Assassinato do deputado Marques da Silva incendeia Alagoas em 1957

O História de Alagoas alerta que o conteúdo publicado pode ter imagens fortes

Maria Vieira Marques da Silva, viúva de do deputado Marques da Silva. Foto da Revista Manchete de 28 de setembro de 1957

O menino José Marques da Silva viveu os primeiros anos de sua infância brincando nas ruas empoeiradas do pequeno povoado de Canudos, em Anadia, Alagoas. Nasceu ali em 12 de fevereiro de 1924, filho de Alcino Marques da Silva e Josina Marques da Silva.

Cursou o primário na Escola Mista de Canudos, período em que via o seu pai administrar a empresa que beneficiava algodão utilizando uma máquina a vapor. Continuou os estudos em Palmeira dos Índios e depois em Maceió, no Colégio Diocesano, de onde saiu para cursar medicina na Bahia.

Diplomado em 1952, se estabeleceu em Arapiraca a partir do dia 4 de dezembro daquele ano. A escolha se deu porque a cidade ficava a poucos quilômetros de sua terra natal, que em 24 de agosto de 1962 passou a ser município com o nome de Belém. Arapiraca também se tornava rapidamente um dos principais polos econômicos de Alagoas.

Marques da Silva era casado com a farmacêutica Maria Vieira Marques da Silva e tinha três filhos.

Rua São Sebastião e a Igreja Matriz de São Sebastião em Belém, Alagoas, antiga Canudos. Fotografia dos anos 60

Sua vinculação à política começou ainda quando estudante de medicina em Salvador. Foi candidato a deputado estadual nas eleições de 19 de janeiro de 1947 em Alagoas. Ficou na suplência. Sua participação atendeu a um convite do senador Rui Palmeira (UDN), que pretendia derrotar Silvestre Péricles (PSD) na disputa pelo governo. Silvestre venceu as eleições.

Já um médico reconhecido e professor do Ginásio N. S. do Bom Conselho, voltou a se candidatar pela UDN e em 3 de outubro de 1954 foi eleito, com 3.663 votos, o deputado estadual mais bem-votado daquele pleito. O segundo mais votado, coincidentemente, foi o seu principal adversário em Arapiraca, Claudenor de Albuquerque Lima (PSD), com 2.904 votos.

Nesse período, iniciou na Faculdade de Direito de Alagoas, em Maceió, novo curso superior. Interrompeu os estudos quando começou a receber ameaças de morte.

Em 3 de outubro de 1955, Alagoas elegeu Muniz Falcão (PSP) governador do Estado. Derrotou Afrânio Lages (UDN). A partir de então os atritos entre os dois principais grupos políticos de Arapiraca cresceram de intensidade e desaguaram nas mortes de 1957.

Claudenor de Albuquerque Lima não tinha esquecido as perseguições sofridas por ele e por seu pai Luiz Pereira Lima, destacado chefe político do município, durante o governo de Arnon de Melo (UDN), que assumiu os destinos do Estado em janeiro de 1951.

Com Arnon de Melo no poder, João Lúcio passou a ser a principal liderança política do partido na próspera terra do fumo e iniciou um período de caçada aos adversários, principalmente ao seu inimigo pessoal, Luiz Pereira Lima, e ao seu filho, o deputado Claudenor de Albuquerque Lima.

João Lúcio acossava os inimigos contando com a participação do delegado de Polícia Vicente Ramos e do jovem médico Marques da Silva, que segundo depoimento de Djalma Falcão, irmão de Muniz, no livro Episódios, era identificado como o mentor das perseguições e violências policiais.

Uma delas, no dia 28 de abril de 1954, foi o cerco da polícia, comandada pelo delegado major Vicente Ramos, sem motivo algum, à residência de Luiz Pereira Lima. Houve intenso tiroteio e Claudenor de Albuquerque foi gravemente ferido, tendo que ser hospitalizado em Recife.

Claudenor de Albuquerque Lima exibe cicatrizes de bala, marcas do cerco à sua casa comandado pelo delegado do grupo adversário. Foto de O Cruzeiro

Esse clima de conflito levou Luiz Pereira Lima a se afastar da cidade, passando a residir em Águas Belas, Pernambuco. Atendeu ao pedido do vice-governador Guedes de Miranda e do deputado federal Aurélio Viana.

