Ipioca e a Igreja de Nossa Senhora do Ó

A história da Igreja de Nossa Senhora do Ó está vinculada diretamente ao surgimento e crescimento do povoado de Pioca (Ipioca no final do século XIX), que passou a existir a partir da principal atividade econômica da região Norte da província, a exploração da cana de açúcar.

Chegou a ser Vila de Pioca, por determinação da Lei nº 840, de 10 de junho de 1880. Essa norma foi revogada pela Resolução nº 859, de 22 de janeiro de 1882, no seu Artigo 2º (foi sancionada no dia 21 de junho de 1882). No Artigo 3º, suprime também, com a aprovação do Prelado Diocesano, a Freguesia de Pioca, transferindo sua sede para a vila de São Luiz do Quitunde. O que se denominou como “excedente do distrito de paz de Pioca” passou a pertencer à freguesia de Jaraguá. O distrito de paz de Meirim foi repassado para a freguesia de Maceió.

Igreja de Nossa Senhora do Ó em 1924

A denominação vem do Riacho Pioca. Nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do XX, conviveram as duas formas da denominação do lugar: Pioca e Ipioca. A partir dos anos da década de 1930, Ipioca passou a predominar.

É provável que o povoamento do hoje Distrito de Floriano Peixoto tenha precedido ao de Maceió, que também se originou da mesma atividade.

Não há registros precisos do início do povoamento de Ipioca, como era conhecida então, mas um antigo cruzeiro que ficava em frente à igreja tinha uma inscrição com a data de 1627.

Sobre a igreja, também não se conhece a data da sua construção. Como ela tem características arquitetônicas dos fins do século XVIII, há a possibilidade de ter sido erguida nesse período.

Há pesquisas que situam sua construção em 1785, indicando também que sofreu intervenções ornamentais no século XIX.

Um relatório da Diretoria Geral de Estatística do Ministério dos Negócios do Império, datada de 1874, publicou que a data da criação da paróquia de N. S. do Ó e Santo Antônio do Mirim do Pioca como sendo 22 de janeiro de 1792. O bispo de Pernambuco a “julga criada de 1782 a 1785”.

Igreja de Nossa Senhora do Ó em 1940. Foto acervo MISA

Sabe-se que a criação da freguesia de Ipioca ocorreu em 1713 e ainda que a instalação da Irmandade do Santíssimo Sacramento do Meirim se deu em 19 de dezembro de 1878.

Nas primeiras décadas do século XIX, o local ainda era conhecido como Santo Antônio do Meirim e a Matriz também era do Meirim, sob o curato de Nossa Senhora do Ó e Santo Antônio do Mirim do Pioca.

Em 1825, o vigário colado da freguesia era Francisco D’Assis Barboza. Algum depois anos surge o nome do padre Pedro Pacífico de Barros.

O desenvolvimento do povoado era tal que em 1819 já existiam 12 capelas na freguesia e a matriz era reconhecida pela riqueza de seus ornamentos e o esplendor do culto. No início do século XIX o vigário era o padre Francisco de Assis Barbosa.

Igreja de Nossa Senhora do Ó em 1971

Em meados dos oitocentos, Ipioca superava Maceió e os negócios realizados em seu movimentado porto. É o que mostram as estatísticas de 1847 organizadas pelo chefe de polícia, dr. João Paulo de Miranda. Tinha uma população de 6.726 indivíduos livres e 3.205 escravos.

A prosperidade da região era o resultado de uma economia movimentada por plantadores de cana, fabricantes de açúcar bruto e criadores de gado.

Também tinha expressivas lideranças políticas, a exemplo do tenente-coronel José de Araújo Peixoto, tio de Floriano Peixoto e proprietário do Engenho Pioca. Floriano nasceu no Engenho Ponte Grande em 30 de abril de 1839, filho do coronel Manoel Vieira de Araújo Peixoto.

Quando, em 4 e 5 de outubro de 1844, tropas oriundas de Santa Luzia do Norte, Pioca, Gitituba, Quitunde, Atalaia e Imperatriz (entre 600 e 700 homens) atacaram Maceió, dominando o quartel defendido pelo tenente Manoel Agostinho e colocando em fuga, no iate de guerra Caçador, o presidente da Província, Bernardo de Souza Franco, o tenente-coronel José de Araújo Peixoto era um dos líderes dessa rebelião.

Eram os últimos embates entre Lisos e Cabeludos. Essa revolta foi derrotada com o deslocamento de forças militares do Rio de Janeiro e Bahia. José Peixoto conseguiu fugir, voltando somente quando não mais corria risco de ser detido. Perdeu a patente da Guarda Nacional, mas a reconquistou pouco tempo depois.

