Café Central

Rua do Comércio nos anos 20, com o prédio do futuro Café Central ao fundo

Por De Araújo Costa

Era mais conhecido como o Café do Cupertino. Ficava bem de frente ao “Relógio Oficial“, que o progresso engoliu. Espaço pequeno, acanhado, que muito mal cabia umas seis mesinhas de tampo de mármore. O Cupertino, impecavelmente de branco, muito vexadinho, muito atencioso, tinha uma boa clientela. Era a alma do negócio. De manhã à noite estava ali, no batente.

Rua do Comércio nos anos 50 com o Café Central logo atrás do Relógio Central

O barzinho vivia sempre cheio, entupido de fregueses. Os dois garçons corriam, ora de um lado, ora de outro, para atender a freguesia. Freguesia seleta, quase sempre. Era ali que eu tomava o meu sorvete de baunilha, devorava a minha salada de frutas e bebericava o meu cafezinho quente, fumegante. Que cafezinho danado de gostoso!

Rapazinho, beirando pelos dezessete anos, gostava de encher o tempo sentado diante de uma das mesinhas do Café do Cupertino, conversando, prosando com amigos. Dali, vestido no meu melhor terno e usando sapatos bicolores, tão em moda na época, eu saía para paquerar as garotas que faziam o “footing” na rua do Comércio. E as garotas passeavam, cheias de dengues, como se estivessem numa passarela.

Como disse, o Café do Cupertino era frequentado por muita gente boa. Advogado, Juízes, Desembargadores, comerciantes e empregados do comércio. Muito corretor fazia dali o seu ponto de encontro, o seu escritório. Ali realizavam seus negócios, suas tirinetas.

Café Central à esquerda e a estátua de Mercúrio na Rua do Comércio anos 1960

Café Central à esquerda e a estátua de Mercúrio na Rua do Comércio anos 1960

Também os intelectuais da terra o frequentavam. Muitas vezes, quando eu lá estava, via os melhores da literatura alagoana. Graciliano Ramos, ossudo, meio anguloso, pontificava, rodeado de literatos amigos. Falava pouco, mas com segurança. Faziam parte desse grupo Valdemar Cavalcante, José Lins do Rego, Alberto Passos Guimarães, José Auto, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e um rapazote magricelo, muito tagarela, que agitava, nervosamente, os braços, como querendo pegar no ar o termo justo, a palavra adequada. Era Aloísio Branco que, dizia-se, vivia intoxicado de literatura.

Como se estivessem num grêmio literário, emitiam opiniões sobre livros e autores, esgrimiam ideias, que se chocavam, espelhantes, no ar, como se fossem floretes. Graciliano Ramos chupava um cigarro ordinário e pigarreava sempre. José Lins do Rego, de costeletas despropositadas e monóculo, tinha ares pedantes. Falava, com entusiasmo, sobre “Doidinho“, livro que estava escrevendo.

Café Central do Cupertino em 1938

E eu sentia uma louca atração por aquele grupo de iluminados, que diziam coisas bonitas e ininteligíveis para mim. Pareciam deuses fugidos do Olimpo…

……

E uma pena que esses bares, esses lugares, no centro da cidade, onde se reuniam, sempre, homens de letras alagoanos, para um bate-papo, estejam desaparecendo de Maceió. Tivemos o “Café Central“, o “Bar Colombo“, o “Grande Ponto“, a “Porta do Sol“, a “Santa Laura“, o “Helvética“, o “Bar Elegante” e o “Bar Alemão“. Foi neste último, de Manuel Gondeberg, que ouvi, quando rapazinho, a palavra inflamada, nervosa, de Aloísio Branco e de Ramayana de Chevalier, num almoço comemorativo da vitória da revolução de 30. O bar estava repleto de intelectuais e de fogosos oradores, mas somente os discursos de Aloísio Branco e Ramayana de Chevalier me impressionaram.

Publicado originalmente no livro Poeira do Meu Caminho, de De Araújo Costa.

13 Comments on Café Central

  1. Gostaria de um dia conhecer vc, que tem preservado belas, e inesquecíveis imagens de nossa Maceió…

  2. Anagisa de Araújo Costa // 1 de junho de 2016 em 17:05 //

    O escritor De Araújo Costa era meu pai, de quem tenho um grande orgulho de ser filha. Tenho até hoje fotos de acontecimentos antigos e diversos artigos sobre diferentes temas. Gostei de ver uma escrito de meu pai, após tantos anos de seu falecimento, ser referencial histórico de Alagoas. Obrigada!

  3. Ticianeli // 1 de junho de 2016 em 18:12 //

    Anagisa, ficamos gratos por valorizar o nosso site. Estamos divulgando todos os memorialistas alagoanos e seu pai foi um grande entre eles.

  4. Queria muito o contato de anagisa de Araújo costa.
    Seu pai, escreveu, um livro que descrevia pessoas da minha família

  5. Sou leitor assíduo do seu site. Gostaria de saber onde posso conseguir um exemplar de Poeira do meu Caminho, li na minha adolescência e retrata um pouco a minha região, de Cajueiro/AL (que já merece um artigo). Agradeço desde já. Deixo o meu email p contato.

  6. Caro Thiago, lamentamos, mas não temos nenhuma indicação sobre onde encontrar o livro.

  7. Rubian Antonio da Silva // 21 de janeiro de 2020 em 10:31 //

    Belo texto sobre o Café Central: me transportei à época, me vi sentado numa mesinha, ouvindo política, literatura e causos da época. Parabéns!!

  8. Williams Rodrigues // 23 de janeiro de 2020 em 22:08 //

    Analisa sou Cajueirense e não perdi a esperança de encontrar o livro o menino e o tempo de Araújo Costa.

  9. Kika Martins // 11 de junho de 2020 em 13:28 //

    Sou Cajueirense e gostaria de saber qual editora foi publicado esse livro.

  10. Cara Angela Martins, o livro deve ter sido impresso com recursos do autor. Não o registro nele de editora.

  11. Anagisa de Araujo Costa // 23 de setembro de 2021 em 21:43 //

    Sou Anagisa e não sei porq só agora, qdo recebi de uma amiga essa publicação, foi possível ver os comentários. Eu já tinha visto na época em q ela foi publicada, mas depois, não sei porq não tive acesso aos comentários, por essa razão só agora posso responder ao carinho de todos. Infelizmente só possuo um exemplar de cada livro q meu pai publicou e os únicos encadernados. Não sei hoje como obter algum exemplar, infelizmente.

  12. Em que ano o Cupertino dono do café faleceu?

  13. Se for o mesmo Cupertino que eu conheci ele faleceu na década de 1990, com 106 anos. Ele tinha orgulho de ir votar todo ano, mesmo com idade avançada.
    Morava na rua Alcebíades Valente, próximo ao Colégio Marista.

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