As matas reais de Alagoas

Rio Sauassuí em São Luís do Quitunde, Alagoas, em meados do século XX

As árvores brasileiras despertaram o interesse dos diversos exploradores e viajantes europeus desde que Pero Vaz de Caminha, em 1500, informou à corte portuguesa que nas terras descobertas existia uma “mataria que é tanta, e tão grande, tão densa e de tão variada folhagem, que ninguém pode imaginar”.

As primeiras a serem exploradas foram as que forneciam um corante vermelho, o Pau-Brasil. Arabutan era uma velha conhecida dos índios, que retiravam dela também a madeira para os arcos e flechas.

Engenho São Vicente em Maragogi, Alagoas

A retirada e o transporte do Pau-Brasil para a Europa começou em 1503 e 30 anos depois era ainda o único objeto da exploração portuguesa. Calcula-se que nesse período os navios embarcavam 300 toneladas de pau-brasil por ano.

Levavam a madeira para Portugal e depois para Antuérpia, na Bélgica, que distribuía a matéria prima para Inglaterra, Alemanha e Itália, mais precisamente para Florença.

A riqueza obtida com essa exportação era tão significativa, que quando as Capitanias foram instaladas, seus proprietários estavam impedidos de extrair as madeiras que podiam ser levadas para o mercado europeu. Essa extração era de exclusividade dos representantes da coroa.

Como Portugal não tinha como impedir, a Mata Atlântica brasileira também começou a ser saqueada por exploradores franceses, ingleses e espanhóis, que seduziam os índios com presentes e assim levavam muitas madeiras preciosas, principalmente as utilizadas nas tinturarias.

Foi essa exploração desenfreada que obrigou Portugal a desistir de somente explorar as riquezas descobertas e a começar a colonizar as Capitanias como forma de impedir o contrabando promovido por outros países.

Como esta madeira também tinha fins militares, sendo utilizada na construção de embarcações de guerra, os cuidados sobre ela por parte da coroa aumentaram e em 1542 se publicou a 1ª Carta-Régia estabelecendo normas para o corte de árvores, com o intuito de diminuir o desperdício. Havia punição para os infratores.

Sem fiscalização, esse regulamento não foi cumprido. Somente em 1605 surgiu outra norma. Desta feita fixava a exploração em 600 toneladas por ano. O objetivo era controlar a oferta para manter os preços altos.

Fernão Velho no início do século XX em foto de Luiz Lavenère

Outras proibições foram estabelecidas durante os três primeiros séculos, sem que alcançassem algum resultado. Um deles, já durante o Império, foi a Carta de Lei de outubro de 1827, designando os juízes de paz das províncias como fiscais das matas, com poderes de interditar o corte das madeiras de construção em geral.

Assim surgiu a expressão “madeira de lei”. Mas a lei continuava sem ser cumprida, a exemplo da n° 601, de 1850, baixada por D. Pedro II com o intuito de proibir a exploração florestal em terras descobertas.

Os municípios ficaram encarregado de fiscalizar esta proibição. Não o fizeram. Na visão dos dirigentes municipais, o desmatamento era necessário ao progresso da agricultura.

Com a ampliação da exploração agropecuária, principalmente com o café ocupando o topo dos produtos exportados, o controle sobre a exploração da madeira brasileira foi sendo cada vez menor.

Mesmo assim, em 1872, com a autorização da Princesa Izabel, entrou em funcionamento a primeira companhia privada especializada em corte de madeira. Era mais uma tentativa de conter o desmatamento.

Mais uma vez nada se conseguiu. A partir de 1875, ao contrário de suas intenções iniciais, o Império teve que liberar o corte de madeira nas matas particulares, sem que se exigisse qualquer licença prévia.

O Brasil permaneceu sem código florestal até 1934, quando o Decreto n° 23.793 foi transformado em Lei, estabelecendo mecanismos de proteção as florestas e definindo os usos para as matas particulares.

Antes, em 1921, chegou a ser criado um serviço florestal, regularizado em 1925. Sem respaldo na constituição de 1891, que não mencionava nada a respeito de matas e árvores, a medida não pôde ser aplicada.

As matas reais de Alagoas

Em seu livro Fruitless Trees, que estuda a indústria madeireira colonial nas Américas, o norte-americano Shawn William Miller vincula as políticas florestais portuguesas durante a colonização ao desenvolvimento do setor madeireiro.

Para Miller, as tentativas, mesmo que  infrutíferas, de controle sobre as madeiras de lei tinham o objetivo de proteger e salvaguardar as melhores árvores brasileiras para a construção e manutenção da Real Armada.

