D. Maria do CSA, a dona da bola em 1988

Dona Maria, mãe de toda uma geração de jogadores, é um patrimônio do CSA

Estádio do Mutange em 1949

D. Maria, mãe de vários jogadores do CSA

*Publicado na revista Última Palavra de 13 de maio de 1988.

Manoelzinho, Cícero, Celusa, Celina e Jorge Siri; Célia, Peu e Bau; Irene, Celma e Chico.

Esse time nasceu dentro do Campo do Centro Sportivo Alagoano – CSA – no bairro do Mutange, comandado por seu Antônio e dona Maria dos Anjos, e se não fosse a presença de cinco mulheres, poderia muito bem enfrentar um adversário tradicional, durante os 90 minutos regulamentares. Como não pode, cada um se sobressaiu no seu tempo e espaço, difundindo o nome de uma família pobre que venceu na vida com muito sacrifício.

Manoelzinho é o “Mané Caranguejo“, ponteiro direito que jogou no CSA, CRB e Central de Caruaru. Cícero, ou “Til”, como é mais conhecido, embora também jogasse futebol, é hoje empregado da usina Utinga. Bau por ser doente, é o único da família que não joga bola. Sobraram Chico, atual meio-campo do CSA, e Peu, o mais famoso da família, atualmente no México, depois de atuar pelo Flamengo do Rio e Botafogo de Ribeirão Preto.

Vida dura

Dona Maria há 54 anos viveu ajudando ao marido, seu Antônio, na administração do velho campo do CSA. Mesmo depois de viúva — seu Antônio morreu há 20 anos, com 48 anos de idade — ela permaneceu, no emprego, cuidando da aparência do uniforme do “azulão da lagoa”, ou nas horas vagas, vendendo “raspadinho”, um refresco de tinturas misturado com gelo raspado. Aposentada, aos 65 anos, deixou como herdeiros de seu trabalho uma irmã e uma sobrinha.

— “Minha vida foi muito dura. Eu sou de Passo de Camaragibe, minha família é toda de lá, e chegamos a Maceió, recém-casados, sem emprego, sem nada. Meu marido veio ao campo do CSA e foi convidado pelos doutores Benicio Monte, Pedro Pedrosa e Napoleão Barbosa, para trabalhar no campo, cuidando da administração. Só a partir daí comecei a gostar e entender de futebol”, relata.

D. Maria, neto e filhos, entre eles o Chico do CSA

Dentro do campo do CSA nasceram onze filhos, todos de parto normal, e só um, o que seria o quinto filho, faleceu. Como se quisesse completar o número exato de um time de futebol, dona Maria acabou criando o filho de sua cunhada, Cícero, que é tratado como filho.

Arquivo ambulante da história dos últimos 50 anos do CSA, dona Maria considera o futebol do passado mais bonito e teme a violência atual. Ela acha que, naquele tempo, havia espetáculos, “o cara jogava e deixava jogar também”, embora reconheça que faltava assistência ao profissional.

— “Vi muito jogador do CSA comer manga verde, porque não tinha dinheiro para fazer um lanche. Vi muitos fazerem isso, mas foi no tempo do coronel Nilo (Nilo Floriano Peixoto, ex-presidente do clube e que depois, em São Paulo, acabou dirigente do Corinthians)”.

Conselheira de seus filhos, principalmente de Peu e Chico, os dois que ainda jogam futebol profissional, dona Maria estende seus conselhos a outros jogadores, como Zé Pedro, garoto que surgiu do time inferior para o profissional do CSA.

— “Eu vi, pela televisão, o Zé dizer que foi olhar o show do Chiclete com Banana e lá tomou uma cerveja. Disse isso rindo, como se tivesse feito uma coisa normal. Quando me encontrei com ele, eu lhe dei um conselho: meu filho, não faça isso! Você tem de se cuidar, você tem de pensar em você, porque futebol é uma coisa passageira”, disse.

Estrela e aviso

Peu, filho mais famoso de D. Maria

Apesar do emprego no CSA, apesar dos filhos terem nascido dentro do campo do CSA, na antiga casa — hoje demolida — que servia de residência e concentração, dona Maria lembra que seu marido, Antônio, não queria que os filhos jogassem futebol. Queria que estudassem.

