A histórica jornada da fundação da Faculdade de Medicina de Alagoas

Dr. Ib Gatto discursa durante a instalação da Faculdade de Medicina de Alagoas em 5 de março de 1951, na presença do monsenhor Antônio Valente; tenente coronel Francisco Torquato, comandante do 20º BC; dr. Estácio de Lima; governador Arnon de Melo; Ednor Valente Bittencourt, médico fundador da Faculdade; prefeito Joaquim Leão e Ulisses Braga Júnior, secretário do Interior, Educação e Saúde

Até o fim da primeira metade do século XX os jovens alagoanos que pretendiam um diploma em medicina iam estudar em Salvador, Recife, Rio de Janeiro ou São Paulo. Alguns privilegiados escolhiam universidades europeias.

Poucas famílias em Alagoas tinham condições de manter filhos estudando nestes centros. Mas muitas delas tinham aspirações nesta área da formação profissional superior, principalmente os filhos da emergente classe média.

Abelardo Duarte foi quem deu os primeiros passos para a criação da Faculdade de Medicina de Alagoas

Foi esta cobrança social que levou o médico pediatra Abelardo Duarte, genro de Euclides Malta, a pensar como criar a graduação de médicos em Alagoas.

Segundo a dra. Ângela Canuto, em seu importante livro “Faculdade de Medicina de Alagoas: história de luta e esperança”, a possibilidade de se constituir uma unidade de ensino médico em Alagoas começou a tomar corpo quando Abelardo Duarte visitava o sogro em Recife, no Natal de 1948, e aproveitou para conversar sobre o assunto com alguns colegas médicos da capital pernambucana.

Voltou empolgado e dias depois, já em janeiro do ano seguinte, procurou o amigo dr. Ib Gatto, médico reconhecido por sua capacidade empreendedora e então diretor médico da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Ib Gatto não demonstrou interesse.

Um ano após, em 29 de abril de 1950, tornaram a se encontrar e diante da insistência de Abelardo, Ib Gatto concordou, advertindo que não estaria na linha de frente do projeto.

Dois dias depois, um feriado de 1º de maio, Ib Gatto leu no Diário de Pernambuco, que o dr. Travassos Sarinho se mobilizava na Paraíba com o mesmo intento. Avaliou que a sua recusa em contribuir poderia trazer enormes prejuízos para o Estado: “se derem a Faculdade para a Paraíba, não sai para Alagoas”, refletiu.

Dr. Ib Gatto Falcão

Sem perder tempo, no fim da tarde do mesmo dia falou com Abelardo por telefone para confirmar se o amigo estava em casa e foi até ele, na Av. Fernandes Lima. “Você vai ter uma surpresa, sente-se aí. Vim para fazer a Faculdade de Medicina”, disse-lhe. Convidaram outro colega, José Lages, e iniciaram o planejamento da ousada empreitada.

O dr. Abelardo Duarte morava onde atualmente funciona uma Escola de Enfermagem. O convite ao dr. José Lages se deu por ele morar nas proximidades. Em sua antiga residência hoje existe uma pizzaria famosa.

A primeira reunião aconteceu dois dias depois na Sociedade de Medicina, com a presença de 16 médicos. A mesa diretora do encontro foi formada por Ib Gatto, Abelardo Duarte e José Lages.

Além destes pioneiros, lá também estavam: Aristóteles Calazans Simões, Sebastião da Hora, Durval Cortez, Ezequias da Rocha, Rodrigo Ramalho, Mariano Teixeira, Alfredo Ramiro Basto, Lessa de Azevedo, José Lira, José Mário Mafra, Pedro Reys, Abelardo Albuquerque e Théo Brandão.

A proposta foi aprovada após a intervenção do médico Sebastião da Hora, que exortou pela aprovação imediata da Faculdade. O registro de ata ficou sob a responsabilidade de Théo Brandão. Nesta mesma assembleia foi proposto, por Ezequias da Rocha com apoio de José Mário Mafra, que também se estruturassem os cursos de Odontologia e Farmácia.

Assim, no dia 3 de maio de 1950, estava fundada a Faculdade de Medicina de Alagoas.

A diretoria provisória da Faculdade foi composta por Abelardo Duarte, Ib Gatto Falcão e Théo Brandão, que cuidaria da organização jurídica. Por sugestão do dr. Osório Gatto, que fazia a assessoria jurídica, foi criada uma sociedade civil. Dr. Osório era tio de Ib Gatto.