O censo de 1847 registrou a existência de 9.931 indivíduos morando em Pioca (6.726 livres e 3.205 escravos).

Em 1856, entre os engenhos existentes na freguesia, há registros dessas três unidades: Duas Bocas, Pratagy da Praia e Pratagy Grande.

Quatorze anos depois, Ipioca contava 56 engenhos de açúcar e uma população de 13.994 indivíduos, dos quais 3.326 escravos.

Além do porto de Jaraguá, a vinculação de Pioca com Maceió se deu também por motivos eleitorais. Foi o Decreto nº 1.796, de 1º de agosto de 1856 — dividiu Alagoas em cinco distritos eleitorais —, que agrupou no liderado por Maceió as paróquias de Pioca, Santa Luzia do Norte e Alagoas (atual Marechal Deodoro).

A riqueza produzida na região também era compartilhada com a irmandade responsável pela igreja, que tinha em 1860 um patrimônio considerável de terras ao redor da matriz, além de algumas partes no engenho Cachoeira do Meirim.

Em 1873, a paróquia de Nossa Senhora do Ó e Santo Antônio do Mirim de Pioca, no município de Maceió, tinha 2.073 casas habitadas, 44 desabitadas e 2.132 “fogos”. Nas fazendas tinha ainda 46 habitações de trabalhadores.

A população era de 11.413 indivíduos (9.134 livres e 2.099 escravos). Entre os livres, 4.768 eram homens e 4.546, mulheres.

A população escrava era composta de 1.151 homens e 943 mulheres; 1732 solteiros, 280 casados e 87 viúvos; 2.099 católicos; 1.874 brasileiros e 225 estrangeiros. Todos analfabetos.

Entre estes estrangeiros, 215 eram africanos, 6 portugueses, 3 italianos e 1 espanhol.

Os solteiros chegavam a 5.955 e os casados a 2.099. Existiam 574 viúvos. Os católicos eram 9.314 e o distrito recebia 42 estrangeiros.

Sabiam ler e escrever somente 1.028 indivíduos. Na população escolar entre 6 e 15 anos de idade, 172 frequentavam escolas e 1.994 não.

Pioca tinha um professor, Guilhermino Martins Monteiro, e uma professora, Angélica Rosa da Silva Pita.

Por profissão, se dividiam assim: 2 religiosos, 2 notários/escrivães, 3 oficiais de justiça, 13 professores e “homens de letras”, 13 artistas (artesãos), 21 marítimos, 113 pescadores, 67 capitalistas e proprietários, 26 manufatureiros e fabricantes, 84 comerciantes (com guarda-livros e caixeiros), 210 costureiros, 289 operários, 1.306 lavradores; 4.531 criados, jornaleiros e empregados e serviços domésticos. 4.733 não tinham profissão.

Em 1875, tinha 52 engenhos em funcionamento.

Em outubro de 1874, circulou nos jornais a informação que em Pioca havia sido descoberta uma fonte de água milagrosa, com seus efeitos reconhecidos pelo vigário. Logo formaram-se romarias em busca da cura dos seus males.

Como o padre e a igreja precisavam de recursos, logo surgiu uma caixinha ao lado da fonte para que nela fossem deixadas esmolas por recomendação do padre.

Logo surgiram protestos, como o publicado no Labarum, que questionava se seria permitido ao vigário “tosquiar até a pele as ovelhas confiadas aos seus cuidados”. Reclamava também das roupas sujas deixadas no local. Fazia parte do rito de cura deixar ali as vestes que os doentes usavam ao chegar.

O padre proibia que se queimasse a montanha de roupas sujas e fedorentas, “concorrendo assim para o estabelecimento de um foco de miasmas”. “Quem sabe que peste nãos nos trará o tal milagre?”, questionava o jornal alagoano.

A Lei nº 840, de 10 de junho de 1880, elevou Ipioca a vila. Entretanto, com a Resolução nº 869, de 22 de junho de 1882, foi revogada a Lei e Ipioca voltou a ser uma povoação de São Luiz do Quitunde, onde ficava a sede da freguesia.

Igreja de Nossa Senhora do Ó antes do início da reforma

Igreja de Nossa Senhora do Ó antes do início da reforma

O Roubo da Igreja

No dia 16 de dezembro de 1887, o Gutenberg publicou reportagem fornecendo informações sobre o roubo da Matriz de Ipioca, acontecido dias antes, e principalmente sobre a prisão do autor do roubo.

