Carnaval de 1903 em Maceió
*Publicado no Diário de Pernambuco de 15 de fevereiro de 1953.
Félix Lima Júnior
MACEIÓ, fevereiro — Foi um carnaval chocho, sem graça, dos mais desanimados, o de Maceió em 1903, exatamente há cinquenta anos passados [texto escrito em 1953], 22, 23 e 24 de fevereiro foram os dias reservados aos festejos em honra ao Deus Momo, sendo que o último, terça-feira gorda, coincidiu com um feriado nacional em que se comemorava a promulgação da constituição da República, que iria reger até 24 de outubro de 1930.
Arlequim (quem seria?) mantinha bem escrita seção carnavalesca no Gutenberg e anunciava:
“Na quadriga enflorada da Folia, às mãos as rédeas de ouro e seda, baixa o prazer a terra, emissário de Momo, para reconduzir ao Reino das Sombras e Tédio, a Dor e o Desespero. O mundo se agita numa trepidação de sons bruscos e troantes, que não é o halali [grito e toque de trompa] da guerra, mas a grita ensurdecedora dos foliões!
É o dia da Alegria que se aproxima num alvorecer de matizes, entre nuvens cerradas de serpentinas e confete, sob a chuva perfumada das bisnagas, entre os estrídulos sons das fanfarras, em meio do vosear e dos risos dos que na reconfortante embriaguez da troça tudo esquecem e tudo perdoam… Momo chegou! Evohé!”.
Terminava conclamando os leais súditos de Sua Majestade Deus Momo, 1º e único:
“Ao prazer, Foliões de todas as idades, máscaras ao rosto e a fina verve escoe como uma linfa clara e constante… Máscara ao rosto, riso aos lábios!
Começou o carnaval relativamente bem, pois no domingo, 15, a cidade despertou com um diabólico Zé Pereira, o primeiro do ano, anunciando à pacata população que a rapaziada da terra, mandando o trabalho às urtigas, as preocupações, os deveres e os aborrecimentos ao diabo tendo, além disso, a certeza de que tristezas não pagam dívidas, como diz o ditado — ia cultuar Rei Momo, com todo entusiasmo possível, prestando ao mesmo tempo merecida homenagem a Baco…
Eram os alegres rapazes do Clube Bons Camaradas, que iniciavam a folia, percorrendo as principais ruas numa algazarra ensurdecedora, tendo à frente um arauto ricamente fantasiado, montado a cavalo, que distribuía boletins com os seguintes versos:
Rompendo a mudez das ruas
Com festivas gargalhadas
Saúda-vos, filhos do Momo,
O Club Bons Camaradas.
Apesar da crise enorme
Que o nosso bolso avassala
Para saudar o Deus Momo,
Saímos de grande gala.
Quebrem de todo a tristeza,
Meus soberbos foliões,
Essa tristeza mesquinha,
Que habita em seus corações.
Eis a introdução da festa
Deste Deus das patuscadas
Que para saudá-lo veio
O Club Bons Camaradas.
Além dos Bons Camaradas apareceram outros Zé Pereiras de carroça, como eram chamados, em veículos enfeitados com folhas de Palmeira e de canela, galhos de pitangueiras, bandeiras de panos e de papel, fazendo infernal barulho com bombos, triângulos de ferro, tambores, pratos, latas vazias, cornetas, o diabo!
Começara bem, é verdade, mas de repente, aniquiladora surgiu uma espécie de urucubaca miudinha e, através dos jornais o Club Carnavalesco Estragados, pelo seu secretário, Júlio Costa, anunciou que não se exibiria pois o presidente adoecera. Pelo nome do clube deveria ser o Botafora da época…
Dias depois Os Lavradores também avisavam, por intermédio do diretor, sr. Manoel Correia de Melo, que não apareceria por haver falecido pessoa da família de um dos sócios mais entusiastas.
O mesmo fez o Vassourinhas, conforme aviso publicado no Gutenberg, firmado pelo diretor Roberto José de Oliveira, “em virtude do pai e de uma irmã do nosso digno vice-presidente”. Parecia uma epidemia de gripe como aquela de 1918, a célebre espanhola…
Em Jaraguá, o Tic-tac, cujas principais figuras eram os foliões Antônio C. Monteiro, Augusto S. Leão e Gaudêncio Ataíde, não se exibiu nos três grandes e alegres dias. Alegando a crise atual saiu apenas na madrugada do domingo gordo, num Zé Pereira de carroça. E realizou uma reunião dançante em sua sede, no dia 23.
