João Gomes, o imperador da moda masculina de Maceió em 1988

João Gomes, alfaiate desde 1942, resistiu com a tesoura ao avanço da industrialização

João Gomes teve seu ateliê na Av. Moreira e Silva, no Farol

*Publicado na revista Última Palavra de 14 de outubro de 1988 com o título Cortando o tempo.

O avanço da tecnologia e o processo de industrialização na área de tecelagem e fabricação de roupas estão decidindo a extinção da tradicional alfaiataria. Arrodeado de peças de pano, sempre pensativo e com a fita métrica pendurada no pescoço, a figura do alfaiate está desaparecendo do nosso meio, cedendo espaço ao “estilo moderno” de produzir roupas em série. Mas, em Maceió, na Avenida Moreira e Silva, existe um alfaiate que vem resistindo aos tempos novos da costura industrializada.

João, 63 anos: “um cidadão que costura calça e prega botão não pode ser considerado alfaiate”

Quem não conhece o “seu” João Gomes alfaiate, “o imperador da moda masculina“, que desde 1942 maneja a tesoura e risca o tecido com uma habilidade de quase meio século de profissão? “Um cidadão que costura calça e prega botão não pode ser considerado um alfaiate”, afirma João Gomes, de 63 anos, ao lembrar detalhadamente a época na qual a alfaiataria maceioense dominava o mercado e empregava muita gente.

No início dos anos 40, o alfaiate aprendiz costumava arranjar um bom profissional no mercado para adquirir habilidade. Foi assim que João Gomes fez. Seu mestre era José Viana Filho, que ainda hoje dirige um curso de costureiras no Palácio do Trabalhador e no Senai. “Nesse tempo, todo pai de família pobre colocava o filho no caminho de uma arte qualquer”. A história da alfaiataria em Maceió vem de longe. João Gomes era menino e já funcionava no antigo prédio da reitoria a Escola de Aprendizes Artífices.

Para João Gomes, o alfaiate “completo” é aquele que prega botão e sabe fazer todas as peças do vestuário masculino e feminino. “Tem que saber costurar paletó, calça, colete, batina, camisa, roupa militar e até peças para mulher”. O segredo para obter sucesso como alfaiate é bem simples na visão de João Gomes: basta dedicação e muita responsabilidade no cumprimento dos prazos.

Clientes ilustres

No corte perfeito dos tecidos destinados ao preparo de paletós, sempre com medidas exatas e na base do controle de qualidade das três provas da peça confeccionada, João Gomes acumulou durante anos uma freguesia ilustre no Estado de Alagoas.

Seu fichário de mais de três mil endereços de clientes contrasta entre um telefone sem fio e outro dos anos 60. Ele fecha o grande armário de aviamentos e cita com orgulho fregueses como Mário Berard, presidente do Banco do Brasil; João Lyra, Theobaldo Barbosa, Afrânio Lages, Carlos Lyra e Tércio Wanderley.

Quem quiser um terno de primeira costurado pelo “imperador da moda masculina” terá que desembolsar mais de 120 mil cruzados. “Tenho também terno na faixa de 80 mil cruzados”, afirma João Gomes, que não gosta de falar acerca do faturamento mensal do seu trabalho. “Garanto que está dando para a bolacha da família“, desconversa. João Gomes reconhece que a profissão de alfaiate caminha para extinção. “A saída é reativar a aprendizagem”.

Para demonstrar a decadência da alfaiataria em Maceió, João Gomes lembra que em 1945 havia 10 alfaiatarias trabalhando a todo vapor somente na Rua do Comércio. “Hoje temos de quatro a cinco alfaiates atuando em nossa cidade e nem todos podem ser considerados completos”.

A procura pelos especialistas da tesoura era tanta que na Avenida Moreira Lima funcionava uma alfaiataria especialmente dedicada à confecção de fardas militares.

João Gomes apronta uma média de 10 roupas por mês, mas entre 75 e 80 o volume de trabalho chegou a registrar um movimento em torno de trinta peças mensais.

João Gomes valoriza seu trabalho, mas não quer ser reconhecido como costureiro das elites. “O atendimento aqui é igual para todos. Pode chegar o cassaco da padaria que será bem atendido”. Para alegria de quem gosta de vestir um terno absolutamente perfeito com as medidas do corpo, o “imperador” da costura tenciona reinar por muitos anos, com sua tesoura, na Avenida Moreira e Silva.

6 Comments on João Gomes, o imperador da moda masculina de Maceió em 1988

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 31 de janeiro de 2019 em 15:42 //

    Prezado Ticianelli,
    Esta matéria fez-me recordar que o meu pai, Taurino de Mendonça Ribeiro, nascido em 21 de dezembro de 1900 em Marechal Deodoro, apesar de trabalhar no escritório da Fábrica Carmen, em Fernão Velho, também foi alfaiate. Lembro-me, mesmo ainda criança, das réguas que ele utilizava para traçar os tecidos e preparar a roupa. Ele também foi subdelegado em Fernão Velho.

  2. André Soares // 31 de janeiro de 2019 em 22:11 //

    O meu primeiro alfaiate foi seu Joaz na rua do Supapo. Já adulto tive algumas peças feitas por Nelson Gomes de saudosa memória, inclusive o terno do casamento.

  3. Marineide monteiro // 1 de fevereiro de 2019 em 08:57 //

    Muito linda essa historia😍😍😍😍😍😍😍😍

  4. Era meu vizinho na Avenida Moreira e Silva no Farol. Fiz o terno do meu casamento com ele. Conhecí o Nelson Gomes (irmão) também alfaiate de primeira linha. Lembro que um dos seus clientes assíduos era o industrial Mário Leão da Usina Leão. Bons tempos aqueles.

  5. José Humberto // 4 de fevereiro de 2019 em 09:22 //

    Caro Ticianelli,
    Agradeço em nome da família de João Gomes e Nelson Gomes, esta homenagem honrosa que muito nos orgulha em ser descendentes dos dois. O grande mérito, é ser parte da memória da nossa cidade. Obrigado a todos que lembraram ao ler esta matéria.

  6. carlos roberto de moura costa // 4 de fevereiro de 2019 em 10:08 //

    conheci Seu João através de seus filhos, um dos quais estudante do curso de nutrição, em Recife, com o qual morei por uns dois anos em uma república na Rua da Alegria, no bairro da Boa Vista. Ele não chegou a concluir o curso pq os sons dos bumbos falaram mais alto – e ele tornou-se um renomado baterista, tal e qual o seu irmão mais velho, recentemente falecido.

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