Pedro Gomes confessou ao delegado, capitão José Adolpho, que no dia 13 à noite, atuando sozinho, se apoderou de uma grande coroa, muitas joias e 13 pedras de diamantes.

As peças foram vendidas a um indivíduo cujo nome a justiça não consentiu que fosse divulgado e a negociação se deu em Maceió, num hotelzinho da Rua 1º de Março, atual Av. Moreira Lima. Revelou ainda que recebeu 113$240 pela mercadoria.

O jornal informou que somente a coroa tinha sido adquirida por 600$000.

Durante o inquérito, o hoteleiro também foi preso e havia mandado de prisão para o receptador em Camaragibe, “onde consta andar o feliz e inocente comprador de alfaias”.

O mandado foi cumprido e no dia 18 a polícia já tinha prendido o receptador: Tinha sido o ourives Manoel José de Barros Vanderley.

Ipioca no século XX

Nas primeiras décadas do século XX, Ipioca já dava sinais que não conseguia acompanhar o desenvolvimento econômico que ocorriam em outras áreas do Estado de Alagoas.

Em 24 de março de 1906, o Engenho Velho estava posto à venda, permuta ou arrendamento. Pertencia ao dr. Manoel Pio Pereira da Costa.

O anúncio no Gutenberg informava que o engenho “dista apenas cinco léguas desta cidade, é movido vapor e tem capacidade para safrejar nunca menos de dois mil pães de açúcar anualmente; possui vasto e ótimo cercado, extensas matas de madeira de construção; boa casa de vivenda e diversas benfeitorias”.

Vendia-se também “bois mansos, gado de criar e ovelhas”.

Revelando que o transporte do açúcar já era um problema, tentava diminuí-lo argumentando que podia ser feito por mar ou por terra, “e os fretes são módicos”.

Por decisão do bispo diocesano de Alagoas, D. Antônio Brandão, a partir de 4 de agosto de 1907 foram anexadas à freguesia de Jaraguá “o povoado de Ipioca e os engenhos Sandinha, Cachoeira Meirim, Ponte Grande, Genipapo, Latas, Fazenda, Bamburral, Golandim, Engenho Velho e Pratqagy Grande, como publicado no Gutenberg da mesma data.

Em 1913, os engenhos em Pioca estavam reduzidos a apenas dez: Cachoeira do Meirim, Cantinho, Duas Bocas, Engenho Velho, Fazenda, Galandim, Pratagy Grande, Riacho Grande, São Bento e Rio do Meio.

A intervenção do governo durante esse período, que mais trouxe alento para Ipioca aconteceu no domingo, 19 de setembro de 1920, quando foi inaugurado o trecho da Estrada do Norte interligando Maceió àquela localidade.

Entre Maceió e Ipioca, a estrada recebeu quatro pontes em cimento armado (sobre os rios Jacarecica, Doce, Pratagy e Mairim), seis pontes de madeira sobre pilastras de alvenaria e cimento (sobre os riachos Barrocão, Guaxuma, Caranguejo, Graça Torta, Capila e Senhor), três pontilhões em cimento armado (um depois do Jacarecica, outro em Cabôco no lugar Jardim, e outro em Salinas, antes da ponte do Meirim), três grandes bueiros em abóbada (um em Mangabeira no sítio Olympio Esther, outro no sítio Suassuna antes do Orfanato e outro antes de Cruz das almas), e 78 pequenos bueiros desde a estrada do Poço até o ponto a ser inaugurado, alguns deles em cimento armado.

Igreja de N. S. do Ó

Enquanto Ipioca foi uma localidade próspera, a Igreja mantinha o seu templo nas melhores condições de uso possível. Entretanto, durante o século XX, o templo passou a exibir os desgastes do tempo e da falta de manutenção adequada.

No início do século XXI, chegou a ficar abandonada e sofreu interdição da Defesa Civil em 2013.

Somente em 2015 foi que a histórica igreja de N. S. do Ó recebeu investimentos públicos para a sua recuperação.

Os recursos, na ordem de R$ 1,8 milhão, foram conseguidos junto ao Ministério da Cultura graças a ação política do deputado federal Paulão (PT), senadora Ada Mello, senador Fernando Collor e do então vereador Sílvio Camelo.

A reforma foi realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e respondeu a uma reivindicação dos moradores da localidade, que se mobilizaram de forma organizada sob a liderança da Prefeitura Comunitária e da Paróquia.