Ainda no livro Episódios, Djalma Falcão revela que colheu depoimentos em Arapiraca de pessoas que testemunharam as prisões e espancamentos que o delegado realizava a mando de João Lúcio e Marques da Silva em quem apoiava publicamente o grupo político liderado por Luiz Pereira Lima. Em Lagoa da Canoa, acontecia o mesmo, mas ordenado pelo vereador Benício Alves, ligado ao mesmo grupo da UDN.

Houve ainda uma tentativa de assassinato do deputado Claudenor Lima no sítio Riacho Gergetinga. Foi emboscado, mas escapou com vida. Pouco tempo depois, sua fazenda foi invadida por policiais armados de metralhadoras, que revistaram os moradores em busca de armas. Um deles, Esperidião Firmino, protestou contra a atitude dos policiais: foi fuzilado na frente de todo mundo.

Para os jornais da época, a violência que explodia em Arapiraca teve início em anos antes, quando o poder político no estado de Alagoas passou a ser disputado por grupos que tinham suas próprias “forças armadas“. Por outro lado, cresciam as animosidades da UDN contra o governo de Muniz Falcão.

Conflitos de Água Branca

Em 1955, quando Muniz Falcão foi eleito, Alagoas tinha 37 municípios, destes, 33 tinham prefeitos da coligação liderada pela UDN. Como o poder atrai, 31 deles aderiram ao governo, levando armas e bagagens. Somente Arapiraca e Água Branca permaneceram com a UDN.

Foi em Água Branca que aconteceu o primeiro entrevero, fruto do desentendimento entre José Fernandes Torres, eleito vereador no início dos anos 50, e seu sogro, também vereador. Seus grupos se enfrentaram com tiroteios na feira livre da cidade.

Para não ser assassinado, José Fernandes Torres deixou Água Branca e foi trabalhar como gerente da fábrica de tecidos de Rio Largo, levado por seu irmão Miguel Torres Filho, que era casado com Hylza Paiva, irmã de Arnaldo Paiva, prefeito de Rio Largo.

Vítima das perseguições do governador Arnon de Melo ao prefeito Arnaldo Paiva — também um dos proprietários da fábrica de tecidos —, José Fernandes Torres, em abril de 1954, foi preso e acusado de latrocínio, ficando três dias detido na penitenciária de Maceió. Depois foi liberado sem maiores explicações.

No Natal de 1955, já sabendo que Afrânio Lages, o candidato de Arnon de Melo, havia sido derrotado por Muniz Falcão, Fernandes Torres resolveu voltar a morar em Água Branca, mesmo sendo aconselhado por Arnaldo Paiva a esperar a posse do novo governador e a nomeação de um delegado de polícia que garantisse a sua vida.

No mesmo dia que chegou à sua fazenda, quando ainda fazia a mudança da família, o local foi cercado por pistoleiros que disparavam contra os moradores. Houve revide e os agressores deixaram a fazenda. Acreditando que já não corria mais riscos, José Fernandes Torres foi até a varanda da casa, quando foi alvejado mortalmente por um atirador que permaneceu escondido entre os arbustos.

José Fernandes Torres

José Fernandes Torres foi assassinado em Água Branca, Alagoas

O jornal Diário de Pernambuco de 28 de dezembro de 1955, ao noticiar o crime, insinuou o nome dos culpados: “Fala-se que são participantes do crime, Linduarte Vilar, sogro da vítima, e o delegado Batistinha, acompanhados de vários capangas. As famílias Torres e Vilar há muito tempo são inimigas”.

No início de 1956, Gilberto Vilar, filho de Linduarte, assumiu a prefeitura de Água Branca em substituição ao correligionário da UDN, o ex-prefeito e vereador Hercílio Gomes Correia, que foi assassinado alguns dias depois, em abril. No mês seguinte, em 11 de maio de 1956, Gilberto Vilar também foi assassinado.

Ainda em maio, Linduarte Vilar, vereador e presidente da Câmara de Água Branca, e o seu filho, deputado Renato Vilar, deixaram Água Branca fugindo das ameaças de morte. Dos nove vereadores, sete eram da UDN. Estes também abandonaram a Câmara.

Arapiraca resiste

Os embates mais violentos em Arapiraca tiveram início após a tentativa de assassinato, em 27 de maio de 1956, do ex-delegado de Arapiraca e major reformado Vicente Ramos. Estava em Traipu quando foi atacado a tiros por capangas. Atingido na clavícula e no pulmão, chegou a Maceió em estado grave, mas sobreviveu. Ele tinha liderado o cerco a casa do pai do deputado Claudenor de Lima em 28 de abril de 1954.