— “O Manezinho mesmo, coitado, levou muita pisa. Mas de nada adiantava o Antônio bater, porque qualquer brechinha ele tava de novo no campo. Os pés faziam calo de tanto ele jogar bola”, lembra.

Vencido pela insistência dos filhos, que tinham a sua disposição um campo oficial para se exercitar no futebol, seu Antônio acabou cedendo, mas morreu antes de ver os mais novos, Peu e Chico, em ação. “Quando o Antônio morreu o Chico tinha 1 ano de idade e o Peu tinha oito anos”, recordou.

Relatando com humildade os sofrimentos do passado, dona Maria não desejaria repeti-los, mas reconheceu que seus filhos lhe proporcionaram a tranquilidade que desejava no futuro. “Hoje eu tenho tudo: casa, telefone e carro pra andar, tudo isto me foi dado por meus filhos, principalmente o Peu, que é também o que subiu mais alto”, acrescentou.

Apesar dessa humildade e dos sacrifícios enfrentados para criar onze filhos, dona Maria disse que tinha certeza quanto ao futuro do mais famoso deles, Peu. Essa certeza vem de um “aviso” que o marido, Antônio, antes de morrer, teria recebido. É dona Maria que relata:

— “O Antônio, antes de morrer, quando o Peu tinha apenas sete anos de idade e sequer jogava bola, me chamou e disse: olha, Maria, o Peu vai ser uma estrela. Não sei de quê, mais vai ser. Eu sonhei com ele agitando a bandeira do Brasil”.

Seu Antônio morreu em 1968, Peu era ainda uma criança, mas o seu sonho acabou se transformando em realidade. É verdade que a própria dona Maria precipitou os acontecimentos:

— “Quando começaram a dizer que o Flamengo queria comprar o Peu, eu fui com ele falar com o doutor João Lyra e pedi para que vendesse seu passe. O doutor João Lyra teve palavra. Me disse que venderia após o campeonato e o vendeu mesmo”.

“Vi muito jogador do CSA comer manga verde”

A luta dessa supermãe, uma mãe que se pode dizer “com a bola toda”, não para aí. Ainda hoje, mesmo distante do filho, ela procura aconselhá-lo em cartas ou telefonemas diretos para o México.

— “O Peu sempre me liga, me telefona ou me escreve. E eu procuro reforçar os meus conselhos sobre os cuidados que deve tomar. O futebol é passageiro e ele deve se preparar, fazer seu pé-de-meia. E ele está fazendo. O conselho que dou a ele, dou a qualquer jogador. Eu não entendia de futebol, passei a entender e vi muito jogador bom se arruinar por besteira, por falta de cabeça”.

A paixão pelo futebol, no entanto, se restringe ao CSA, “ajudaria ao time se ganhasse a loteria”, e ao Flamengo, que abriu as portas do sucesso para Peu. Na sua sala de visitas, numa casa simples, mas bem arrumada, no bairro do Mutange, dona Maria exibe triunfante várias fotos do filho famoso. Em uma ele aparece só. Em outras, em pleno Maracanã lotado, ao lado do ídolo rubro-negro, Zico.

2 Comments on D. Maria do CSA, a dona da bola em 1988

  1. Enio Oliveira // 3 de agosto de 2018 em 16:28 //

    Eu vim do Novo Hamburgo, emprestado para o CSA por sete meses. Cheguei em Julho de 1974, fui o último gaúcho a chegar, já que antes vieram Espinosa, Valmir Lourus, Maurício e Dejair e o Laerte Doria era o treinador gaúcho. Fiquei seis anos jogando no Maior Clube de Alagoas. Fui Bi-Campeão Alagoano e disputei o antigo Campeonato Nacional 1976, 1977, 1978, 1979.

  2. Gerônimo Vicente // 4 de janeiro de 2024 em 15:38 //

    Conheci Dona Maria que tirava seu ganha-pão e criou seus filhos dentro do Mutange (estádio) onde fazia de tudo: lavava roupa, vendia raspadinha ( um espécie de suco com um corante rosa ou verde limão), limpeza, enfim uma pessoa bastante popular no bairro e, principalmente junto à torcida azulina. Conheci todos os seus filhos e vi todos se transformarem em jogadores de futebol, menos o Bau que jogava “racha” conosco nos campinhos society construído na época do Jorge Assunção como presidente do clube (1979-80).

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