15 Comments on Ipioca e a Igreja de Nossa Senhora do Ó

  1. Clemente silva // 30 de agosto de 2015 em 10:53 //

    Sou morador de Ipioca e me sinto muito feliz de ver esta matéria excelente sobre a igreja e sobre a nossa comunidade. Sempre me preocupei com as restaurações feitas antigamente, mas agora estou tranquilo porque foi tombada e está sob os cuidados do Iphan. Obrigado por compartilhar estas informações tão importantes.

  2. Aloisio monteiro de Carvalho Júnior // 3 de agosto de 2017 em 20:33 //

    parabens pela matéria muito esclarecedora, sou de Ipioca minha familia também, e sabemos da importancia dessa igreja para nossa história

  3. TENHO ORGULHO DE TER NASCIDA EM IPIOCA, E DE TER SIDO BATIZADA NA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO O, E DE SER CONTERRÂNEA DO SEGUNDO PRESIDENTE DO BRASIL, O NOSSO, MARECHAL FLORIANO PEIXOTO…

  4. Boa Tarde,
    Ano passado, 2017, navegando sobre a orla de Alagoas, sentimento apaixonante tomou conta do meu interior que deseja tanto conhecer IPIOCA. Então, continuei a pesquisar sobre minha nova paixão e sempre encontrando comentários de turistas que reclamavam sobre viagem perdida de não poderem aproveitar a referida praia é privada. Fiquei triste ao saber de tal notícia. Agora encontro esse espaço e comentários de nativos de IPIOCA , APROVEITO PARA TER INFORMAÇÕES DE COMO VISITAR, CONHECER A VILA DE PESCADORES ,O BAIRRO E A PRAIA IPIOCA . COMO FAZER

  5. Sempre é muito importante preservar a cultura em todos os gêneros

  6. JOSE ROBERTO SANTANA DOS SANTOS // 13 de novembro de 2019 em 09:41 //

    Tenho orgulho de ser ipioquense e ter me tornado ministro da sagrada comunhão eucaristica desta linda paróquia, hoje administrada pela congregação do verbo divino representada pelo Padre Neivaldo.

  7. Marielza Gonzaga, A Nena. // 11 de janeiro de 2021 em 21:09 //

    Amo minha Ipioca, a minha terra natal, nasci na rua Boa Vista, com muito orgulho, eu era filha de D. Luísa e irmã do Telecio, que com muita tristeza já estão na GLÓRIA eterna…

  8. Marielza Gonzaga dos Santoss // 11 de janeiro de 2021 em 21:19 //

    Sou de Ipioca com muito orgulho, me sinto orgulhosa por ser conterrânea do segundo Presidente do Brasil, O nosso Marechal Floriano Peixoto…

  9. Arnaldo da Silva // 22 de abril de 2021 em 23:55 //

    Conheci Ipioca na minha infância até a adolescência, quando mudamos para o Rio de Janeiro. Nasci praticamente em São Gonçalo, um sitio próximo ao Rio Sauaçuí. Nos anos 1960, um tio meu Antônio Ferreira, conhecido como Antônio Bolão morou na praça da igreja, onde o visitei. Isso em 1967. De lá para cá, embora já tenha voltado várias vezes a Alagoas, nunca parei lá. Pretendo voltar e entrar nessa igreja.

  10. Claudio de Mendonça Ribeiro // 15 de outubro de 2022 em 07:46 //

    Prezado Ticianelli, muito grato por mais uma matéria acerca de nossa Alagoas. Permita-me um comentário com relação ao Marechal Floriano Peixoto: segundo informações que chegaram ao meu conhecimento, a minha avó materna era sobrinha dele. O nome dela era Maria Cavalcanti Vieira Peixoto.

  11. Muito boa essa matéria, gostei muito de conhecer a historia da minha terra.

  12. Tiberius Aguiar // 1 de fevereiro de 2023 em 01:03 //

    Estou em ipioca a 25 anos e escolhi essa terra tão prospera cheia de hstorias,que fala do nosso povo com tanto vigor.aqui tem blz natural praias rios. Um lugar realmente histórico e encantado cheio de mistérios e encantos.parabens ipioca e salve. Nossa Sra do O .por cuidar todo esses anos do seu povo. sou muito feliz aqui .

  13. Filipe Monteiro // 6 de março de 2023 em 22:04 //

    O dia da Nossa Senhora do Ó comemora se a 18 de Dezembro, uma semana antes do dia de Natal. A imagem representa Nossa Senhora grávida . É venerada em várias cidades do Brasil e de Portugal

  14. Amei a matéria descobri muitas coisas no qual não sabia sou moradora de Ipioca com muito orgulho.

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