Igreja da Matriz Nossa Senhora da Mãe dos Homens em Coqueiro Seco, Alagoas, vista dos fundos

Félix Lima Júnior, em seu estudo Alagoas e a Marinha de Guerra (Revista do IHGAL volume XXX, de 1973) também constata esta política: “Alagoas, em cujas matas havia, em quantidade, madeiras das melhores para a construção naval. Teve um Juiz Conservador das Matas (somente houve aqui e em Ilhéus [o Rio de Janeiro também teve o seu: Diogo de Toledo Lara Ordonhes])…”.

Os Juízes Conservadores das Matas foram criados em 17 de março de 1796 e nomeados oficialmente em 1799. Eram escolhidos entre bacharéis com sensibilidade naturalista.

O primeiro a ser nomeado foi o bacharel Balthazar da Silva Lisboa, natural da Bahia, e que na época exercia o cargo de ouvidor no Rio de Janeiro. Foi designado para a comarca de Ilhéus, onde era notória a rápida destruição das matas para a plantação de mandioca.

A Capitania de Pernambuco recebeu três Juízes Conservadores: José de Mendonça de Matos Moreira, Antônio Felipe Soares de Andrade Brederode e Francisco Machado de Faria e Maia.

José de Mendonça de Matos Moreira era Ouvidor em Alagoas e passou a acumular as duas funções. Foi oficialmente nomeado Juiz Conservador das Matas de Alagoas pela carta régia de 11 de julho de 1799.

As matas assistidas por estes juízes entre Alagoas e Pernambuco passaram a ser conhecidas como “Matas Reais”.

Félix Lima Júnior destacou ainda que Alagoas “forneceu à Marinha, não somente três navios“, mas “grande quantidade [de madeira] para o fabrico de embarcações de guerra em outros estaleiros e arsenais espalhados pelo país”.

Quando D. Pedro II, em sua viagem ao Norte (1859/60) esteve no Arsenal da Marinha em Salvador, registrou que se encontravam “no estaleiro de pedra dois iates, desde a presidência de Cansanção, chamados Cairú e Rio das Contas, que não têm acabado por falta da madeira pedida das Alagoas”.

Outro registro da exportação da madeira de Alagoas para outras províncias está no jornal Timbre Alagoano, de 23 de dezembro de 1852. Uma nota informa que o presidente da Província oficiou ao Capitão do Porto para preparar “o pronto embarque das madeiras para o Arsenal de Marinha da Corte no transporte Oriente, que tem de vir a esta Província, a fim de levar um carregamento da mencionada madeira”.

No segundo volume do livro Viagem pelo Brasil, de J. B. von Spix e C. F. P. von Martius, um relato de 1817, também se encontra a comprovação da importância da madeira originária das Alagoas: “A madeira para a construção de navios (no Arsenal e nas Docas reais na cidade do Salvador) vem quase toda da comarca das Alagoas”.

Panorama de Viçosa, Alagoas, em meados do século XX

A retirada de madeira deste território era tão expressiva que em 1830, D. Pedro I resolveu parar com a extração nas áreas superexploradas. Com o referendo do Marquês de Paranaguá, determinou:

“Ficam proibidos os cortes de madeiras de construção naval nas matas pertencentes às freguesias de Nossa Senhora das Brotas e de Santa Luzia do Norte pela grande destruição em que se acham as ditas matas e as dificuldades em que se encontram no fabrico e condução das referidas madeiras”.

Entretanto, ainda no mesmo decreto, tomou o cuidado de não parar o fornecimento da matéria prima tão estratégica para a manutenção do poder imperial. Autorizou a extração “nas matas que existem ao sul do rio Sumaúma [no atual município de Marechal Deodoro, em Alagoas], onde há com muita abundância madeira para construção de qualquer vaso de guerra“.

Assim, a madeira exportada por Alagoas continuava a abastecer os principais estaleiros do império. É provável que a antiga reserva de Santa Luzia do Norte tenha continuado a ser desmatada. Sem fiscalização e faltando autoridade com o interesse de cumprir as determinações reais, a retirada continuou.

Em 12 de outubro de 1834, o brigue Alcides partiu da Corte para Maceió, onde se abasteceu de madeira para o Arsenal de Marinha. Repetiu a viagem com a mesma carga em 28 de abril de 1836. Note-se que o porto era o de Maceió e não o do Francês, por onde seria mais fácil embarcar a madeira oriunda das terras do Sumaúma.

Nem todas as embarcações que transportavam a madeira de Alagoas vinham de outras províncias. Do porto de Jaraguá também partiam barcos levando a matéria prima para a construção de vasos de guerra no sul do país.

A tentativa de estabelecer o controle sobre as matas em áreas privadas provocou a reação de muitos proprietários de terras, que passaram a queimar as florestas que possuíam para evitar a interferência do governo em suas atividades.

