Abrahão Moura e a resistência à Ditadura Militar

Luiz de Gonzaga Mendes de Barros, Ademar de Barros, Robson Mendes, Muniz Falcão, Abrahão Fidélis de Moura durante a campanha de 1960. Ademar era candidato a presidente e Abrahão a governador

Abrahão Fidelis de Moura nasceu na Fazenda Poramgaba, município de Atalaia, Alagoas, em 9 de outubro de 1916. Era filho de Lúcio Fidelis Moura e Josefa de Cerqueira Moura. Seu pai foi naquela cidade um próspero negociante, proprietário de um engenho de açúcar e de uma empresa exportadora e descaroçadora de algodão, além de criador de gado. Abrahão foi casado com Maria Alaíde Cunha, com quem teve três filhos.

Vista parcial de Atalaia em 1958

Seguindo o pai nos negócios, Abrahão logo também se estabeleceu como comerciante, fornecedor de cana de açúcar e criador de gado. Suas atividades comerciais se estendiam até o Rio de Janeiro.

Iniciou sua participação em mandatos eletivos quando tinha 31 anos de idade. Foi eleito vereador em sua terra natal para a legislatura 1947-51. Era então filiado ao PSD.

Muniz Falcão

Foi no exercício do mandato de vereador que conheceu Muniz Falcão. Como ambos eram filiados ao PST, participaram juntos das eleições de outubro de 1950. Abrahão foi eleito deputado estadual e Muniz conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Muniz Falcão foi parceiro político de Abrahão Moura. Na foto conversa no Rio de Janeiro com o artista que faria o seu busto

Em outubro de 1954, voltou a ser eleito em companhia de Muniz, que permaneceu representando o Estado na Capital Federal.

No ano seguinte, como em nove estados do país havia eleições para governadores com mandatos de cinco anos, Alagoas voltou às urnas novamente em outubro e elegeu Muniz Falcão (PSP) governador de Alagoas. Abrahão, já no PTB, foi um dos mais ativos cabos eleitorais do amigo.

Atuou também, com rara lealdade, quando o governador foi ameaçado de impeachment em 1957, participando em sua defesa do famoso tiroteio na Assembleia de 13 de setembro daquele ano.

Sua proximidade com o governo também lhe deu a notoriedade e força política para em outubro de 1958, filiado ao PSP, ser eleito deputado federal para a legislatura 1959-62.

O advogado José Moura Rocha, que foi assessor de Abrahão Moura a partir de 1961, testemunhou em seu livro Os ricos não tugem e os pobres não mugem que o “seu prestígio eleitoral era inconteste. A Assembleia Legislativa era composta de trinta e cinco deputados e nela havia uma informal “bancada do Abrahão”, composta de fiéis vinte e dois votos. Poucos entendiam o exercício daquela curiosa liderança”.

Moura Rocha revelou ainda que Abrahão tinha uma “modesta formação escolar e má fama de homem violento, que lhe atribuíam os adversários”.

Em outubro de 1960, lançou-se candidato ao governo do Estado tendo como seu vice Beroaldo Maia Gomes Rego. Foi derrotado pelo candidato da UDN, Luiz Cavalcante, por apenas 1.702 votos.

Foi reeleito deputado federal em outubro de 1962. No início deste mandato, mesmo ainda filiado ao PSP, mantinha fortes vinculações com o PTB de Almino Afonso e com isso conseguiu se aproximar do presidente João Goulart.

Em janeiro de 1963 filiou-se ao PTB e levou do PSP 15 prefeitos, 15 deputados estaduais e mais de 300 vereadores, segundo o Jornal do Comércio de 20 de janeiro de 1963.

Mandatos progressistas

Presidente Juscelino Kubitschek no Palácio do Catete recebe em audiência Abrahão Fidelis de Moura, deputado federal pelo Estado de Alagoas, em 15 de março de 1960

Era declaradamente um nacionalista e teve participação destacada na campanha pela propriedade estatal do petróleo brasileiro, além de defender a reforma agrária, denunciar as secas no Nordeste e cobrar a melhor distribuição da energia elétrica de Paulo Afonso, principalmente para beneficiar Alagoas.

Ativo participante da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), se posicionou favoravelmente ao substitutivo do deputado Celso Brandão ao projeto de Lei que regulamentava a remessa de lucros para o exterior.

Entedia que somente uma reforma bancária poderia restituir ao crédito sua função de catalisador da produção. Seguindo o mesmo pensamento de João Goulart, advogava uma reforma tributária com aumentos progressivos de impostos diretos e punição aos sonegadores. Também era favorável a uma reforma social que protegesse os trabalhadores.

Sua origem católica não o impediu de apoiar teses complexas para a época como a que permitia o divórcio. Tinha também identidade com a encíclica papal Mater et magistral, a que se referia como um bom instrumento para a solução dos problemas socioeconômicos do Brasil.

Propugnou pelo direito ao voto para os analfabetos e da adoção de medidas que limitassem a influência do poder econômico nas eleições.