Eleita a diretoria efetiva, com o dr. Ib Gatto Falcão à frente, os empreendedores tiveram que, para atender uma exigência legal, arrecadar um milhão de cruzeiros em dinheiro ou em bens, e desenvolver as ações para o reconhecimento da instituição junto ao Conselho Nacional de Educação e ao Ministério de Educação. Quem cuidou destas últimas tarefas foi o dr. A. C. Simões, que era o secretário da sociedade civil.

Hospital Santa Leopoldina, antes foi Asilo

Foi o governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro quem atendeu ao pedido da comissão composta por Rodrigo Ramalho, Pedro Reis e Ib Gatto. Cedeu o Hospital Santa Leopoldina, que ficava na Praça Siqueira Campos, atual Praça da Faculdade. O projeto de doação foi encaminhado à Assembleia e aprovado.

Quando começou a funcionar, a Faculdade já ocupava o prédio que havia servido como quartel do 20º Batalhão de Caçadores, na mesma praça, ao lado do Hospital Santa Leopoldina.

Foi doado pelo Governo Federal quando o presidente era Eurico Gaspar Dutra. Quem apresentou o projeto de Lei nº 588, em 20 de julho de 1950, foi o deputado Medeiros Neto. Sua aprovação no Congresso Nacional se deu em 8 de janeiro. A sanção presidencial ocorreu cinco dias depois, passando a ser a Lei nº 1309 de 13 de janeiro de 1951.

Para conquistar o velho quartel do Prado, a diretoria da Faculdade teve que convencer o Padre Pinho a desistir do prédio, que já havia sido cedido a ele para a instalação do projeto Juvenópolis, uma das iniciativas, voltada para jovens carentes, da Ação Católica em Maceió.

Em fevereiro de 1951, após a Faculdade tomar posse do edifício, começaram as reformas e adaptações sob a orientação do arquiteto Sant-Ives Simon, que transformou as linhas neoclássicas do antigo quartel em neocolonial. O material utilizado na obra veio da doação de empresários.

Faculdade de Medicina de Alagoas, antigo quartel do 20º BC. Foto de Stuckert

Nesse período também se atendeu a exigência da biblioteca. Doações de José Carnaúba, Manoel Brandão, José Carneiro e Sampaio Marques rapidamente constituíram o acervo de livros clássicos da medicina.

A necessidade do hospital-escola com, no mínimo, 300 leitos foi atendida com um convênio estabelecido com a Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Quem convenceu o provedor Luiz Calheiros da importância do contrato foi seu genro, o médico Mariano Teixeira.

Cumprido os requisitos legais, a Faculdade foi autorizada a funcionar pelo Decreto Federal nº 29.092, de 8 de janeiro de 1951, publicado no Diário Oficial do dia 15 desse mesmo mês. O processo foi acompanhado pelo deputado federal Padre Medeiros Neto, que também era o secretário da sociedade civil autora da iniciativa.

Em entrevista ao Diário de Pernambuco de 21 de fevereiro de 1952, Abelardo Duarte avaliou que a criação da Faculdade de Medicina de Alagoas devia-se a formação de “um clima propício ao ensino das ciências médicas”.

Ressaltou ainda que em sua terra já existia uma numerosa classe médica, culta e trabalhadora. “Atingimos em Alagoas a um padrão alto, quer técnico, quer cultural, de molde a colocarmos no mesmo nível dos Estados em que mais se tem desenvolvido a medicina no Brasil”, constatou.

Tentativa de federalização

No primeiro vestibular, em 1951, a Faculdade recebeu 47 inscrições para as 40 vagas ofertadas. Somente 15 dos inscritos foram aprovados. As provas aconteceram entre o dia 17 e 24 de fevereiro. Essa turma pioneira recebeu o diploma em 10 de dezembro de 1956.

Eis a relação da primeira turma de Medicina da Faculdade recém-inaugurada: Adávio Camelo Lima, Augusto Dias Cardoso, Dario Ramos Barbosa, Ezequias Raimundo Alves, Jefferson de Lima Araújo, José Cláudio Ramos, Lucia Ramiro Basto, Marta Marsiglia, Quitéria Bezerra de Melo, Raimundo Alves de Campos, Talma de Barros Monteiro, Terezinha Campos Montenegro, Terezinha de Oliveira Ramires, Teodir Augusto de Barros e José de Araújo Lima.