Major Vicente Ramos foi vítima de atentado. Foto de O Cruzeiro

No dia seguinte o prefeito João Lúcio da Silva e os vereadores Benício Alves Oliveira, José Pereira Lúcio e José Lúcio de Melo, correligionários da vítima abandonaram Arapiraca e foram para Maceió, onde mantiveram contato com o senador Rui Palmeira (UDN), pedindo proteção.

Muniz Falcão foi informado do que estava acontecendo e recebeu pedidos de garantias de vida para os ameaçados até do presidente Juscelino Kubitschek, além dos líderes udenistas Nereu Ramos e Teixeira Lott. Imediatamente enviou Aluízio Nonô para se entender com Rui Palmeira e saber que garantias desejava a UDN. Em seguida, o governador e o deputado Segismundo Andrade se encontraram com o senador, que ficou de comunicar em pouco tempo o que esperava receber do governo.

No dia seguinte, 29 de maio de 1956, na casa do deputado Humberto Mendes, sogro do governador, houve um encontro do anfitrião com o vereador Benício Alves Oliveira, que também teve a participação, no final, de Muniz Falcão. Dessa conversa saiu a nomeação de um novo delegado para Arapiraca, o capitão Cícero Argolo.

Por três meses Arapiraca viveu em paz. Em junho Argolo foi afastado e em seu lugar assumiu Francisco Pereira Lima, presidente do PSP local e candidato derrotado à Prefeitura de Arapiraca.

Capitão Cícero Argolo. Foto de O Cruzeiro

Assassinato do vereador Benício Alves Oliveira

A mudança de delegado não agradou aos udenistas. No dia seguinte o deputado Marques da Silva discursou na Assembleia Legislativa avaliando que a paz naquele município do agreste estava perturbada e que estava desconfiado com os motivos daquela alteração no cargo.

No dia 20 de outubro, o vereador Benício Alves Oliveira, filho de tradicional família de Craíbas dos Nunes, estava na varanda da casa de uma amiga quando foi atingido mortalmente pelo disparo de um rifle. O atirador estava numa tocaia e não foi identificado. Foi enterrado em Maceió.

Corpo do vereador Benício Alves. Foto de O Cruzeiro

Os amigos foram à capital para as despedidas e na volta, os que estavam sendo ameaçados foram avisados que o 1º delegado da capital, João Barista Acioli, estava em Arapiraca com 80 homens armados, prendendo muita gente e que se eles fossem para lá poderiam morrer. Mesmo alertados, conseguiram chegar em suas casas, onde se esconderam.

As prisões atingiam principalmente os membros da oposição. Para se ter uma ideia da quantidade de detidos, mais de 100 habeas corpus foram impetrados. Quando o delegado tentava prender alguém que apresentava habeas corpus preventivo, submetia-o a humilhações, mandando cantar samba, marchar e depois aplicava-lhe uma surra., para só então liberá-lo.

Com esse ambiente de violência, os vereadores e o prefeito fugiram da cidade. José Pereira Lúcio, para escapar num jeep, teve que utilizar estradas nas terras de Claudenor Lima, seu adversário.

Um mês depois a tranquilidade voltou com a nomeação de novo delegado, o major Athaíde de Oliveira, que era até então oficial de gabinete do governador Muniz Falcão. A ordem foi reestabelecida.

Quem mandou matar o vereador?

Claudenor de Albuquerque Lima, que havia herdado do seu pai, Luiz Pereira Lima (sua mãe era d. Afra de Albuquerque Lima), o poder político na região, não via com bons olhos o crescimento da UDN nas eleições em Arapiraca. Gostou menos ainda quando eles conseguiram eleger o prefeito, a maioria da Câmara (5 x 4) e o deputado Marques da Silva.

Como o primeiro suplente da UDN no poder legislativo municipal era Lourenço Almeida, do PTB, a morte de qualquer vereador devolveria a maioria aos Lima e o controle sobre o prefeito.

Entretanto, outra família também tinha contas a acertar com o vereador Benício Alves. Um seu irmão de nome Esperidião, havia assassinado um dos irmãos da família Barbosa, comerciante em Arapiraca. Sica Barbosa fazia contrabando em Palmeira dos Índios e foi admoestado por Esperidião, que era agente fiscal. Houve desentendimento entre eles e Esperidião matou o comerciante.