Estaleiro da Marinha em Alagoas

Vista geral de Capela em Alagoas

A iniciativa de se estabelecer um estaleiro da Marinha em Alagoas foi defendida por Manoel da Porciúncula Lins Wanderley na sessão do dia 14 de janeiro de 1831 do Conselho Geral (Câmara dos Deputados). Ele sugeriu a instalação de uma Intendência de Marinha na cidade de Alagoas, atual Marechal Deodoro, para construir embarcações.

Argumentava que dessa forma haveria comodidade e economia para o Tesouro Imperial. A proposta foi aprovada e enviada ao governo central em 4 de fevereiro daquele ano.

Com a abdicação de D. Pedro I dois meses depois, a iniciativa foi sepultada.

Entretanto, há registro de 1837 indicando a existência de um mestre Construtor, em Jaraguá, à serviço do governo imperial. Essa informação surge no ofício enviado ao Ministro da Marinha, em 11 de setembro, pelo Inspetor da Tesouraria da Província, Alexandre de Melo Pinto.

Informava o inspetor que havia escolhido jequitibás para os mastros reais da Nau Pedro II, que havia sido lançada ao mar em 23 de março de 1830 na Bahia, mas estava ancorada no Rio de Janeiro para substituir os mastros arruinados.

Em um relatório governamental de 1850, José Bento da Cunha e Figueiredo, presidente da Província de Alagoas, também faz referência a um mestre Construtor, revelando que já tinha pedido a sua substituição ao Governo Imperial, alegando que era um “homem bom, mas já decrépito, que merece descansar aposentado”.

Esses Construtores eram na verdade funcionários pagos pela Fazenda Real para acompanhar os cortes das madeiras e para descobrir as árvores próprias para a Marinha, zelando por elas até as suas derrubadas.

Neste mesmo relatório, Bento Figueiredo chama a atenção para o “dolo mau dos empreiteiros de madeiras avulsas de construção naval”, afirmando que “a Nação é lesada pelo menos na terça parte do valor de tais contratos”.

Orientava Bento Figueiredo que seria mais proveitoso “que as madeiras de construção naval sejam galivadas [esculpidas para o formato do uso] antes de embarcarem para o Arsenal da Corte; com o que não só se fornecerá trabalho aos artistas da Província, como se poupará muito nas despesas do transporte…”.

O presidente da Província alertava ainda que se as embarcações fossem construídas em Alagoas, “sairiam mais baratas do que construídas na Corte, para onde são remetidas as madeiras com tanto dispêndio para o Estado”.

Vista do Rio Camaragibe em Passo de Camaragibe, Alagoas, nos anos 50

A quantidade de madeira estocada em Jaraguá para embarque ou construção era tanta em 1851, que forçou o Capitão do Porto, Wenceslau da Silva Lisboa, a publicar um aviso no Constitucional de 1º de abril orientando que “as pessoas que tem madeiras nas praias de Jaraguá, que devem mandar no prazo improrrogável de oito dias reunir a sua madeira em lugares separados das outras, e que lhe serão marcados pelo mestre Construtor…”.

Mas nem só para a construção naval servia a madeira de Alagoas. Um ofício do governo da Província à sua Tesouraria da Fazenda, de 18 de julho de 1851, encaminhava cópia de um Aviso do Ministério da Marinha “ordenando que não ponha embaraço à remessa de 104 pranchões de vinhático que faltam a receber da madeira encomendada pela Mordomia da Casa Imperial a Lourenço Cavalcanti d”Albuquerque Maranhão para as obras dos Palácios da Boa Vista e Petrópolis”.

Com o surgimento dos barcos a vapor na primeira metade do século XVIII e com a consequente evolução dos maquinários propulsores para equipamentos muito pesados, os cascos destas embarcações passaram a ser de metal, o que fez diminuir progressivamente o uso da madeira na construção naval.

Nos quatro séculos em que a construção naval utilizou a madeira, a Mata Atlântica brasileira perdeu angelins, quiris, gitais, canela preta, maçaranduba (resiste mais de cem anos sob a água), peroba branca, coração de negro, pau d’arco, peroba vermelha, sapucaia, itajuba e sucupira.

A sucupira era tão importante para a construção de navios de combate, que foi citada no livro A Batalha de Riachuelo do almirante Visconde de Inhauma.

As outras madeiras, menos nobres para os nobres, também foram dizimadas por machados e queimadas para dar lugar, em Alagoas, a roçados, plantações de canas e áreas de pastoreio.

Calcula-se que aproximadamente 93% da Mata Atlântica original do Brasil não mais existem.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*