Diário da viagem de Sá e Albuquerque à Colônia Leopoldina em 1855

As antigas viagens por Alagoas eram feitas em montarias. Foto ilustrativa

Rio Jacarecica em Maceió

Com início no dia 1º de julho de 1855, esta viagem do presidente da Província da Alagoas, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, foi registrada por algum jornalista do Philangelho, jornal maceioense, e republicada no jornal O Commercio (RJ) dias depois, em 5 de julho.

Alagoas

Apontamento tomados na viagem do Exm. Sr. presidente da província das Alagoas à província de Pernambuco, com escala pela Colônia Leopoldina.

Partimos de Maceió às 5 horas da manhã do dia 1º do corrente com um numeroso concurso de cavaleiros que acompanharam S. Ex. até duas léguas distante da cidade à margem esquerda do Jacarecica, onde feitas as despedidas regressaram os acompanhantes muito saudosos.

Às 11 horas estávamos em Paripueira, aonde descansamos até duas e meia da tarde. S. Ex. visitou de passagem a escola do professor público de Pioca, na qual existiam apenas cinco alunos, não se achando presente o respectivo professor.

Examinou também o lugar da costa de Pioca, donde se haviam extraído algumas amostras de mineral inflamável denominado xisto betuminoso.

Tocou em o engenho S. Salvador do abastado proprietário Luiz Coelho de Gusmão, ex-vice-presidente da província e um dos chefes da oposição. Aí foi S. Ex. obsequiado com uma delicada merenda que ele e seus companheiros de viagem muito apreciaram.

No engenho Santa Rita, do mesmo proprietário Luiz Coelho de Gusmão, estavam à espera de S. Ex. e recolhidos da chuva o Exm. Comendador José Paulino de Albuquerque Sarmento, e numerosos amigos e parentes.

Engenho Castanha Grande quando ainda funcionava.

S. Ex. descansou alguns instantes no engenho Castanha Grande, do rico proprietário Manoel Cavalcanti de Albuquerque.

Às oito horas da noite chegamos ao engenho Santo Antônio Grande do comendador José Paulino, aonde S. Ex. devia pernoitar. O ilustre comendador nada havia poupado pra tornar agradável aos seus ilustres viajantes a pródiga hospedagem que lhes deu (14 léguas).

2 de maio — Às 11 horas da manhã, depois de almoçarmos, seguimos para a vila do Passo, acompanhados do comendador José Paulino e de numerosos outros cidadãos, encontrando pelo caminho muitas pessoas que vinham ao encontro de S. Ex.

Na vila, adiante da casa do Dr. Juiz municipal, estava postada uma luzida guarda de honra comandada pelo capitão Apolinário e a música do batalhão.

S. Ex. foi recebido e cumprimentado durante o pouco tempo que se demorou na vila por grande número de cidadãos. Visitou a matriz, o porto, um edifício inculcado para a cadeia, e não perdeu a ocasião de falar a alguns dos membros da comissão de obras do cemitério público à cerca dessa obra, animando-os e mostrando os maiores desejos de levar ao cabo essa indispensável construção.

Seguimos daí para o engenho Várzea do Souza, do coronel José de Barros Pimentel, onde jantou, no meio das maiores finezas e obséquios, dirigimos-nos, às 5 horas e meia para o engenho Buenos Ayres, do Dr. juiz de direito da comarca Manoel Joaquim de Mendonça Castello-Branco, que esperava a S. Ex. no Engenho Várzea.

Em caminho foi muito cumprimentado e acompanhado por numerosíssimo cortejo de cavaleiros que tinham vindo do engenho Maranhão do tenente-coronel Bernardo Antônio de Mendonça, onde S. Ex. devia pernoitar.

O Dr. Manoel Joaquim recebeu S. Ex. com luxo e magnificência extraordinários. Ouvi a S. Ex. dizer que se achava pasmado de encontrar naquelas alturas uma casa de vivenda preparada com tanto gosto e riqueza. — Meu amigo, assim já se pode viver no mato; mato assim é mais do que cidade.