Foram presos como acusados de coparticipação no crime os irmãos Barbosa: Waldomiro, Florisval e o médico Djacir. Os dois primeiros eram comerciantes. Um amigo deles, Lourenço de Almeida, também foi preso pelo mesmo motivo.

Suspeito de ser o mandante, Claudenor de Albuquerque Lima fugiu para Águas Belas, em Pernambuco, levando a família. Justificou que saía abruptamente da cidade para evitar contato com o capitão Cícero Argolo, que era seu inimigo pessoal.

O deputado Claudenor também não escondia seu desacordo com o deputado Marques da Silva. Durante uma sessão da Assembleia Legislativa, Marques da Silva lia uma carta do pároco de sua cidade quando Claudenor o interrompeu e tentou sacar o revólver para atirar no médico, mas foi impedido por terceiros.

Feira Arapiraca na década de 1950

O assassinato do deputado Marques da Silva

Em 18 de janeiro de 1957 ocorreu nova troca na delegacia de Arapiraca, tomando posse o subtenente Benedito de Albuquerque Vasconcelos no lugar do major Athayde de Oliveira, que antes de passar o cargo, avisou ao juiz de direito que fugisse da cidade para não ser assassinado. Pedro Acioly abandonou o posto e foi para Maceió.

Dias depois o deputado Marques da Silva foi assassinado.

Da mesma forma que o vereador Benício, José Marques da Silva representava uma ameaça ao poder político dos Limas e dos Barbosas em Arapiraca. A votação expressiva alcançada pelo médico preocupava seus adversários e o colocava como um possível alvo.

O jovem deputado temia por seu futuro e avaliava que os crimes sem punição alguma levaria à continuação das mortes. Por algum tempo tomou medidas de proteção, contratando como seu segurança ninguém menos que Floro Gomes Novaes, que se transformaria num dos mais afamados pistoleiros de Alagoas.

Marques da Silva chegou a enviar, em 4 de dezembro de 1956, correspondência ao presidente da UDN, Milton Campos, externando suas preocupações com as ameaças sofridas.

“Prefiro morrer com honra a viver sem ela. Não deixarei meu Estado, nem abandonarei minha família e o povo que me elegeu para que, amanhã, meus filhos tenham vergonha de ouvir falar em seu nome”, escreveu.

“Estou convencido de que meus sofrimentos só terminarão quando meus adversários consumarem seus intentos criminosos. Se o ponto final dessa verdadeira tragédia for, como tudo indica, minha eliminação pessoal, desejo apenas que minha família sofra com resignação e cuide de meus três filhinhos, a fim de que, mais tarde, eles possam fazer por Alagoas e pelo Brasil, o que não me foi possível realizar”, concluiu.

O que temia aconteceu.

Deputado e médico Marques da Silva. Foto de O Cruzeiro

No início da noite de 7 de fevereiro de 1957, Marques da Silva estava em casa conversando com os amigos João Lúcio da Silva, Adalberto Rocha, Antônio Lopes e seu filho Neovaldo Lopes, quando foi informado que d. Anita Tomé pedia os seus cuidados para d. Nair Fernandes, que estava passando mal. Foi orientado pelos presentes a não ir, pois podia ser uma armadilha.

Tempo depois, quando somente restavam na sala Antônio Lopes e Neovaldo, chegaram novos pedidos de ajuda para d. Nair. Marques disse aos amigos que temia pelo que podia acontecer, mas tinha que atender à paciente. Antônio propôs que passasse uma receita. Ele concordou e começou a escrever a indicação de remédios.

Nesse momento, chegaram à sua casa d. Anita Tomé e sua filha, dizendo ao médico que d. Nair estava se ultimando, perdendo muito sangue por causa de um aborto. Lembrando do seu juramento na Escola de Medicina da Bahia, o médico resolveu que ia mesmo correndo riscos.

Maria Vieira, sua esposa, que era farmacêutica, se prontificou a acompanhá-lo, mas foi orientada a ficar com os filhos e levá-los para o sótão.