Os Foliões da Época, com sede em Jaraguá, não foi nessa história de crise e deu bailes carnavalescos, tendo requerido a respectiva licença em 19 de fevereiro, obtendo o seguinte despacho do então Intendente Municipal, dr. Joaquim José de Araújo: — “Concedo, pagando o imposto n. 5, do § 7º, do art. 1º, da lei 76, de 1903”. E ainda se fala em aumento de impostos, etc, presentemente! Pois há meio século passado nosso respeitável Conselho Municipal já taxava quem queria se divertir e esquecer as agruras da vida!
O Paladinos da Democracia deu apenas um baile em sua sede, na noite de 22, enquanto a Terpsicore, presidida pelo cel. Antônio Souza Almeida, realizou duas reuniões dançantes, sábado e segunda-feira, sendo designados para a comissão de recepção os seguintes cavalheiros: Dr. Otávio Lessa, Zeferino Rodrigues, Ignácio Gracindo, Capitão Tenente Sadok de Sá e João Lício Marques.
O Club Familiar Heliotropia Jaguarense, presidido pelo sr. Francisco Machado Júnior: e do qual eram figuras destacadas Alexandre Nobre, Ezequiel Pereira, Antônio Bessa e Luiz Amorim — abriu seus salões no domingo, 22, para um animado baile.
E a Fênix? A Fênix Alagoana, de gloriosas tradições, tendo à frente foliões da velha guarda, Joaquim Goulart Pimentel, José de Amorim Leão, Pedro Araújo, Oscar Falcão, Joaquim da Silva Costa — também desertará? Não.
Reunida em 10 de fevereiro a Diretoria da Fênix resolvera não fazer o tradicional Zé Pereira, alegando, entre outas coisas, “a fadiga e a responsabilidade e [a] não [disposição] de pessoal social para compor a comissão encarregada”, com o que não se conformou um grupo de sócios, que resolveu por o préstito na rua, às suas custas e sob sua responsabilidade.
No sábado gordo, apesar de ter chovido torrencialmente, as ruas de Jaraguá e de Maceió — Igreja, beco do Estrela, Aterro, Praia, Lama, Boa Vista, Largo dos Martírios, Comércio, Barão de Anadia, Libertadora estavam cheias de pessoas que aguardavam, ansiosas, o préstito dos fenianos, que vinham conseguindo grande sucesso todos os anos. Era a mais rica, a mais aristocrática, mais animada e querida sociedade da época.
Às 9 da noite, surgiu o Zé Pereira em bondes especiais, depois de anunciado a toques de clarim, precedido de luzida guarda de honra composta de sócios, vestidos de branco, uns, fantasiados outros, todos montados a cavalo, conduzindo fogos de bengala.
O primeiro carro conduzia um enorme avestruz, de asas abertas, carregando gentil garotinha, ricamente vestida, ladeada por Fenianos fantasiados. O segundo veículo trazia bem arranjada gôndola tripulada por gentis patrícias vestidas de Pierrôs e quatro gondoleiros a caráter, remo em punho, relembrando a velha cidade italiana, o grande canal, a ponte do suspiros, o palácio dos Doges: o terceiro carro era uma crítica ao jogo do bicho, invenção recente do Barão de Drumond; conduzia enorme roda da fortuna cercado de bicheiros, banqueiros, jogadores e angariadores do vitorioso vício brasileiro, e tinha o sugestivo título de — Nova Indústria… Nos outros carros vinham os diretores, sócios e músicos.
Por onde passaram, da rua da Igreja aos Martírios, do Comércio ao beco do Estrela, foram muito aplaudidos.
Não tinha aparecido ainda o primeiro automóvel, um carro vermelho adquirido pelo Manoel Estevam e do qual ainda algumas pessoas se recordam. O recurso era exibir-se em bondes puxados a burros…
Foi esse o fraquíssimo carnaval do ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1903 devido à crise, diziam. Isso num ano em que o Chapéu Chinês de Simões & Irmãos, à rua do Comércio, 127, anunciava máscaras de cetim a 1$500… Pudera não! Se o câmbio estava a 11 5/8, a 11 11/16, taxas que nunca tivemos e nem teremos…
*Publicado no Diário de Pernambuco de 15 de fevereiro de 1953.
Prezado Ticianeli,
Também esse ano de 2021, corre um carnaval fraquíssimo… Mas por conta de duas moléstias: uma proveniente de um vírus chinês, outra, pela falta da consciência e senso de coletivo dos habitantes do país !
Bom dia Vírus” chinês ” é brincadeira O vírus é global…perdeu a identidade ,perdeu o passaporte está em toda parte!!
Maravilhoso, eu olhar essas fotos do tempo do meus pais, tudo era bom: o respeito com os outros, tranquilidade e paz de espírito. não como em nosso pais uma zorra total. Abraços
Muito bom, gostei do trabalho histórico.