Um brasão de armas e uma bandeira para as Alagoas

Publicado na Revista do Arquivo Público de Alagoas, nº 1, de 1962

Théo Brandão

Théo Brandão e o folclorista potiguar Câmara Cascudo

O brasão de armas do Estado de Alagoas, criado pelo decreto 53, de 25 de maio de 1894 pelo então governador coronel Gabino Besouro, é um desses brasões inexpressivos e aberrantes das leis da Heráldica estabelecidos sob a influência das ideias positivistas dos começos da República, como muito bem o acentuou, a propósito do brasão de armas do Estado da Bahia, o historiador Alfredo Rui.

Pela própria descrição contida no decreto que o instituiu, pode-se-lhe bem perceber a desobediência às leis da armaria e até aos próprios fatos de nossa história.

Senão, vejamos. Diz o decreto:

“O Governador do Estado, attendendo à conveniência de estabelecer as armas do Estado para symbolisa-lo nos papeis públicos, decreta a adopção das que se acham desenhadas no modelo annexo e se compõem dos seguintes distinctivos: — Um escudo atravessado por uma faixa em sentido obliquo e descendente da esquerda para a direita, com a legenda — Paz e Prosperidade — que constituem a nossa principal aspiração. Na base esquerda, como representação das nossas indústrias, o trem de uma via-ferrea, e logo acima um barco a vapor dá a idéa do nosso commercio. No centro do lado direito, o nosso mais notavel accidente physico, a cachoeira de Paulo Affonso, formada pelo rio S. Francisco, recorda as nossas vias de comunicação fluvial. Na parte superior do lado direito uma estrella radiante symbolisa a que representa o Estado de Alagoas nas armas e bandeira da Republica. Um feixe de cannas e um ramo de algodoeiro, orlando a parte inferior do escudo, rememoram a nossa lavoura. Na parte superior uma aguia deslumbrada, emblema da força, cercada de uma aureola, abrange o escudo com suas azas, destendidas. Finalmente, uma fita de pontas bipartidas, desenhada por cima do escudo contém em caracteres maiusculos as palavras — Estado de Alagoas — e em outra fita menor, que na parte inferior enlaça o feixe de cannas e o ramo de algodoeiro, se lê em identicos caracteres a palavra – Brazil.
O presente Decreto será opportunamente submettido à approvação do Congresso.
Palacio do Governo do Estado de Alagoas, em Maceió, 25 de Maio de 1894, 6° da Republica.
Gabino Besouro
Ildefonso Cantidiano da Silva”. (1)”

A infração das leis da Heráldica começa na própria maneira pela qual o decreto, redigido ou instruído por seu mesmo autor, (2) brasona o escudo.

A ausência de indicações de esmaltes ou metais, o emprego de nomes inadequados para as divisões e peças honrosas etc., mostram que sua descrição e confecção foram realizadas por pessoa inteiramente leiga em matéria de brasonário.

Menciona, por exemplo, uma “faixa em sentido oblíquo e descendente da esquerda para a direita” quando em Heráldica faixa é uma peça nobre do escudo que ocupa um terço do mesmo, horizontalmente, na parte central. Corresponde o desenho do brasão alagoano a cotica, isto é, uma diminuição da contrabanda ou barra que é dirigida diagonalmente da sinestra para a destra.

Fala “em escudo atravessado” quando deveria ter dito escudo partido em contrabanda ou talhado e refere-se à base esquerda e lado direito quando, para seguir linguagem técnica, deveria ter dito sinestra e destra. De igual modo, ao invés de “lado direito na parte superior, deveria ter dito simplesmente: ângulo destro do chefe. E ao falar no feixe de canas e ramo de algodoeiro bastaria ter dito apoios.

Igualmente, ao referir-se à “águia deslumbrada de asas distendidas, cercada de auréola”, deveria mencionar o timbre, descrevendo-o antes com as seguintes expressões: “águia voante de sua cor, brocante de um sol nascente de ouro”.

Deixando de lado, porém, o errôneo modo de brasonar ou descrever o escudo e passando a examinar a sua própria concepção e a escolha dos atributos heráldicos, ainda maiores infrações às leis da armaria veremos, juntas a uma flagrante inexpressividade.

Tem o escudo formato semelhante ao polônio. É assim sua forma imitada de país sem qualquer ligação com o nosso passado, com evidente e inexplicável desprezo pela forma mais simples e mais tradicional do escudo português, usado por todas as cidades lusas e que evoca, na heráldica brasileira, a origem da raça, por isso mesmo adotado pela maioria dos Estados e cidades brasileiras.

No escudo, continuam os deslizes. As figuras de destra e sinestra, ambas ao natural, são antes paisagens, pinturas, que verdadeiros atributos heráldicos. Demais, ocupam todo o campo do escudo e não se inserem ou carregam sobre qualquer esmalte ou metal.

Além disso, não são símbolos, como pretendeu estabelecer o decreto, nem figuras representativas dos acidentes geográficos ou fatos históricos mais significativos de nosso Estado.

A Cachoeira de Paulo Afonso, realmente notável acidente geográfico, não nos pertence, todavia, inteiramente. E nada significa em nossa formação histórica. Demais, uma cachoeira não poderá nunca representar, como o queria o decreto, “nossas vias de comunicação fluvial“. Ao contrário, uma queda d’água só pode representar obstáculo ou impedimento às comunicações.

A paisagem da sinestra resultou ainda pior. Mal concebida, pretende figurar com um trem de ferro e um barco a vapor as indústrias e o comércio, quando sabem todos, até mesmo os leigos, que os símbolos da indústria e do comércio são a roda dentada e o caduceu [bastão em torno do qual se entrelaçam duas serpentes e cuja parte superior é adornada com asas]. E que sentido característico poderão possuir eles no escudo de Alagoas? Comércio e às vezes indústria possuem todos os países, estados e cidades quer do Brasil, quer do estrangeiro. Se, ao menos, possuíssemos, como outros Estados, florescente e variada indústria ou ativo e grande comércio, ainda haveria uma justificativa. Mas nossa indústria é toda ela de aproveitamento dos produtos agrícolas regionais; agroindústria, portanto. Aliás, já bem representada nas únicas peças não criticáveis do brasão: os apoios de destra e sinestra, a cana de açúcar e o algodoeiro. E o nosso comércio, por sua vez, não é tão importante que deva servir de símbolo em um brasão de armas.

O timbre, este, afasta-se por inteiro do adotado no Brasil, desde 1816, para as Províncias e desde 1889 para os Estados: estrela de prata de cinco pontas, que representa as unidades da Federação no próprio brasão de armas e bandeira do Brasil. Foi realmente lembrado pelo autor do brasão, mas deslocado de sua posição adequada.