Antônio Lopes e Neovaldo seguiram com ele. Na Rua Aníbal Lima encontraram Nivaldo Lima e Antônio e foram orientados por eles onde era a casa da paciente. Continuaram por esta rua até a Praça Manoel André, onde notaram que conversavam Francisco Pereira Lima, candidato derrotado à Prefeitura e delegado de Polícia na época do assassinato do vereador Benício, e José Sansão, um morador da cidade.

Quando chegaram à casa de d. Nair, perceberam que encostados ao armazém vizinho estavam Waldomiro Barbosa, um dos acusados de coparticipação no crime do vereador Benício, seu irmão Florisvaldo e seu guarda-costas.

O médico entrou na casa e Antônio e o filho ficaram na porta. Dentro no quarto da doente estavam a esposa de José Pereira Rocha, vereador e primo de Luiz Pereira Lima (pai do deputado Claudenor Lima), a mulher de Durval Chicote, d. Anita Tomé e um primo de d. Nair, que tinha prática em enfermagem, mas era conhecido como pistoleiro.

Dr. Marques ainda estava na casa quando esse pistoleiro saiu e foi até onde estavam os irmãos Barbosa. Depois de breve conversa, Waldomiro foi até a porta da casa e perguntou em voz alta quem estava na casa. “É o dr. Marques”, gritaram do quarto.

Waldomiro voltou até onde estava o irmão e este saiu em direção à Empresa Força e Luz. Em seguida, Waldomiro fez o mesmo trajeto, tudo isso observado por Antônio e Neovaldo.

O atendimento durou meia-hora e na despedida d. Nair agradeceu ao médico e lhe disse: “Eu tenho medo de que lhe aconteça qualquer coisa, dr. Marques. Eu seria culpada por ter lhe chamado”. Foi acalmada pelo médico, que lhe disse que nada lhe aconteceria.

Dona Nair Fernandes foi socorrida pelo dr. Marques da Silva. Foto de O Cruzeiro

Na porta, ainda conversou com o primo de d. Nair, lhe informando do estado grave dela e dizendo que enviaria algumas injeções.

Antônio, Neovaldo e o dr. Marques chegaram à esquina da Rua Aníbal Lima e ali Neovaldo recomendou que seguissem pela Praça Bom Conselho. Marques rejeitou a recomendação dizendo que o outro percurso era menor.

Quando se aproximaram da Praça Gabino Besouro, às 21h40, observaram um grupo conversando na esquina da Rua Estudante José de Oliveira Leite. Eram os professores Pedro Reis, Manoel Bernardino e alguns estudantes do Instituto São Luís.

Continuaram pela calçada da praça, com Marques da Silva entre os dois, e quando passavam pelo arco formado pelos pés de fícus, Neovaldo viu, de relance, um homem descalço correndo, segurando uma arma com as duas mãos e se aproximando pelas costas do dr. Marques. A dois palmos de distância atirou em direção ao coração da vítima.

Arco de pés de ficus na então Praça Gabino Besouro, onde Marques da Silva foi assassinado. Essa praça tem atualmente o seu nome. Foto de O Cruzeiro

O deputado tentou andar mais rápido, curvou-se e tombou sobre o meio-fio. Sua esposa, que estava na porta de casa a 50 metros gritou: “Marques que é isso? Marques!” e correu até ele.

O criminoso saiu correndo, deu mais um tiro e ao passar pelo grupo de professores e estudantes, foi cercado pelo professor Manoel Bernardino. Esquivou-se e sem olhar para trás atirou na direção do grupo, sem acertar ninguém.

Levado até a sua casa e deitado na sala, Marques das Silva abriu os olhos pela última vez, procurou sua mulher, fez um olhar triste e morreu.

Maria Vieira Marques da Silva e o marido morto. Foto de O Cruzeiro

As primeiras diligências policiais para prender o assassino não tiveram êxito, mesmo após o governador ter substituido o secretário do Interior (Segurança), José Pires, pelo major Kleber Rodrigues de Andrade, que imediatamente nomeou o capitão Cícero Argolo delegado de Arapiraca, demitindo o major Athayde de Oliveira.

A imprensa, por sua vez, passou a destacar a mobilização para afastar o governador Muniz Falcão. O nome do deputado Marques da Silva surgia nos jornais citado como vítima da inércia do governador. A cobrança da punição dos criminosos ficou para as entidades de classe e estudantis. Para a maioria dos deputados e a imprensa alinhada com a UDN, interessava mais culpar Muniz Falcão e tirá-lo do governo.

