria de mariscos, para, assim, entregá-lo ao seu adversário, sr. Arnon de Melo…
Vem, agora, o sr. Muniz Falcão. Nunca pensei que fosse homem da madeira. Que gostasse de bater e matar. Na Câmara, achava-o, apenas, divertido, com aquela ignorância que Deus lhe deu. Falava por paus e por pedras. Inimigo visceral da Gramática, trepava-se naquela pobre tribuna e xingava a três por dois. A sua diferença era com o sr. Horácio Láfer, ministro da Fazenda. Não sei porque. Certo dia, chamou-me: “Vou arrasar o Láfer com um pedido de informações…”.
Mostrou-me o requerimento. Sabem o que era? Pedia que o governo lhe informasse se não havia entrado no porto do Rio de Janeiro, há trinta ou quarenta anos, uma judia, irmã do sr. Horácio Láfer.
— “Mas pra que isso?”
— “Para arrasar com o Láfer!…”
A sua eleição para o governo de Alagoas é um espelho da nossa vida política.

Muniz Falcão, ao centro, na Câmara dos Deputados com Odilon Souza Leão, Aurélio Vianna, Galba Vianna e Ari Pitombo
Já viram homem mais pitoresco que esse Ari Pitombo? É o único homem “apátrida” da Câmara. Nasceu numa ilha que se formou no rio São Francisco. Houve uma enchente que engoliu a ilha. Ari perdeu o lugar em que nasceu. Apresentou três projetos célebres: a pena de morte, o fechamento da TRIBUNA DA IMPRENSA e a aquisição dos “Cadillacs”. Tem em preparo uma representação da Câmara a Pio XII, para beatificação do sr. Getúlio Vargas. Foi chefe de Polícia de Alagoas.
E o padre Medeiros? É o primeiro a ter candidato à Presidência da República em fim de mandato. Dá entrevista ou faz discurso. Garcez e Canrobert foram seus candidatos. Mas sempre os deixa sozinhos…
É, ou não é, original, a política alagoana? Ao lado de homens de talento e de juízo, muito doido: doido engraçado, doido de burrice e doido de matar…
Alberto Deodato
Formidável esse seu resgate da história política alagoana. Muito embora tem muito sabido se passando por doido.
Acredito que essa gente se considerava tão poderosa que podia dar vazão as suas excentricidades sem arcar com as consequências de seus desmandos , não eram loucos, quer dizer, nem todos. O problema de Alagoas começou já na criação da capitania de Pernambuco quando as terras do sul , por não serem tão ricas quanto as do norte foram entregues ao que pior havia dentro da elite pernambucana.