Primeiro Brasão de Alagoas, instituído e desenhado por Gabino Besouro

E porque uma águia voante, símbolo da força, num escudo de um pequeno Estado como Alagoas? Que força temos no conserto da Federação? E, demais, porque brocante de um sol nascente de ouro, que o decreto não nos explica? Uma nova força ou província? Se a concepção heráldica, o mote ou a divisa se referissem à sua criação, ainda seria admissível. Mas como conciliar o fato da criação da capitania em 1817 com um trem de ferro e um navio a vapor só quarenta anos após introduzidos no Brasil? Evidente anacronismo que deve ser, tanto quanto possível, evitado num brasão.

A divisão — Paz e Prosperidade — conquanto colocada erroneamente no escudo, ainda se justifica, como a seu tempo veremos. Já as duas outras — Estado de Alagoas — e — Brazil — consagram dois erros. Um de história, pois o nome da Capitania criada em 1817 era, como o da Comarca, Capitania e depois Província das Alagoas e não de Alagoas.

Cometeu-se o erro ao transformar-se, com a República, a Província em Estado. Em vez de Estado das Alagoas, o primeiro decreto promulgado referiu-se a Estado de Alagoas.

O outro, um erro de ortografia, pois Brasil não se escreve com z mas com s.

A adoção de tão errôneo e inadequado escudo tem, todavia, sua explicação. É que não houve, ao tempo do Império, a tradição de armoriarem-se as províncias e cidades do país. Só no Brasil-Colônia tivemos brasões de armas, num total apenas de quinze, sendo, desses, seis concedidos pelos portugueses e os nove restantes pelos flamengos. Como se vê, reduzidíssima cota, se atentarmos ao número das capitanias, cidades e vilas erigidas. Ao instaurar-se o Império, o regime unitário então adotado fez certamente relegar ao abandono a heráldica de domínio, desenvolvendo-se apenas o brasonário nobiliárquico que chegou a contar com mais de 300 brasões de armas, devidamente registrados no cartório da nobreza.

Quando a 15 de novembro de 1889 se proclamou a República, sob regime federativo, surgiu a preocupação com os brasões de armas para as unidades integrantes do país. Adotaram elas, então, escudos e bandeiras próprios, quer, para isso, restaurando os antigos da Colônia, quer adotando os das revoluções libertárias (bandeiras e armas de Piratini para o Rio Grande do Sul, bandeira da Inconfidência Mineira para Minas Gerais e da Revolução de 1817 para Pernambuco), quer, por fim, elaborando novos. Estes, porém, em sua maioria nascidos ao influxo das ideias positivistas, aberravam das leis da Heráldica e eram inadequados aos fins a que se propunham, além de serem, muitas vezes, de um mau gosto a toda prova.

Não é que inexistissem, à época, entendidos no assunto. Ao contrário. No Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, se publicava em junho de 1890, poucos meses após a proclamação da República portanto, um trabalho a respeito dos “Brasões do Brasil (Ligeiro Estudo)” em que o seu autor sugeria escudos para os diversos estados e municípios, obedientes à tradição, à história e heráldica. Seu autor, de nome infelizmente não divulgado, propunha brasões antigos para as cidades e estados que já possuíam e engendrava, para os que ainda não eram, então, armoriados, o que lhe parecia apropriado aos produtos naturais, aos nomes, às circunstâncias peculiares, dando-lhe um mote adequado.

Brasão de Alagoa do Sul (Marechal Deodoro), criado pelos holandeses. Desenho de Frans Post em 1647

Assim, é que, para o Estado das Alagoas, apresentava um brasão que não era mais que o da antiga povoação da Alagoa do Sul, ao tempo do domínio holandês, concedido por João Maurício de Nassau e cuja reprodução se encontra na estampa 15 da obra de Barléu — Rerum per octenium in Brasilia, encimando-o com uma estrela de prata e dando-lhe as seguintes cores e descrição: “De verde, com três peixes de prata em pala, com a estrela de prata superposta. Mote: (vide estampa 15 de Barléu) Alagoa ad austram”.

Um outro escudo projetado para as Alagoas se encontra na obras de Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues — Bandeiras e Brasões do Brasil — e é assim descrito por seus autores: “Em campo de sinople uma roda dentada sobre uma âncora e um caduceu cruzados em aspas, tudo de ouro; em chefe, ondulado de prata, três peixes postos em roquete, ao natural. Timbre: uma estrela de prata. Suportes: um ramo de algodão e cana de açúcar como atualmente. Fita de prata com os dizeres: Estado de Alagoas em letras de sinople”. Tal projeto era uma tentativa para consertar o atual brasão do Estado. Restaurava o antigo brasão nassoviano de Alagoa do Sul, pondo-se apenas, por motivos de ordem técnica, as tainhas, originalmente dispostas em pala, agora em roquete e emendando-se pelos emblemas apropriados os símbolos do comércio, da navegação e da indústria, tão esdruxulamente representados, como vimos, no atual escudo, por um trem de ferro, uma cachoeira e um navio.

Como se sabe, a Constituição outorgada em 10 de novembro de 1937 pelo golpe de Estado do mesmo mês, dia e ano aboliu as bandeiras, brasões e símbolos estaduais, tornando obrigatória a adoção pelos Estados das armas e bandeiras nacionais, como se constata do seu artigo 2°.: “A bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais são de uso obrigatório em todo o país. Não haverá outras bandeiras, hinos, escudos e armas. A lei regulará o uso dos símbolos nacionais”.

Já a Constituição de 18 de setembro de 1946 veio restabelecer para as unidades federadas o uso de bandeiras e brasões de armas próprios com o artigo 195 das Disposições Gerais: “São símbolos nacionais a bandeira, o hino, o selo e as armas vigorantes na data da promulgação desta Constituição. § único: os Estados e Municípios podem ter símbolos próprios”.

E talvez por encontrar-se, desta vez, claramente expressa no texto constitucional do país (o que não acontecera nas duas primeiras constituições republicanas) a faculdade de criarem-se e adotarem-se bandeiras e brasões, é que se incrementou após 1946 a reforma e a criação de brasões de armas para os Estados e Municípios.

Embora entre nós o decreto n° 373, de 15 de novembro de 1946, assinado pelo então Interventor Federal Prof. Guedes de Miranda, tenha restabelecido o brasão instituído pelo decreto 53, de 1894, suas deficiências e inadequação foram muito justamente sentidas pelo jornalista Carvalho Veras, a quem cabe a iniciativa da campanha para substituição que encaminhou ao então governador Silvestre Péricles de Góes Monteiro um projeto de modificação à época submetido à apreciação do Instituto Histórico de Alagoas.