Em 11 de março, o juiz da Comarca, Pedro da Rocha Acioly, antes de licenciar-se, divulgou a relação dos possíveis implicados e arrolados no processo. Dos 32 nomes, 16 já estavam presos. No final daquele mês, o delegado Cícero Argolo informou que já havia concluído o inquérito policial.

Em meados de abril o promotor público da Comarca de Quebrangulo apresentou denúncia contra o deputado Claudenor de Albuquerque Lima e mais as seguintes pessoas: Nair Fernandes, Sebastião e Luiz Cacheado (Luiz de Jesus), Lauro Ferro, Luiz Pereira Lima, Afra de Albuquerque Lima, Cláudio de Albuquerque Lima, Claudisbel de Albuquerque Lima, Benedito de Albuquerque Vasconcelos, José Feliciano, Jesus Rodrigues de Lima, Antônio, Paulo e Plínio de Tal, Henrique Pereira, Severino de Tal, Manoel Pedro dos Santos, Américo Batista, João Eloi de Queiroz, Edson Galvão, André Marchante, Djacy Correia Barbosa, Valdomiro Correia Barbosa, Lourenço de Almeida, Vieira Malta, Moacir Pedro da Silva e Valdemar Evangelista da Silva.

Com exceção de Claudenor de Albuquerque Lima e José Pascoal, todos os denunciados tiveram a prisão solicitada pelo promotor Luiz dos Santos Leal. Como o primeiro era deputado, foi enviada solicitação à Assembleia Legislativa de Alagoas pedindo autorização para que ele fosse processado criminalmente.

O documento assinado pelo promotor diz que, “conforme se vê, duas famílias poderosas tinham interesse em eliminar o deputado Marques da Silva. São elas: Pereira Lima e Barbosa. Coligadas, organizaram um verdadeiro Sindicato do Crime dentro do município”. (Correio da Manhã, RJ, de 21 de abril de 1957).

Em 25 de junho de 1957, o Diário Carioca publicou que a maioria dos mais de 30 implicados estava foragida e que Luís Pereira Lima, pai de Claudenor de Lima, havia falecido em Recife, para onde fugira da Justiça com sua mulher Afra, também indiciada. O único participante direto do crime que se encontrava preso era Valdomiro Barbosa. Naquela data, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa já havia aprovado parecer autorizando o Tribunal de Justiça processar o deputado Claudenor de Lima e esperava que depois de 1º de julho ocorresse a votação no plenário. A oposição, que tinha 22 votos, sabia que não alcançaria os 2/3 dos votos necessários para a aprovação. Na época, a Assembleia tinha 35 deputados.

Os 22 deputados oposicionistas foram se reunir no Grande Hotel em Recife para tratar do impeachment de Muniz Falcão, acusado de ser o responsável pelo assassinato do colega deputado Marques da Silva. Foto de O Cruzeiro

Jesus Rodrigues de Lima, primo do deputado Claudenor de Lima, foi o primeiro condenado, com 16 anos de prisão. (Diário de Pernambuco de 1º de julho de 1958). Seu advogado, Moacir Teófilo, recorreu ao Tribunal de Justiça e o julgamento foi anulado.

Pelo Diário de Pernambuco de 14 de agosto de 1958, sabe-se que o Supremo Tribunal Federal negou, no dia 13 de agosto, habeas corpus interposto em favor de Jesus Rodrigues de Lima, José Feliciano, Plínio de Tal, José Pascoal, Benedito Vasconcelos, Paulo de Tal, José Marcelino da Silva, Moacir Pedro da Silva, Claudino Albuquerque Lima, Waldemar Evangelista Silva e Afrânio Albuquerque Lima, todos punidos como coautores do assassinato do deputado Marques da Silva.

O habeas corpus questionava as condenações proferidas na primeira instância pelo tribunal do júri. Os punidos se diziam vítimas da paixão política reinante em Alagoas, que teria inspirado os seus adversários a adulterarem a carta-libelo do médico assassinado para incriminá-los, e que, portanto, tal adulteração tornava o processo nulo.

No dia 13 de junho de 1959, segundo o Diário de Pernambuco do dia seguinte, o Tribunal do Júri de Arapiraca (o Diário da Noite informa que foi o de Maceió) absolveu os pistoleiros Jesus Rodrigues de Lima, Argemiro Antônio dos Santos e Feliciano Alves da Silva, implicados no assassinato de Marques da Silva.