Dr. Estácio de Lima discursa durante a instalação da Faculdade de Medicina

A instalação do curso e a aula inaugural aconteceram na noite de 5 de março de 1951 no salão nobre da Faculdade de Direito. Em seguida houve um jantar solene no Clube Fênix Alagoana.

A mesa do ato na Faculdade de Direito contou com a participação das seguintes personalidades: monsenhor Antônio Valente; coronel Torquato, comandante do 20º BC; dr. Estácio de Lima; Arnon de Melo, governador do Estado; Joaquim Leão, prefeito de Maceió; Ulisses Braga Júnior, secretário do Interior, Educação e Saúde; e dr. Ednor Bittencourt. Dr. Ib Gatto foi quem fez o discurso oficial.

A partir de 1953 teve início a mobilização para a federalização da Faculdade. Em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o parecer do deputado Augusto Meira, favorável ao projeto de federalização apresentado pelo deputado alagoano Medeiros Neto.

Foi também em outubro de 1953 que o curso de Medicina foi reconhecido:

“Decreto nº 24.394, de 27 de outubro de 1953.
Concede reconhecimento ao curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Alagoas.
O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 87, item 1, da Constituição e nos termos do artigo 23 do Decreto-lei de número 421, de 11 de maio de 1938, decreta:
Artigo único – É concedido reconhecimento ao curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Alagoas, mantida pela Sociedade Civil “Faculdade de Medicina de Alagoas”, e com sede em Maceió, capital do Estado de Alagoas.
Rio de Janeiro, em 27 de outubro de 1953. 132º da Independência e 65º da República.
GETÚLIO VARGAS.
Antônio Balbino”.

Em 17 de dezembro de 1958 o Diário de Pernambuco noticiou que dois dias antes o Senado havia rejeitado o projeto que federalizava a Faculdade alagoana e que, em protesto, o senador alagoano Freitas Cavalcanti obstruiu “de maneira sensacional” as três sessões realizadas pelo Senado naquele dia.

Criticando o governo de Juscelino Kubitschek, Freitas Cavalcanti denunciou que este priorizava somente as “obras suntuárias” e excluía “desgraçadamente o nordeste brasileiro de qualquer programa econômico, social e político que vise a sua integração no desenvolvimento nacional”.

Dois dias depois da publicação desta matéria, foi celebrado acordo entre a Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura e a Faculdade de Medicina de Alagoas “com o fim de promover recursos para a realização de diversas obras e para manutenção daquele estabelecimento de ensino superior”. A Faculdade recebeu um milhão e quinhentos mil cruzeiros.

No final de dezembro de 1959, a instituição diplomava os seguintes alunos da sua quarta turma: Antenor Teixeira Leal, Divacy Fragoso Barbosa, Edson Neves (orador da turma), José Valdomiro Motta, Virgínio Geraldo de Alencar Mendonça, Carlos Rubens de Oliveira, Cléa Brandão, Eder Rios de Lima, José Moreira da Silva, Maria de Lourdes Setiva e Nelson Lustosa Cabral Filho.

Ufal

Estudantes de Medicina da Ufal, com as obras de expansão do Hospital Universitário ao fundo, em 1980

Depois de várias tentativas frustradas em busca da tão sonhada federalização, um movimento liderado pelo médico dr. A. C. Simões, em 1960, descobriu-se que era mais fácil fazer aprovar um projeto criando uma universidade federal em Alagoas que tentar federalizar apenas uma faculdade.

Assim, no dia 11 de agosto de 1960, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina de Alagoas, os diretores de cinco das oito instituições superiores em funcionamento no Estado, além de autoridades públicas, assinaram um memorial redigido pelo estudante Adalberto Câmara e endereçado ao presidente Juscelino Kubitschek, reivindicando a criação de uma universidade em Alagoas.

Não assinaram o documento, por razões diversas, os diretores da Escola de Serviço Social, Faculdade de Filosofia e Faculdade de Odontologia. A União Estadual dos Estudantes de Alagoas (UEEA) também não assinou, mas a mobilização para a criação da universidade sempre teve os estudantes à frente. Foi o presidente desta entidade estudantil, Adalberto Câmara, quem entregou ao presidente da República o memorial com a solicitação.

Ainda em 1960, no dia 1º de novembro, JK enviou o projeto ao Congresso Nacional. Com apoio unânime da bancada alagoana em Brasília, o processo correu célere e antes do fim do mandato de JK foi aprovado na Câmara e no Senado em caráter de urgência.