Todavia, conquanto se lhe deva o incontestável mérito de haver posto em foco o problema e chamado para ele a atenção de possíveis estudiosos, sua correção, por incompleta, foi desaprovada pela Casa das Alagoas, de vez que não era então possível emenda adequada e total. Baseado no parecer do Instituto Histórico, negou-lhe também a devida aprovação o Congresso Estadual para onde o havia enviado o Poder Executivo. E tiveram razão o Legislativo e o Instituto Histórico: desde que não era possível uma correção total e adequada do atual brasão, que se o conservasse quando menos pelo fato de ser o oficial há mais de cinquenta e tantos anos.

Voltou o Governo a preocupar-se com a modificação do antigo escudo havendo nomeado, pela portaria 282, de 9 de outubro de 1956, douta comissão a fim de apresentar projetos de símbolos para o Estado de Alagoas, isto é, de um novo brasão de armas e de uma bandeira que se possa considerar realmente como oficial.

Não fomos, nem poderíamos ter sido convidado a integrá-la, uma vez que nunca nos havíamos dedicado a estudos de história e particularmente de heráldica. Todavia, como nos havia surgido, ao discutir-se no Instituto Histórico de Alagoas, o projeto Carvalho Veras, uma ideia original a respeito de um novo brasão de armas para o Estado, resolvemos concretizá-la na elaboração de um projeto que aqui apresentamos.

Diante dos erros apontados não poderíamos naturalmente partir do brasão oficial. Nele, como vimos, somente os apoios — cana de açúcar e ramos de algodão — eram certos e adequados.

Poderíamos talvez aproveitar algum dos dois projetos já referidos: o do heraldista anônimo do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, ou o de Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues.

Não obstante o valor de seus autores e de algumas ideias aproveitáveis que contêm, um brasão de armas realmente representativo do Estado e baseado em sua história e geografia não o teríamos com qualquer deles.

A adoção do antigo escudo da povoação de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, depois Alagoas, como brasão de armas de todo o Estado poderia, à primeira vista, justificar-se, porquanto foi ela a vila mais importante do território, a escolhida como cabeça de comarca e que deu posteriormente seu nome à capitania, à província e depois ao Estado.

Brasão de Porto Calvo em 1647 por Frans Post

Todavia, como outra povoação da mesma importância histórica – Porto Calvo – possuiu também seu brasão, contemporâneo do de Alagoa do Sul: os três morros unidos em faixa, o do meio mais alto, como se pode ver em Barléu, com a divisa Portus Calvus, seriamos injustos se armoriássemos o Estado somente com o brasão da cabeça da comarca, esquecendo o de um dos seus termos, justamente o primeiro núcleo colonizado da região.

Do mesmo modo, o projeto de brasão de Alagoas, de autoria de Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues, conquanto correto sob o ponto de vista da heráldica, persiste no emprego de símbolos sem significação para o Estado de Alagoas: o comércio, a indústria e a navegação fluvial.

A nossa ideia, surgida quando da discussão do projeto de reforma de Carvalho Veras, no Instituto Histórico de Alagoas, era a de um escudo de certo modo genealógico: um brasão em que procurássemos representar os três núcleos contemporâneos de povoação do território que depois se constituiu em comarca, capitania, província e finalmente em Estado.

Como no brasonário nobiliárquico e familiar se costumam representar os diversos ascendentes, assim no escudo de Alagoas deveríamos fazer os símbolos pertinentes às povoações de que se originou o Estado: Porto Calvo, Alagoas e Penedo.

Não era difícil resolver o problema sobretudo porque, como vimos, haviam sido armoriadas, ao tempo de Nassau, as câmaras de Alagoas e Porto Calvo. Restaria, apenas, o de Penedo que não o recebeu ao tempo da dominação holandesa e nem posteriormente a ela. Todavia, a sua velha denominação e sua origem prestavam-se plenamente à confecção de um “brasão falante“.

A cidade que leva atualmente o nome de Penedo, segundo as próprias palavras de Tomás Espíndola, está colocada metade na planície adjacente ao rio S. Francisco e metade na encosta, e assentada sobre o penedo de que tirou o nome.

Segundo o depoimento autorizado de Diégues Júnior (velho), não há dúvida de que “Penedo teve origem num arraial fortificado“.

Assim, pois, de acordo com a sua topografia e sua história o brasão de Penedo deveria representar “a vila fortificada do Penedo do Rio S. Francisco”. O que é perfeitamente exequível: um forte (figura clássica em heráldica) sobre uma rocha (aliás em Penedo ainda hoje se denomina o penedo de rocheiro) e esta sobre um rio.

Deste modo, tendo-se os escudos das três vilas formadoras da capitania o problema seguinte seria a maneira de os dispor e reunir num escudo único.

Várias soluções poderiam ser apresentadas e nos ocorreram ou a heraldistas a quem consultamos. A primeira solução (a) em que pensamos foi a de um brasão cortado, em 1, com as armas da vila das Alagoas do domínio holandês e em 2, partido, à sinestra, com o brasão de armas de Porto Calvo, da mesma época, e à destra, o que engenhamos para Penedo. Outra solução (b), lembrada pelo saudoso amigo e historiador Gustavo Barroso, foi o escudo escartelado, em 1 e em 4 com as armas da vila das Alagoas, — três tainhas postas em pala, em 2, com as da vila de Porto Calvo e em 3 com as de Penedo. Outras soluções poderiam ainda ser aventadas: (c) — escudo terciado em faisa, em 1 com as armas da vila das Alagoas, em 2 com as de Porto Calvo, em 3 com as de Penedo; (d) – no campo o escudo da vila das Alagoas, e cozidos no chefe e no contra chefe os das vilas de Porto Calvo e Penedo, respectivamente; (e) — partido, com um escudete sobre o todo, em 1, com as armas de Penedo, em 2 com as de Porto Calvo, no escudete as das Alagoas; (f) — cortado, em 1 com as armas das Alagoas, em 2 novamente cortado com as armas de Porto Calvo e Penedo; (g) — escartelado em santor em 1 e 4 com as armas das Alagoas, em 2 as de Penedo e em 3 com as de Porto Calvo, ou: em 2 e 3 as das Alagoas, em 1 as de Porto Calvo e em 4 as de Penedo; etc.