O inverno era constante, porém mais constante era S. Ex., que tendo feito propósito de dormir no engenho Maranhão, aonde foi recebido com todo o aparato e grandeza; música, foguetes e iluminação em todos os edifícios do engenho tornaram aquela noite fulgurante.

Porto Calvo em 1647

3 de maio — S. Ex. acompanhado do tenente-coronel Bernardo e de muitos outros cidadãos seguiu às 11 horas de manhã o caminho de Porto Calvo. Às 4 horas da tarde entrava na vila, junto da qual o distinto comandante superior da comarca Dr. Jacintho Paes de Mendonça, com o seu estado maior, os tenentes-coronéis Padrinho e Beiriz, o juiz municipal, o pároco, uma brilhante oficialidade da guarda nacional, e numerosos cidadãos do lugar o encontraram.

S. Ex. visitou a cadeia, a matriz, o porto da vila e o que mais notável lhe pareceu.

A vila de Porto Calvo é de grandes e gloriosas recordações para o brasileiro que não é indiferente aos feitos d’armas de seus antepassados. S. Ex. viu o lugar onde existiu um forte, com o socorro do qual na conquista dos holandeses o príncipe Maurício de Nassau comandou em pessoa um combate contra os indígenas e os portugueses.

S. Ex. seguiu para o engenho Novo do comandante superior Jacintho; tudo que pôde imaginar de suntuoso, de confortável e de cômodo encontramos no engenho Novo. O perfeito cavaleiro senhor do engenho multiplicou-se em cuidados e obséquios à S. Ex. e a todos os seus companheiros.

Um esplêndido jantar, que mais parecia da corte do que do campo, foi servido às 8 horas da noite. Entusiásticas saudações foram feitas ao Exm. Sr. Sá e Albuquerque como particular e como presidente da província; S. Ex. correspondeu com a delicadeza que lhe reconhecem.

Às 10 horas da noite findou-se o jantar com a saúde que S. Ex. fez a S. M. o imperador e à família imperial; S. Ex. aproveitou a ocasião para convidar os seus distintos obsequiadores, ao coadjuvarem na construção de um cemitério público na vila de Porto Calvo.

Todos à porfia prometeram sua coadjuvação e sem demora, visto que o tempo urgia. S. Ex. nomeou uma comissão para promover a necessária subscrição para este fim, e foram nomeados: o comandante superior Dr. Jacintho Paes Mendonça, o pároco da freguesia Dr. Luiz Laurindo Paes Lima, o delegado do termo Dr. Bernardo Antônio de Mendonça Castello Branco, o major Emygdio Jorge de Lima e o pároco da freguesia de S. Bento Manoel Moreira de Moraes Accioly.

A dedicação, caridade e patriotismo desses cidadãos prometem o melhor êxito dessa empresa tão útil.

S. Ex., condoendo-se da sorte dos infelizes presos que são recolhidos à imunda e insalubre cadeia de Porto Calvo, ficou de autorizar o seu concerto, determinando que antes de ser este começado fossem logo operados alguns reparos tendentes ao asseio e limpeza tão necessários; ficou também de dar um socorro por conta dos cofres municipais para a construção de uma ponte, para a qual concorrem alguns particulares.

Assim a passagem de S. Ex. em Porto Calvo foi um fato que nunca será esquecido dos portocalvenses que desejam ver o seu município em vias de prosperidade.

Como são úteis as viagens dos administradores públicos, quando estes viajam, não atrás de votos ou de vaidosas ovações, mas para bem dos seus presididos com incômodos seus!!!

Mapas militares de Colônia Leopoldina

4 de março — Depois de um suculento almoço montamos a cavalo às 11 ½ da manhã e seguimos o caminho da colônia. Apesar das vivas instâncias de S. Ex., o distinto comandante superior da comarca, o delegado de polícia, o juiz municipal, o vigário, muitos oficiais da guarda nacional e numerosos outros cidadãos quiseram ter o incômodo de acompanhá-lo até a colônia Leopoldina, e de feito foram nossos companheiros de viagem.