Atual Faculdade de Medicina da Ufal na Cidade Universitária

No dia 26 de janeiro de 1961, a seis dias do fim do seu mandato, o presidente da República assinou o ato que formalizou a existência da Universidade Federal de Alagoas. Por via transversa, a Faculdade de Medicina de Alagoas estava federalizada.

No início dos anos 70, a Faculdade passou a ocupar os galpões que tinham servido de depósitos da Petrobras no Tabuleiro do Pinto. Ficava ao lado do futuro Hospital Universitário, que passou alguns anos com a sua construção paralisada.

Ainda nos anos 70, um novo prédio na Cidade Universitária recebeu o curso de Medicina da Ufal. O bloco de salas de aula e laboratórios passou a ser denominados Instituto de Ciências Biológicas e de Saúde (ICBS). Ganhou uma extensão em dezembro de 2014.

 

10 Comments on A histórica jornada da fundação da Faculdade de Medicina de Alagoas

  1. Angela Canuto // 4 de julho de 2019 em 21:00 //

    Caro Ticianeli é uma honra ser citada neste trabalho, por sinal, exemplar, e que acrescenta importantes informações.Preponderantemente, nos termos políticos em relação a federalização.Como egressa dessa Faculdade de Medicina, tendo estudado nos galpões da Petrobrás, sinto-me parte desta bela história.

  2. Divanise Suruagy // 5 de julho de 2019 em 06:14 //

    Muito boa a reportagem !!!
    Vou divulgar !!!

  3. Maria Aparecida de oliveira Ramos Monteiro // 5 de julho de 2019 em 10:43 //

    Excelente reportagem!!!!! História bonita da formação do curso de medicina. Muito orgulho de ver citado o nome de meu pai, Dario Ramos Barbosa, aluno da primeira turma, posteriormente chefe da cadeira de anatomia e pioneiro em Hospital de Olhos de Alagoas.

  4. Kleiner de Oliveira Ramos // 5 de julho de 2019 em 11:28 //

    Caro amigo Ticianeli, parabenizo pelo excelente trabalho.
    Fico feliz, também, por ver o nome do meu saudoso pai, Dario Ramos Barbosa, figurando entre os integrantes da primeira turma.
    Um grande abraço.

  5. André Soares // 6 de julho de 2019 em 07:28 //

    De forma clara, objetiva e precisa você apresenta a nossa história.
    Que venham os trabalhos.

  6. Carlos Ronaldo Melro Cansanção // 8 de julho de 2019 em 09:35 //

    Meu caro Ticianele , quero parabenizar a brilhante matéria deste importante acontecimentos com detalhes muitos interessantes do qual vivi por ter ingressado na faculdade de medicina em 1971 e também ter estudado nos galpoes da petrobras e participar dos primeiros tratamentos e cirurgias no hospital universitário !!! Parabéns mais uma vez

  7. TERESA CRISTINA TEIXEIRA MAIA // 22 de julho de 2019 em 10:56 //

    Excelente matéria!
    Parabéns pelo resgate da História da Medicina em nosso Estado!
    Uma importante evidência da marcante atuação de diversos nomes largamente conhecidos em nosso cenário médico, mas cuja divulgação não vinha recebendo o merecido destaque, até então!

  8. Maria José JAPIASSU de Vasconcelos Cavalcante // 19 de janeiro de 2020 em 17:42 //

    Excelente documentário histórico, da fundação de nossa faculdade de Medicina, na Nossa querida Alagoas . Nos nós constituímos como pessoas através da história, pessoal, psicológica, social, antropológica, política e social! Saber que fazemos ainda parte dessa história de luta e progresso para o humano como um todo e o social de Alagoas , alegra-me e me sinto orgulhosa de fazer parte desse Nordeste sofrido, mas guerreiro e empreendedor ! Sou filha desta bela terra , me formei nesta faculdade , turma 1973, e reconheço muitos nomes , contido neste memoravel documentario, os talentos que dela brotaram! Parabéns pela feliz iniciativa de documentar está bonita história!

  9. Gianne lima // 11 de abril de 2020 em 09:29 //

    Nossa amei essa história!
    Estudei lá em 1986 curso de medicina por 2 anos .

  10. Ianá Sandes // 1 de julho de 2020 em 18:50 //

    Excelente matéria!! Sou estudante da UFAL mas não conhecia a história da Universidade. Encantada pelo conteúdo, parabéns!!

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