Inclinamo-nos, todavia, por outra solução, menos comum e a nosso ver mais bela e adequada. Inspiramo-nos inicialmente no projeto de J. Waste e Clovis Ribeiro que para corrigir o atual brasão propunham “no chefe, ondulado, de prata, três peixes postos em roquete, ao natural”. Sendo o chefe, isto é, a parte cimeira do escudo, sua porção mais importante e honrosa, resolvemos aí colocar as armas da vila das Alagoas para assinalar a sua proeminência como cabeça da antiga comarca. Partimos, então, o restante do campo do escudo e colocamos à destra o brasão que engenhamos para Penedo: uma rocha, sainte de um mar ondado e movente da ponta, encimado por um forte. Como o Rio S. Francisco era chamado pelos indígenas Paragaçu, isto é, mar grande (Cf. Serafim Leite), por motivos estéticos preferimos, em vez da faixa ondada que simboliza os rios, representá-lo por um mar ondado, movente da ponta.

À sinestra, colocamos o brasão de Porto Calvo — os três morros postos em faixa, o do meio mais alto — porém acrescidos de quatro faixas ondadas, não somente para equilibrá-los com o brasão de Penedo mas por motivos a que nos referiremos mais adiante. Essas quatro faixas representam os quatro rios da então vila de Porto Calvo, o Tapamundé, o Mocaitá, o Comandatuba e o Manguaba, que fazem alusão ao primitivo nome da sesmaria de Antonio de Barros Pimentel: Santo Antônio dos Quatro Rios.

É bem verdade que assim fazendo alteramos os primitivos escudos holandeses. Tais alterações, todavia, se impuseram por motivos tanto estéticos quanto históricos.

Os históricos prendem-se à origem mesma dos brasões de Porto Calvo e das Alagoas. Ideados e concebidos por Nassau poderia sua utilização atual ser taxada de parcialidade e saudosismo para com a ocupação flamenga.

Só uma forte dose de prevenção contra o batavo pode, entretanto, acoimar de suspeito tudo quanto dele provenha ou lembre sua passagem pelo Brasil. A ocupação holandesa foi um fato histórico e o reconhecer e utilizar elementos a ela ligados não pode, a são julgamento, considerar-se parcialidade pelo invasor de três séculos passados.

Não foi parcial João Ribeiro ao dizer que “para nós o período flamengo não é mais história holandesa que nacional”, nem Câmara Cascudo ao afirmar: “Neste ano de 1945 o holandês não é para mim um assunto mas uma presença. Quando dizemos ‘no tempo dos holandeses’, significamos uma vida normal, organizada e lógica, desapercida e lembrada, cheia de elementos humanos, sangrando de naturalidade”. Não o foi também Gustavo Barroso ao nos responder à consulta: “Acha os brasões das tainhas e dos morros condenáveis como símbolos das Alagoas e Porto Calvo, por terem sido concedidos por João Maurício de Nassau, ao tempo da dominação flamenga? — Não, porque representam uma tradição, fatos históricos inegáveis“.

E não o são porquanto o processo e o julgamento da colonização holandesa no Brasil já foram imparcialmente feitos em 1886 pelo ilustre viajante, historiador e sociólogo holandês — o dr. Van Rijekevorsel, no seu Uit Brasillitê: “O Brasil não é para lamentar por no-lo terem os portugueses reconquistado porquanto se, como possessão, talvez houvéssemos tornado-o mais rendoso que eles o souberam fazer durante o seu longo domínio, também é certo que jamais teríamos conseguido colonizá-lo tão bem e em tão vastas proporções”. (Apud Câmara Cascudo).

Se as duas vilas possuíam brasões de armas, mesmo do domínio holandês, é lógico que, para dar uma base histórica ao escudo engenhado com as três vilas que formaram a província, não nos poderíamos servir de outros símbolos para representar as duas povoações.

Tinha, aliás, a favor a orientação tanto do heraldista do Jornal do Comércio”, de 1890, quanto a de Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues que se serviram do brasão das tainhas em seus projetos.

Porto Calvo em 1647 por Frans Post

Demais, a increpação de holandeses aos brasões nassovianos estriba-se apenas no fato de terem sido ideados por um flamengo. Em sua simbologia nada lembram da Holanda. São figuras legitimamente brasileiras, inspiradas na região que representam, como muito bem opinou Gustavo Barroso diante de nossa consulta: “demonstram eles que a inspiração foi regional, pois os elementos heráldicos são todos do país. O que não é de admirar-se, pois está dito no Relatório ou Carta Coletiva do Supremo Conselho do Brasil, no Recife, à Assembleia dos XIV, em Amsterdam, a 6 de outubro de 1636, traduzido por Alfredo de Carvalho: “Havendo as câmaras de Justiça solicitado que lhes fossem concedidas armas, com as quais selassem as suas atas e mais papéis, Sr. Excia. (o Conde de Nassau) se dispôs a organizar algumas armas que, de certo modo, tivessem analogia com a situação da capitania e expressassem algum dos seus característicos).

Não obstante estivéssemos em boa companhia e com bons motivos para utilizar os brasões das Alagoas e de Porto Calvo, tais como ideados por Nassau, preferimos, no escopo de evitar qualquer má interpretação, modificá-los, assim os diferençando dos flamengos.

Há em Heráldica certas modificações do escudo — as diferenças que alteram o significado do brasão original. São a quebra e a brica, indicativas de distinção de parentesco ou imposição de penalidades; a inversão e alteração de cores e metais; diminuição de peças e figuras nobres; subdivisão dos quartéis, redução do número e mudança de posição dos atributos, acréscimos de novos, etc. Valemo-nos de algumas dessas modificações para isentar o nosso projeto da incriminação possível de brasão holandês. E tratando-se de brasão de domínio e não de família, utilizamos de preferência as últimas modificações: cores, posição e acréscimo de atributos, etc.

Embora Alfredo de Carvalho houvesse afirmado não ser mais “possível determinar com exatidão quais fossem as primitivas cores ou metais dos brasões do Brasil Holandês, visto que em nenhuma das gravuras vêm os esmaltes indicados por meio dos pontuados ou fundos convencionais”, mais adiante confessou “que em alguns exemplares da edição princeps da obra de Barléu os escudos se acham coloridos à aquarela, mas de modo arbitrário e, por vezes, em flagrante contradição das regras da teoria do brasão”. Talvez num desses exemplares coloridos se tivesse baseado Câmara Cascudo para afirmar: “Á Alagoa do Sul, linda Manguaba, Alagoa ad Austrum, rica em pescado, foi dada pelo Conde de Nassau o brasão com as três tainhas, postas em pala no campo verde do escudo. É de notar-se, porém, que outros autores, como Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues, interpretaram diferentemente as cores do escudo das tainhas como se pode ver em sua obra Brasões e Bandeiras do Brasil: “Alagoas (Três tainhas em faixa) Sendo o campo do brasão que aí é uma tarja decorativa de branco, ou seja, prata, devem ser as tainhas de sua cor. Portanto, podem-se ler as antigas armas de Alagoas: de prata, com três tainhas de sua cor, nadantes”.

