História dos bondes elétricos em Maceió

Inauguração do bonde elétrico na Praça dos Martírios no dia 12 de junho de 1914

O “Elétrico” circulou em Alagoas somente 23 anos depois que o primeiro bonde elétrico do Brasil e de toda América do Sul entrou serviço no Rio de Janeiro em 8 de outubro de 1892, o carro de nº 104 da Cia. Ferro-Carril do Jardim Botânico.

Isso ocorreu em 12 de junho de 1914 e foi comemorado como um grande feito do governador Clodoaldo da Fonseca e do intendente da capital, Firmino de Aquino Vasconcelos.

Inauguração do bonde elétrico no Rio de Janeiro em 1892. O presidente Floriano Peixoto é o terceiro da direita para a esquerda, de chapéu coco e bengala

Coronel Clodoaldo se notabilizou por ter iniciado em Alagoas o planejamento e a construção de estradas de rodagem e por ter investido em melhorias do serviço de viação urbana de Maceió, como foi reconhecido pela Revista Comercial nº 4 de julho de 1912: “O povo sabe que o Exmo. Governador empenha-se em melhorar o tráfego dos bondes, substituindo a tração — e, já preparou os foguetes para a festa desse dia”.

A mesma revista, na edição de março de 1913, informou que naquela data já estavam em andamento as instalações para os bondes elétricos na Estação Central e que o “material rodante, procedente dos Estados Unidos da América do Norte” havia sido embarcado.

O desembarque da primeira remessa dos equipamentos para as linhas de bondes elétricos ocorreu em junho de 1913 (Revista Comercial das Alagoas de junho-julho de 1913). Ainda em junho essas primeiras estruturas começaram a ser montadas nas ruas de Maceió.

Segundo o jornalista Floriano Ivo Júnior, a concessão para a exploração deste serviço foi entregue à Companhia Trilhos Urbanos, de propriedade da família Machado”.

“Os primeiros bondes elétricos que trafegaram em Maceió, em número de dezesseis, vieram desmontados dos Estados Unidos, via-marítimo, sendo aqui montados na Serraria Modelo, existente na antiga Avenida da Paz, hoje Duque de Caxias, porém só as partes de madeira”, informou Floriano Ivo Júnior em seu livro Crônicas e Depoimentos, fazendo referência aos equipamentos da segunda remessa, de 1921.

Bonde tração animal passando em frente ao Palácio dos Martírios em 1908

Continuou o jornalista: “Posteriormente, passaram a ser fabricados no Brasil e a CFLNB recebeu mais dez carros, totalizando sua frota em vinte e seis veículos, já então pintados de amarelo. As linhas eram: Farol, Bebedouro, Ponta da Terra, Mangabeiras, Trapiche da Barra e Ponta Grossa. Para atender aos comércios de Maceió e Jaraguá a empresa colocava em circulação durante o dia carros alternativos ou intermediários, com terminais de linha nas praças dos Martírios, Recebedoria (atual Praça Dois Leões) e Diegues Júnior”.

Nos primeiros dias, entretanto, o serviço de tração elétrica atendia somente as linhas que interligavam “Maceió, Jaraguá e Pajuçara”, como registrou o Jornal do Recife de 16 de junho de 1914.

A linha até Bebedouro, que também deveria entrar em funcionamento no dia da inauguração, teve problemas por conta de um serviço na estrada para aquele bairro.

No dia 14 de setembro de 1914, às 19 horas, um bonde elétrico fez a viagem experimental da linha que atenderia o Alto do Jacutinga, saindo da Praça Sinimbu, passando pela Rua do Sol, Ladeira do Brito, Rua Comendador Palmeira, Rua Santa Cruz, Praça Dr. Jonas Montenegro, Rua das Piabas e Av. Tomaz Espíndola.

O dia da inauguração

Como o 12 de junho de 1914 era uma sexta-feira, o evento que entregou à população o serviço de bondes elétricos em Maceió teve início às 6 horas da manhã para não prejudicar as atividades comercias na capital.

Na verdade, naquele dia se comemorava o aniversário do segundo ano de governo de Clodoaldo da Fonseca, que também participou da inauguração da Praça Pedro Paulino (Praça Emylio de Maia + Praça do Pirulito) e da fixação do seu retrato no edifício da Guarda Civil.

Bonde elétrico voltando para a Praça dos Martírios após o percurso inaugural por várias linhas em Maceió.