Entretanto, as teses que mais lhes trariam prejuízos no futuro estavam ligadas à diplomacia brasileira. Abrahão defendeu publicamente o reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética e também foi favorável que o governo brasileiro apoiasse o regime cubano de Fidel Castro, mesmo depois da proclamação da República Socialista de Cuba em 1959.

Cassação do mandato

Presidente João Goulart recebe Abrahão Moura, Ari Pitombo, Breda, Aloisio Nogueira, Henrique Ekelman, José Boto e o coronel Henrique Cordeiro Oest

Desde 1963 que se aventava o nome de Abrahão Moura novamente como candidato ao governo de Alagoas para as eleições de 1965. Os apoios eram expressivos e o seu nome era apontado como o possível eleito, principalmente por seu histórico de deputado federal mais votado.

Ademar de Barros, do PSP, via com preocupação a filiação de Abrahão ao PTB e temia que sua candidatura carreasse votos para o projeto nacional dos trabalhistas. Muniz Falcão, que já tinha divulgado seu apoio a Abrahão, teve que voltar atrás e lançar-se candidato.

Abrahão mais uma vez teve a grandeza de aceitar a candidatura de Muniz, que foi o mais votado, mas como não conseguiu a maioria absoluta de votos estabelecida pela Emenda Constitucional nº 13, coube à Assembleia Legislativa escolher quem seria o novo governador.

Quem terminou sendo nomeado pelo presidente da República, general Castelo Branco, foi o também general João Batista Tubino, que foi o interventor no Estado até que Lamenha Filho fosse escolhido governador.

Com as alterações estabelecidas pelo golpe militar de 1964, foram extintos os partidos políticos em 27 de outubro do ano seguinte e estabelecido em seguida o bipartidarismo. Abrahão Fidelis de Moura filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que recebeu a maioria dos opositores ao regime militar.

Mantendo-se coerente com seus ideais, logo passou a ser perseguido e terminou tendo seu mandato de deputado federal cassado. Em outubro de 1966 foi afastado da delegação popular e perdeu seus direitos políticos por dez anos.

Quando recebeu a comunicação da sua cassação, Abrahão Moura foi à tribuna da Câmara e disse que se recusava “a submeter a legitimidade de meu mandato à insolência de um Grão-Vizir instalado no Poder pela força das armas, e que nunca logrou nem há de lograr seu mandato naquela fonte limpa e úmida que consagrou o meu: a vontade soberana do povo pelo voto direto e secreto”.

Além dele, também ficaram sem mandatos mais cinco deputados. Houve reação e o então presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso, não acatou a medida excepcional e autorizou os deputados a participarem normalmente das sessões.

O general Castello Branco, em resposta, decretou recesso de um mês no Congresso Nacional a partir do dia 20 de outubro de 1966.

Abrahão Moura ao lado do seu neto Carlos Abrahão Gomes de Moura

Mesmo com a suspensão dos trabalhos determinada pelos militares, 71 parlamentares do MDB resolveram permanecer no Congresso Nacional. Abrahão Moura era um deles.

Teve início, então, uma operação militar para esvaziar a Câmara dos Deputados e o Senado. Segundo o historiador Casemiro Neto, o Eixo Monumental foi fechado pelas tropas do Exército na altura da Rodoviária do Plano Piloto. “Os quartéis estavam de prontidão. Havia uma grande movimentação de tanques e caminhões nas proximidades do Eixo Monumental. O clima era de guerra. Aproximadamente 600 homens, entre Fuzileiros Navais, com uniforme camuflado, soldados do Exército e da Aeronáutica, tomaram parte da operação”, descreveu.

A água, a energia elétrica dos prédios do Legislativo e os telefones foram desligados. O Congresso Nacional foi ocupado por tropas do Exército e todas as portas passaram a ser controladas por soldados.

Os que deixavam o edifício eram obrigados a registrar o nome e a profissão. Abraão Moura saiu às 8 horas do dia 21 de outubro. Ao seu lado estavam o então presidente da Câmara e outro deputado cassado.

Sem mandato, voltou a trabalhar na agropecuária. Segundo Moura Rocha, no livro citado acima, “para sobreviver, após a cassação do mandato, carecera de ser uma espécie de qualificado capataz no interior da Bahia, em um projeto agroindustrial de um usineiro alagoano, ali bem instalado”.

Após recuperar seus direitos políticos, teve ainda uma rápida passagem pela Prefeitura de Maceió como secretário de Finanças de Maceió em 1982.

Faleceu em Maceió no dia 11 de julho de 1993.

Em 6 de novembro de 2012, uma sessão solene da Câmara dos Deputados, no Plenário Ulisses Guimarães, devolveu de forma simbólica os mandatos de 173 deputados que foram cassados durante o Regime Militar. Abrahão Fidelis de Moura foi um dos que recebeu essa homenagem.

1 Comentário on Abrahão Moura e a resistência à Ditadura Militar

  1. Interessante, gostei muito de ler.
    Ele era meu tio avô.

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