Quanto aos morros de Porto Calvo, talvez fossem eles de negro, pois assim estão descritos no projeto que para essa cidade, baseado no brasão nassoviano, fez o autor do trabalho do “Jornal do Comércio” de 1890.

Além desses motivos de ordem histórica, a modificação dos brasões nassovianos de Alagoas e Porto Calvo obedeceu ainda a razões de natureza estética; a conveniência, senão a obrigação, de uniformizar as cores do escudo com as de uma bandeira, e o seu equilíbrio entre o campo e as peças honrosas do chefe e do contra chefe.

De igual modo, as outras modificações que adiante enunciaremos colimaram não somente o objetivo de o diferençar dos nassovianos quanto de tornar mais belo, vivo e equilibrado o projeto.

Seguimos Clovis Ribeiro e J. Wast Rodrigues ao modificar a posição em pala das tainhas das Alagoas colocando-as num chefe ondado, postas em roquete, a fim de obter não só uma diferença, como uma melhor disposição no espaço mais reduzido. Aliás, posteriormente, resolvemos dispor as tainhas em contra-roquete que ainda melhor aproveita o espaço e nos pareceu disposição mais harmoniosa com o conjunto. O chefe ondado justifica-se para aumentar a expressividade do simbolismo geográfico do brasão das tainhas, uma vez que ele também indica a faixa litorânea do Estado.

A modificação do desenho dos morros de Porto Calvo obedeceu, antes de tudo, a motivos estéticos. A forma dos morros encontrada em Barléu é irregular e deselegante. Mesmo o desenho do selo encontrado na coleção Gerard Schaep e reproduzido por Alfredo de Carvalho, em bora de melhor traço, é ainda irregular. Daí havermos regularizado as linhas dos morros, dando-lhes a forma arredondada dos morros heráldicos.

Já a inclusão das faixas ondadas obedeceu a quádruplo objetivo: estético, a fim de equilibrar no desenho e nas cores o contra chefe de Porto Calvo com o de Penedo que, segundo vimos, representamos por um mar ondado; heráldico, para afirmar uma diferença em relação do original nassoviano; histórico, para rememorar a antiga sesmaria de Antonio de Barros Pimentel — Santo Antônio dos Quatro Rios, segundo já vimos e, por fim, geográfico, pois os rios ainda melhor caracterizam a zona fisiográfica a que Porto Calvo pertence — a zona da Mata — montanhosa e cortada de rios perenes.

Seriam, porém, tais diferenças suficientes para retirar ao escudo de Alagoas e Porto Calvo seus defeitos de origem: confecção por um holandês e para o domínio flamengo? Cremos que sim. A adoção dessas diferenças e a própria forma do escudo português bastam para identificar nossas origens étnicas e políticas. Não tem outra opinião Gustavo Barroso, consultado a respeito: “A forma do escudo tradicional português é bastante para lembrar nossa origem cultural, racial e política porque o contorno do escudo encerra todos os seus elementos internos.”

Este escudo tripartite teria um sentido histórico: a formação da comarca, capitania e depois província das Alagoas com as três povoações que iniciaram o povoamento do território do atual Estado e, ao mesmo tempo, um sentido geográfico, pois em cada uma das três figuras simbólicas do escudo se representam as três principais e primitivas zonas fisiográficas: no chefe ondado, com as três tainhas, a zona litorânea, costeira, de grandes e pequenas lagoas ou lagunas; nos morros, com os rios, a zona da mata, montanhosa, cortada por vales fluviais; e, por fim, no mar ondado com a rocha, a região sanfranciscana que então englobava não só a ribeira do São Francisco mas também todo o sertão e agreste.

A este escudo aporíamos os ornamentos indicados para o caso: como timbre a estrela de prata de cinco pontas; como apoios, à destra, um colmo de cana de açúcar e à sinestra, um ramo de algodoeiro, ambos de sua cor, como no brasão atual.

Restaria entre os ornamentos o listel com a divisa. Nada mais indicado para esta que palavras retiradas do decreto real de 16 de setembro de 1817 que desmembrou a comarca das Alagoas com os seus dois termos de Penedo e Porto Calvo da Capitania de Pernambuco, constituindo-a em Capitania autônoma.

Decreto real da Emancipação

E nesse decreto certamente as mais adequadas serão as mesmas que o iniciam: “Convindo ao bom regime deste Reino do Brasil e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, etc.”. Para o bom regime e prosperidade, eis a divisa adequada ao nosso projeto. Se “para o bom regime e prosperidade é que El-Rei D. João VI constituiu a nova capitania pela reunião das três vilas, nada mais justo que tais palavras, como dístico, num brasão que simboliza justamente a reunião dessas três vilas.

Uma tradução latina mais sintética dessas palavras seria: — AD BONUM ET PROSPERITATEM. Teria a vantagem de traduzir e referir-se — não somente ao citado bom governo, bom andamento dos negócios públicos — bonum publicum — mas também ao interesse, à vantagem, à utilidade, tanto para o Reino, quanto para os habitantes da comarca: “em benefício geral do Estado e em particular dos seus habitantes e da minha real fortuna” como depois vem a declarar o decreto leal. E a própria Prosperitatem tanto se pode referir ao reino quanto à recém-criada capitania. E sendo, assim, tradução das primeiras palavras do decreto real que criou a nova unidade administrativa não deixa a divisa de proclamar uma aspiração que deve ser a de uma comunidade ou estado que se inicia. Lembre-se, aliás, que a palavra Prosperidade faz parte do atual brasão e razoavelmente, como acabamos de ver.

Ligamos, assim, na mesma divisa a praxe heráldica de fazê-la exprimir uma aspiração comum ao critério histórico que inspirou o brasão: a reunião das três vilas formadoras da capitania. O dístico AD BONUM ET PROSPERITATEM entrosa-se perfeitamente com a ideia que presidiu o arranjo do brasão. Para o bem e a prosperidade é que as três vilas se reuniram em uma nova capitania.

A escolha das cores foi o último problema a ser resolvido.

Inicialmente pensamos em dar ao chefe, bem como aos morros de Porto Calvo, o esmalte ou cor verde, combinando-o ao branco das tainhas (prata) e do campo ao vermelho da rocha e forte do Penedo, e ao azul dos rios de Porto Calvo e do mar ondado do Penedo. Seriam, portanto, quatro as cores do escudo: branco, vermelho, azul e verde.