Tão amáveis companhias tornaram agradabilíssima a nossa viagem pelas extensas matas, onde outrora os terríveis caudilhos Vicente de Paula e Caetano Alves imperaram como panteras. Às 5 horas e meia da tarde estávamos na colônia Leopoldina, que dista 12 léguas do Engenho Novo.

Convém agora dizer alguma coisa acerca da colônia Leopoldina, cuja visita e inspeção foi grande motivo dessa incomoda viagem numa estação de rigoroso inverno.

A cinco léguas antes de chegar à colônia encontra-se o começo de uma estrada construída no seio das matas virgens pelos operários da colônia. Foi o melhor caminho que encontramos, a estrada é larga, e acha-se bem conservada existindo bem feitos e seguros pontilhões em todos os riachos.

Apenas se entra no território da colônia vê-se de distância em distância pequenas habitações muito alegres, pertencentes aos colonos. Uma certa abundância reina nessas choupanas, cujos habitantes mostram-se satisfeitos e contentes com a sua sorte.

Em frente de algumas casas há até pequenos jardins; a vegetação pulula vigorosa e cheia de seiva do seio de uma terra tão rica e produtiva; o algodão, a mandioca, o arroz, o milho, a batata, o inhame e alguns legumes constituem a lavoura dessa gente afortunada.

S. Ex. teve o cuidado de interrogar vários colonos acerca da sua sorte, e todos se mostraram satisfeitos do seu estado.

Com o interesse de um administrador desvelado examinou S. Ex. a farinha que se fazia em algumas habitações, mostrando assim que sabia avaliar a importância desse produto que constitui a base da alimentação dos brasileiros, e é naquelas paragens a parte maior do alimento do povo.

A colônia militar Leopoldina acha-se num adiantamento extraordinário; a casa que recebeu o ilustre visitante, a qual pertence ao Estado, é uma elegante habitação de construção muito airosa: suas ogivas, terraço ou sótão em forma de castelo, e a bela posição em que foi assentada dão-lhe o aspecto de um palacete.

O digno diretor da colônia, o capitão João da Gama Lobo Bentes, a quem se não pode recusar espírito de ordem e bom gosto, nada havia poupado para tornar agradável a S. Ex. e a seus companheiros da viagem a hospedagem que lhes ofereceu.

Praça D. Pedro II e Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo em Colônia Leopoldina

No dia 5 às 11 horas da manhã foi benzida a imagem de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da capela; S. Ex., o seu numeroso acompanhamento, a tropa da colônia, e os colonos assistiram a solenidade religiosa, pregando um interessante sermão análogo à solenidade o capelão da colônia Fr. Antônio da Pureza.

Era um ato edificante ouvir a sonora voz do sacerdote do Senhor retumbando dentro de um templo erguido no mesmo solo em que mais de uma vez as vozes ou antes o rugir dos caudilhos das matas trovejaram blasfêmias, mandando atirar sobre os soldados da lei, e ordenando saques, rapinas e mortes! Lágrimas de comoção deslizavam pelas faces de alguns espectadores; e quem seria tão duro que não se comovesse ao aspecto da civilização espancando e afugentado a barbárie e o crime de outras épocas?

É preciso estar-se nos antigos arraiais de Vicente de Paula, Caetano Alves e seus asseclas, lembrar-se de que se acham no centro de extensas matas virgens, e comparar a antiga condição desses lugares outrora ermos e perigosos com o atual estado de civilização e segurança, para bem apreciar o serviço importante que a esta província e à de Pernambuco fez o Exm. Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo fundando a colônia Leopoldina.