Os detalhes da armação criminosa foram revelados pelo guarda civil Luiz Neneu, que foi preso acusado de ter participado da trama. Em seu depoimento, confessou que foi procurado por Jesus Rodrigues de Lima, guarda-costas do deputado Claudenor Lima, e consultado se aceitava executar o crime. Disse que recusou a proposta e que Jesus lhe pediu sigilo sobre o conteúdo da conversa.

A polícia consegui informações que depois dessa conversa, Jesus procurou os irmãos Luiz e Sebastião Cacheado, afamados pistoleiros do interior pernambucano, que aceitaram a proposta de 100 mil cruzeiros para cometerem o crime. Os irmãos foram apresentados a Jesus por um cidadão de nome “Lau Ferro”, de Bom Conselho, Pernambuco

Os dois tiros foram deflagrados por Sebastião Cacheado, contando com o apoio de dois soldados da polícia e de Jesus Rodrigues de Lima, que providenciaram a sua fuga.

Com todos os envolvidos liberados, o assassinato do deputado Marques da Silva foi se juntar a vários outros na prateleira dos crimes insolúveis de Alagoas.

O impeachment de Muniz

A morte de José Marques da Silva serviu imediatamente para alimentar as ações de fustigamento da UDN contra Muniz Falcão. Dois dias depois do crime, o governador foi denunciado formalmente na Assembleia como o culpado pelo crime, ao não ter impedido o assassinato do deputado.

Em março de 1957, a maioria dos deputados dizia que aprovaria a licença para que Claudenor fosse processado e que posteriormente cassariam o seu mandato.

Como a oposição na Assembleia já havia conseguido adesões suficientes para se transformar em maioria, resolveu apresentar denúncia contra o governador, enquadrando-o no crime de omissão, previsto então no Art. 1.079 da Constituição Federal.

Muniz se defendeu contratando o jurista e deputado federal Teotonio Monteiro de Barros, mas a decisão já estava tomada e a Assembleia encaminhou o processo de impeachment do governador.

No dia da votação, uma sexta-feira, 13 de setembro de 1957, em vez de discursos e votos, o plenário da Assembleia Legislativa foi palco do histórico tiroteio que vitimou o deputado Humberto Mendes e feriu os deputados Carlos Gomes de Barros, Júlio França e José Afonso, além do servidor Jorge Pinto Dâmaso e o jornalista Márcio Moreira Alves.

Deputados armados chegando à Assembleia no dia do tiroteio. Acervo APA

Durante a troca de tiros, o deputado Claudenor de Lima foi visto disparando uma rajada de metralhadora contra o retrato do falecido deputado Marques da Silva, que tinha sido ali colocado em sua homenagem.

Quando a notícia do tiroteio chegou a Arapiraca, imediatamente os vereadores da oposição, o prefeito João Lúcio e o juiz Pedro Acyoli correram a se proteger no quartel do pelotão do Exército que para aquela cidade havia sido deslocado após o assassinato do deputado Marques da Silva.

À noite, o presidente Juscelino Kubitschek decretou a intervenção parcial no Estado de Alagoas, nomeando o general Armando de Moraes Âncora. Ele dividiria o poder com o governador, cuidando da Polícia.

Muniz Falcão não aceitou, passou o cargo ao vice, Sezinando Nabuco, e viajou para o Rio de Janeiro, mas retornou ao poder em 24 de janeiro do ano seguinte, cumprindo o resto de seu mandato.

5 Comments on Assassinato do deputado Marques da Silva incendeia Alagoas em 1957

  1. Fico grato por essa oportunidade de conhecer a história política da minha terra cujo acontecimento costumava desde a minha adolescência

  2. João Neto Oliveira Melo // 23 de janeiro de 2023 em 05:33 //

    Alguns desses personagens dão mome às Ruas de Arapiraca e, sem esse registro, jamais saberíamos de quem se trata.
    João Neto Oliveira

  3. Carlos André // 3 de fevereiro de 2023 em 12:29 //

    Parabéns pelo texto aprimorado e rico em detalhes. Mesmo sendo de uma tragicidade sem igual, é uma verdadeira aula de história.

  4. Parabéns e sucesso.
    Amei o texto.

  5. Nunca tinha visto em nenhum jornal ou revista notícias tão interessantes sobre o passado de nossa política Arapiraquense e Alagoana, parabéns!

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