Resolvemos, posteriormente, eliminar do escudo esta última cor para nos ater às cores do atual brasão, pelo menos daquelas que se representam na policromia publicada no Diário Oficial do Estado, de 16 de setembro de 1917, 1° centenário de Alagoas: o azul, o vermelho e o branco.

Realmente, nessa reprodução o azul está no céu das paisagens de sinestra e destra e na fita do mote: Estado de Alagoas; o vermelho, nas margens da Cachoeira, na planície da sinestra e na fita com a palavra Brazil; o branco, na estrela, nas águas da Cachoeira, no mar (figurado em claro com ligeiras raias azuis) e na fita com as palavras Paz e Prosperidade.

Por isso fizemos o campo do escudo de prata, isto é, de branco, que em simbologia heráldica representa a alegria, característica de nossa luminosa paisagem. Para os quatro rios de Porto Calvo, para o Rio São Francisco e para o chefe reservamos a cor azul (blau), característica dos rios e lagos e que significa na simbologia a formosura e a serenidade. Os morros ficaram de vermelho, cor da argila de que são formados. Igualmente o rochedo e o forte de Penedo. Sendo o vermelho (goles) na sua simbologia sinal de valor, atrevimento, intrepidez, sua utilização para os morros de Porto Calvo e para a rocha e o forte de Penedo significam a intrepidez e a bravura que tiveram os habitantes das duas povoações nas lutas contra os invasores batavos. Os peixes tainhas — foram figurados de prata, quase a sua cor, contrastando muito bem as sim com o chefe azul e harmonizando-se com a cor do campo.

Para os suportes — colmo de cana de açúcar e ramo de algodoeiro — empregamos as suas cores, as mesmas que se encontram no brasão atual: verde de duas tonalidades para as folhas da cana e do algodoeiro; branco para os capuchos do algodão e amarelo para as flores do algodoeiro e pendão da cana de açúcar.

Para as cores do listel seguimos uma sugestão do nosso caro mestre Gustavo Barroso. A fim de estabelecer uma ligação entre o nosso brasão de armas e o da República lhe demos as cores nacionais: de verde (sinopia) filetado de outro (amarelo) com letras do mesmo.

Este brasão de armas, explicado perfeitamente nas antecedentes e justificado pelos pontos de vista: genealógico, histórico, geográfico e heráldico, tem a seguinte leitura revista pelo saudoso historiador e heraldista Gustavo Barroso:

LEITURA:

Escudo português antigo, em posição natural, partido de prata. À destra com um rochedo de goles (vermelho), sainte de um mar ondado é movente da ponta que sustem uma torre também de goles (vermelho), que é de Penedo; à sinestra, com três morros de goles (vermelho), unidos, o do meio mais alto, saintes de um contra-chefe de oito, faixas ondadas de blau (azul) e prata, alternadas, que é de Pôrto Calvo. No chefe, ondado de blau (azul), três tainhas nadantes de prata, postas em contra-roquete, que é das Alagoas. Por apoios, à destra, um colmo de cana de açúcar empendoado, e à sinestra, um ramo de algodoeiro, encapuchado e florado, ambos de sua cor. Em cima, estrela de prata, de cinco pontas, como timbre. Em baixo, listel de sinopla (verde), debruado de jalne (oiro), com o mote: AD BONUM ET PROSPERITATEM, em letras do mesmo.

Tais cores e tal escudo teriam a grande vantagem de poderem ser facilmente aproveitados para a confecção de uma bandeira significativa para as Alagoas.

Não possui o Estado de Alagoas, pelo menos oficialmente, uma bandeira. Figura, entretanto, embora sem qualquer aprovação do Poder Legislativo ou Decreto do Executivo, como pavilhão do Estado, uma bandeira partida em pala, de vermelho e branco, com o escudo, metade sobre a cor vermelha e metade sobre a branca. Tal bandeira, segundo informação do prezado mestre e historiador Prof. Jaime de Altavila, foi ideada por Miriam Lima, ilustre pintora conterrânea, ao tempo do governo do seu pai, Bel. Fernandes Lima. As cores escolhidas eram as da preferência da pintora, partidária de um dos clubes esportivos da Capital, que adotara tais cores como suas. Por esquecimento, naturalmente, deixou o citado governador de promulgar qualquer ato oficializando tal pavilhão.

A pedido do prof. Jaime de Altavila, presidente do Instituto Histórico de Alagoas, quando lhe demos notícia de que estávamos a trabalhar num projeto de brasão de armas, resolvemos igualmente confeccionar um projeto de bandeira para o Estado, concordante com o primeiro. (3)

Brasão projetado por Théo Brandão e um dos desenhos utilizados atualmente, já apresentando algumas modificações em relação ao original

Brasão de armas de Alagoas: LEITURA — Escudo português, em posição natural, partido de prata. A destra um rochedo de goles (vermelho), sainte de um mar ondado e movente da ponta que sustem uma torre também de goles; à sinestra, com três morros de goles, unidos, o do meio mais alto, saintes de um contra-chefe de oito faixas ondadas de blau (azul) e prata, alternadas. No chefe, ondado de blau, três tainhas nadantes de prata, postas em contra-roquete. Por apoios, à destra, um colmo de cana de açúcar empendoado, e à sinestra, um ramo de algodoeiro, encapuchado e florado, ambos de sua cor. Em cima, estrela de prata, de cinco pontas, como timbre. Em baixo, listel de sinopla (verde), debruado de Jalne (oiro), com o mote: Ad bonum et prosperitatem, em letras do mesmo.

Havendo escolhido para o brasão, pelos motivos já expostos, as cores vermelha, azul e branca, é claro que tais cores deveriam ser as mesmas da bandeira. E como a bandeira não oficial, mas que circula como bandeira do Estado, já encerra as cores vermelha e branca, teríamos apenas que acrescentar-lhe o azul na mesma disposição: partida em pala, três vezes, isto é, terciada em pala. Essa bandeira de três cores, que assim acompanha o nosso projeto de brasão e o próprio brasão atual, além de sua beleza tem a vantagem de exprimir as cores preferidas dos alagoanos. Pois que o azul e o branco de um lado, e o vermelho e o branco de outro, são as cores dos dois tradicionais e mais importantes clubes esportivos da Capital, e que em determinada época chegaram a dividir em parcialidades toda a população da Capital e do Estado.

Além disso, vermelho e azul, frequentemente reunidos pela neutralidade do branco, são as cores características dos partidos dos autos tradicionais e populares que o Estado, mais que todas as outras unidades da Federação, ainda hoje conserva: Pastoris, Bahianas, Cavalhadas, Quilombos, Cabocolinhos, partidos que igualmente dividem, na época natalina sobretudo, toda a população do Estado.