Compenetrado dessa verdade o Exm. Sr. Sá e Albuquerque determinou que uma das ruas da colônia fosse apelidada a Rua do Figueiredo e por uma justiça feita aos serviços do primeiro diretor da colônia o capitão João da Gama Lobo Bentes, determinou também que uma outra rua fosse chamada Rua do Bentes. Não é de outra forma que se reconhecem os serviços prestados com dedicação e amor do bem público.

O pessoal da colônia é composto tão somente de nacionais; não existem estrangeiros no estabelecimento. Há três classes de colonos: os da primeira classe são as praças de linha que, em número de 45 pouco mais ou menos, fazem o serviço da polícia da colônia e se distrito, a faxina e empregam-se também nas olarias.

Os da segunda classe são os operários que trabalham nas respectivas oficinas em todos os dias úteis; nesta classe podem se compreendidos os guardas nacionais destacados, que são admitidos nos trabalhos das estradas e obras públicas auxiliando também o serviço da polícia.

Os da terceira classe são os moradores do distrito, esses ocupam-se exclusivamente em suas lavouras, de que já se vai colhendo muito proveito; visto como abastecem de farinha de pão alguns mercados, não só desta como da província de Pernambuco; o algodão colhido na colônia já parece em Maceió e em Pernambuco, fazendo-se notável pela sua ótima qualidade e pelo esmero, cuidado e limpeza com que é tratado e ensacado.

Pareceu-nos o terreno da colônia muito apropriado para a plantação do café, que de certo produzirá imenso lucro; pois essa produtiva cultura. Além de exigir poucos braços, nela se podem aproveitar com vantagem os serviços dos meninos.

Disse-nos o diretor que o motivo por que ainda se não tinham entregue ao cultivo de tão lucrativa planta era o receio que têm os colonos de serem para o futuro despejados dos terrenos depois de beneficiados; porque não têm meios para os comprarem.

Se o Exm. Sr. Sá e Albuquerque conseguisse do governo imperial que fossem garantidos esses moradores nas terras que lavram, faria um benefício imenso à colônia. S. Ex., desvelado e zeloso como é pela prosperidade da província que administra, não deixará por certo fenecer à míngua de solicitude um dos mais esperançosos estabelecimentos das Alagoas!

Passamos um dia e duas noites na colônia, e sinceramente confesso que vivi numa perfeita ilusão: acreditei estar no seio de uma nascente cidade, provida de todos os cômodos e recursos da vida, do que no centro das matas de Jacuípe.

Se algum mal gênio não for adverso à prosperidade crescente desta colônia, tornar-se-á em breve uma belíssima vila, e talvez mais alguma coisa.

O nosso entusiasmo por ela subiu ao ponto de desejarmos todos ser colonos; até S. Ex. mostrou desejos de obter terras para fundar por sua conta uma colônia agrícola; a mesma vontade manifestou o Dr. Jacintho Paes de Mendonça, e de alguns nossos companheiros também não puderam resistir à tentação, de maneira que se não esfriar o apaixonado furor pelas matas brevemente esses ermos se converterão em fazendas, sítios, engenhos e úteis habitações.

S. Ex. e seu luzido acompanhamento foram obsequiados pelo capelão da colônia com uma opípara ceia em a noite de 5.

Tencionamos amanhã passar ao território de Pernambuco, para onde vou vergado com a carga de saudades que levo dos habitantes da pitoresca Leopoldina e dos amáveis companheiros que até aqui nos acompanharam: se nefanda preguiça me não estreitar em seus braços ou se as delícias da Veneza Americana me não tolher os dedos, dali lhe enviarei o resto de nosso itinerário.

(Au revoir)

(Do Philangelho.)

1 Comentário on Diário da viagem de Sá e Albuquerque à Colônia Leopoldina em 1855

  1. calado, elton // 4 de julho de 2020 em 20:00 //

    “Está roncando o bueiro da usina… eu vou-me embora pra Colonia Leopoldina…” de Luiz Wanderley……. eita Saudades de tu terra querida….. “não permita Deus que eu morra, sem q’ue volte para lá”

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