Tais motivos, parecem-nos, impõem a adoção de tais cores: azul, vermelho e branco como de uma bandeira verdadeiramente representativa das tradições populares e da própria história das Alagoas.

Nos Pastoris, o encarnado (vermelho) fica à esquerda de quem olha

A ordem de colocação dessas cores na bandeira, não só para a diferençar do pavilhão francês que as possui iguais, quanto para obedecer à colocação das cores nos cordões dos autos populares, seria a seguinte: vermelho, branco e azul. (4)

Ao centro, sobre a cor branca, colocaríamos o brasão de armas, naturalmente o do nosso projeto. E como é praxe não levarem as bandeiras inscrições retiraríamos do brasão o listel com o dístico ao inscrevê-lo na bandeira.

E assim teríamos também o nosso projeto de bandeira do Estado com a seguinte leitura:

Bandeira retangular, terciada em pala, de vermelho, branco e azul. Ao centro, o brasão de armas sem o mote.

Nas formas acima descritas acreditamos preencham os nossos projetos de brasão de armas e de bandeira todas as condições para inculcar-se como um brasão e bandeira representativos das Alagoas. E assim o julgamos diante da opinião de nossos ilustres confrades do Instituto Histórico de Alagoas que calorosamente o aplaudiram, como Jaime de Altavila, Paulino Santiago, Luís Lavenére, Felix Lima Júnior, Carlos de Gusmão, Djalma Mendonça e até de ilustres mestres brasileiros da história e da heráldica. Além de Hermann Neeser, heraldista baiano, que achou a nossa solução como a mais adequada para expressar a nossa ideia do brasão tripartite e de Alberto Lima, do Gabinete Fotográfico do Exército, que a aplaudiu calorosamente, devemos citar as opiniões enviadas por escrito pelos dois grandes mestres: Gustavo Barroso que assim se expressou em carta de 29 de agosto de 1957: “o projeto de brasão que me mandou está bastante bem concebido” e de 7 de novembro do mesmo ano: “Quanto ao seu belo trabalho sobre o brasão de armas de Alagoas só merece os mais francos elogios”; e Câmara Cascudo que assim opinou sobre o projeto final: “Se precisa da bênção do Papai-velho aí a tem e calorosa: o escudo atende aos requisitos heráldicos e é expressivo como representação simbólica das Alagoas. O escudo está vivo e bonito. Agradou-me muito. O certo é que é tanto mais simples, com menos elementos, melhor, mas Alagoas Se materializa justamente nas formas que você excelentemente escolheu“. (Carta de 25-11-1957).

Bandeira de alagoas criada por Théo Brandão

Havendo levado em duas comunicações ao Instituto Histórico de Alagoas os nossos projetos de brasão de armas e de bandeira, devemos declarar que ao fazê-lo não nos moveu outro intuito que o de trazer uma contribuição pessoal ao assunto, contribuição de menor importância no que se refere à execução do projeto, talvez ainda passível de correção e melhoria, e mais essencial no que respeita à ideia básica que orientou sua confecção: escudo tripartite com as armas das três povoações que formaram a província. E essa ideia que lançamos antes de tudo à apreciação e crítica dos estudiosos e entendidos no assunto que lhe poderão dar talvez outra solução mais bela, mais adequada, feliz e harmoniosa.

Devemos declarar que para a realização dos nossos projetos contamos com a colaboração e ajuda de vários mestres e amigos aos quais aqui agradecemos por seus ensinamentos, sugestões, empréstimos de livros, indicações de obras, etc., tais como o saudoso mestre Gustavo Barroso, fundador do Museu Histórico Nacional, Jaime de Altavila, presidente do Instituto Histórico de Alagoas, Luís da Câmara Cascudo, ilustre mestre da História, da Etnografia, do Folclore e da Heráldica, Prof. Luís Lavenére, Padre Humberto Cavalcanti e Cônego Hélio Sousa, a quem consultamos a respeito das diversas divisas examinadas para escolha; Prof. Luís Monteiro, do Instituto Histórico da Bahia, que nos facilitou a consulta de várias obras indispensáveis da Biblioteca dessa instituição e que nos indicou igualmente vários trabalhos que nos foram extremamente úteis; meu irmão, dr. Werther Brandão, que muito nos auxiliou com a indicação e empréstimo de várias obras e com quem discutimos alguns pontos de trabalho e, por fim, o meu eminente colega, prof. Abelardo Duarte, a cujos oportunos reparos pudemos escoimar nosso projeto de qualquer má interpretação e impropriedade. A todos o nosso sincero reconhecimento.

Nota

Já havíamos redigido este trabalho e entregue à composição quando tivemos oportunidade de apreciar um brasão de armas de Penedo: um escudo de formato semelhante ao atual de Alagoas com uma grande estrela de cinco pontas ao centro, carregada das figuras de um forte à antiga e uma rocha. Talvez sob a rocha um rio. No campo do escudo ainda, passando sob a estrela, duas verguetas e entre elas no chefe, postas em pala, três pequenas estrelas e, no contra-chefe, igualmente outras três. Entre as pernas inferiores das estrelas a palavra Primaz. Em cima, como timbre um sol nascente; em baixo, como divisa as palavras Cidade de Penedo e, como suportes, os ramos de algodão e cana de açúcar, como no brasão de Alagoas.

Tal brasão, segundo informação do historiador Carlos Santa Rita, encontrava-se na fachada da sede da Prefeitura Municipal de Penedo. Contudo, não o pudemos descobrir. Outrossim, não pôde informar o citado historiador se o brasão havia sido adotado oficialmente pelos poderes municipais de Penedo.

Conforme informação de Moacir Sant’Ana, o mesmo brasão encontra-se esculpido na fachada do Palácio do Governo de Alagoas; acreditando o abalizado historiador, que deve ter sido organizado pelo engenheiro Luccarini, construtor do citado palácio.

O brasão, tirante as impropriedades, tais como sol nascente como timbre, verguetas, estrelas e a palavra Primaz, corresponde nas suas verdadeiras figuras à mesma ideia do escudo que engenhamos para Penedo — forte, rocha e rio. Portanto, mesmo ignorando fomos levados à mesma concepção de quem brasonou anteriormente a cidade de Penedo.

______

(1) Demo-nos ao trabalho de procurar nos atos legislativos de Alagoas a aprovação do Congresso Estadual ao decreto n. 53 que estabeleceu as armas do Estado, não o encontrando, todavia. Nem mesmo & remessa do decreto no Congresso para fins de aprovação. O fato explica-se naturalmente por que, assinado o decreto a 25 de maio, já em junho era deposto o governador Gabino Besouro, quando ainda o legislativo se encontrava em recesso. Até 15 de novembro de 1946 o presente brasão de armas não fora, pois, perfeitamente oficializado. Então, é que o Interventor Guedes de Miranda, pelo Decreto n. 373, revigorando-o, lhe deu inteira oficialização.

(2) Embora suspeitássemos que o autor do atual brasão de armas de Alagoas fosse o próprio Governador Gabino Besouro, não tínhamos, até certo tempo, prova ou depoimento a respeito. Recentemente, porém, o conseguimos através do ilustre confrade dr. Alfredo de Maia, que privou da intimidade de Gabino Besouro e nos confirmou sua autoria.

(3) Ignorávamos até recentemente (fev. de 1961) que o prof. Jaime de Altavila tivesse elaborado um projeto de bandeira para o Estado de Alagoas. Somente então, ao ser apresentado na Assembleia Legislativa do Estado o projeto de Lei n° 332, de 27 de fevereiro de 1961, pelos deputados Rubens Canuto e Machado Lobo, criando uma bandeira e uma flamula do Estado, é que na justificação do mesmo lemos haver o provecto mestre Jaime de Altavila apresentado um projeto de bandeira em 1932, bandeira que o citado projeto de Lei procura oficializar. Tal bandeira pode ser assim descrita: bandeira retangular, terciada em faixa de verde, branco e azul. No centro da faixa branca um diadema de estrelas doiradas (amarelas) circundando um barrete frígio de vermelho. Houve também um projeto do falecido acadêmico desembargador Augusto Galvão: um retângulo de azul com um triangulo branco ao centro.

(4) Recentemente o Diretório Regional de Geografia houve por bem aprovar uma modificação de nosso projeto: bandeira retangular, terciada em banda, de vermelho, branco e azul. A fim de tornar mais fácil a execução dessa bandeira decidiu não incluir na banda branca o escudo, reservando-o para uma flamula que terá a mesma disposição e cores, isto é, terciada em banda, de vermelho, branco e azul com o brasão de armas de Alagoas, sem o mote, no centro da banda branca.

DESENHOS DO BRASÃO DE ARMAS E DA BANDEIRA PARA O ESTADO DE ALAGOAS

projetados por Théo Brandão

Representação convencional das cores:
Branco — prata
Branco com pontilhado preto — amarelo ouro
Linhas horizontais — azul
Linhas verticais — vermelho
Linhas oblíquas da esquerda para direita e de cima para baixo — verde

NOTA:

A fim de tornar o dístico mais aparente, as letras do mesmo foram desenhadas, em vez de branco pontilhado de preto, de negro.

Convirá utilizar esta modificação toda a vez que não for empregada à sua reprodução em cores.

BIBLIOGRAFIA

Obras citadas

  1. BARLAEUS, Gaspar. Rerum per octenium in Brasilia… Amstelodami (Amsterdam) 1647.
  2. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937.
  3. _______ Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 10 de setembro de 1946.
  4. “BRASÕES do Brasil”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1891.
  5. CARVALHO, Alfredo de. “Os brasões d’armas do Brasil holandês”. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, Recife v. X, II. 61, março 1904.
  6. CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia do Brasil holandês. Rio de Janeiro, 1956.
  7. DIÉGUES JUNIOR, Manuel. O banguê nas Alagoas. Rio de Janeiro, 1949.
  8. ESTADO DE ALAGOAS. Coleção de leis e decretos do Estado de Alagoas promulgados em 1894. Maceió, 1895.
  9. LEITE, Serafim (padre) História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa—Brasil, 1938—1950, 10 v.
  10. RIBEIRO, Clóvis e RODRIGUES, J. Wast. Bandeiras e brasões do Brasil. Rio de Janeiro, 1933.

Obras consultadas

  1. ANDRADE, Pedro Baltazar de. Heráldica. Ciência y arte de los blasones, Barcelona, 1954.
  2. BARROSO, Gustavo. Introdução à técnica dos museus. Rio de Janeiro, 1956, 2 v.
  3. BRANDÃO, Moreno. “Esboço da História de Alagoas”. In: O Centenário da emancipação de Alagoas. Maceió, 1919.
  4. D’HARCOURT, Genevieve e DURIVALUT, Georges. Le blatson. [Paris] 1949.
  5. ENCICLOPEDIA dos municípios brasileiros — Alagoas-Sergipe. Rio de Janeiro, 1959.
  6. GÓES, Eurico. Bandeira & armas do Brasil. São Paulo, 1935.
  7. NUNES, Dagoberto. Enciclopedia de las artes. Barcelona, s. d.
  8. ROBINSON, Sir. Cristopher Lynch e ROBINSON, Adrian Lynch. Intelligible heraldry. London, 1948.
  9. SAMPAIO, Antônio Villasboas e. “Brasões de Portugal, da nobiliarquia portuguesa… Anuário Genealógico Brasileiro, S. Paulo, v. VI, 1944.
  10. SILVA, Manoel Moreira e. Fisiografia de Alagoas. Maceió, 1919.
  11. VASCONCELOS, Rodolpho Smith de. Archivo nobiliarchico brasileiro. Lausanne, 1918.

Nota do História de Alagoas:

O brasão de armas de Alagoas, projeto do professor Théo Brandão, foi instituído pela mesma Lei que estabeleceu a bandeira do Estado (Lei nº 2.628 de 23 de setembro de 1963).

É assim descrito:

“Escudo português antigo, em posição natural, partido de prata. À destra com um rochedo de goles (vermelho), sainte de um mar ondado e movente da ponta que sustem uma torre de goles (vermelho), que é de Penedo; à sinestra, com três morros de goles (vermelho), unidos, o do meio mais alto, saintes de um contra-chefe de oito faixas onduladas de blau (azul) e prata, alternadas, que é de Porto Calvo. No chefe, ondado de blau (azul), três tainhas nadantes de prata, postas em contra-roquete, que é das Alagoas (Alagoas do Sul, atual Marechal Deodoro). Por apoios, à destra, um coimo de cana-de-açúcar empendoado, e à sinestra, um ramo de algodoeiro, encapuchado e florado, ambos de sua cor. Em cima, estrela de prata, de cinco pontas, como timbre. Em baixo, listel de sinopla (verde) debruado de jalne (oiro) com o mote: AD BONUM ET PROSPERITATEM”.

1 Comentário on Um brasão de armas e uma bandeira para as Alagoas

  1. Boa TARDE!!!

    Parabéns ficou muito boa a explanação acho que o Estado deveria fazer uso dela para futura revitalização do Brasão Estadual.

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