Segundo informou o Jornal do Recife de 16 de junho de 1914, naquela manhã um “carro de luxo, conduzindo o governador, o intendente da capital, o vice-governador, secretários de estado, diretores de companhias, presidente e mais membros do conselho municipal e outras pessoas convidadas, percorreu várias linhas”.

O cortejo foi formado por dois bondes. As autoridades no primeiro e no segundo ia a Banda de Música da 5ª Companhia Isolada.

Ainda segundo o jornal pernambucano, “a energia foi fornecida pela usina de propriedade do sr. J. Basto, sendo o serviço dirigido pelo engenheiro Raul Prado”. A referida usina era de propriedade da firma J. Basto & Cia, de José Antônio Teixeira Basto.

A modificação no modelo de tração nestes bondes fazia parte da política de melhorias do serviço de viação urbana implementada pelo governador em parceria com o intendente da capital, Firmino de Aquino Vasconcelos, que foi quem assinou a modificação do contrato entre a municipalidade e a Companhia de Trilhos Urbanos, que já era detentora da concessão para bondes tracionados por animais.

Clodoaldo da Fonseca, modestamente informou em seu relatório que o governo colaborou “na confecção do novo contrato, o qual pela maneira porque se acha elaborado, veio favorecer a municipalidade de Maceió, pelas vantagens decorrentes do mesmo”.

Os descontentes

Não foi possível encontrar manifestações contrárias à implantação da tração elétrica para bondes nos jornais de Maceió. Provavelmente os que assim avaliavam preferiram calar diante do clima político conflitado daquele período.

Mas no Rio de Janeiro foram registrados manifestos de desagrado com o novo meio de transporte. Reproduzimos abaixo um dos publicados. Este na Revista Fon Fon de 29 de novembro de 1913.

“Francamente, não foi muito grande o lucro que tivemos com a substituição da tração animal, nos bondes, pela tração elétrica.

Os velhos bondes de burro eram mais cômodos e mais limpos; não nos chocalhavam as tripas, nem nos enchiam de poeira, como os insuportáveis elétricos atuais. Além disto a diferença no tempo da viagem é tão pequena, que não compensa todos os incômodos das viagens de agora.

Quem tinha de gastar num trajeto de bonde, quarenta minutos, teve a redução incompreensível de quatro ou cinco minutos.

Como prova exterior de progresso, pode ser que o nosso bonde elétrico valha pela aparência; mas como elemento necessário ao trânsito, a rapidez desse trânsito e a comodidade publica, deixem lá, que deixa muito a desejar.

Ao passageiro atual de um bonde elétrico, foi suprimido o direito da palestra ou de uma simples troca de frases. É a escola do silencio forçado, da contemplação obrigada e da… surdez.

Os bondes atuais fazem um barulho ensurdecedor, impertinente e absurdo. Porque fazem tal barulho? As ruas são calcadas a asfalto e os trilhos apropriados ao seu peso e às suas dimensões. Porque, então esse barulho ensurdecedor?

Além de tudo isto, hoje uma viagem em bonde elétrico impõe-nos também o suplício da poeira, a poeira sufocante e terrível. Faz saudades, pois não faz, o tempo cômodo e limpo dos saudosos tempos de burro?

Gastava-se uns minutos mais na viagem, mas, em compensação chegava-se limpo e inteiro, sem os ouvidos arrebentados, nem a roupa estragada pela poeira e pela própria sujeira dos bondes”.

Além dos problemas com a poeira e o barulho que afligiram este carioca, em Maceió o que surgiu nos jornais foram as notícias sobre acidentes com o novo meio de transporte, como o publicado no Diário de Alagoas de 12 de novembro de 1916:

Desastre – O bonde das 8 horas que vinha de Bebedouro, guiado pelo motorneiro João Themotheo e de número 13, esmagou nas imediações da Padaria Freitas, a infeliz Anna de Tal, que ficou completamente dilacerada. O motorneiro foi preso quando tentava fugir”.

No dia 7 de agosto de 1917, segundo o Diário do Povo, foi a vez do Benedicto Fernandes de Souza fraturar a tíbia da perna esquerda. Morador de Bebedouro, pegou o bonde para Jaraguá, onde trabalhava na Padaria Duarte. Resolveu descer do trem em movimento na altura do Trapiche Faustino e terminou se chocando com uma carroça estacionada ao lado da linha. Foi atendido na Pharmacia Apollo e depois levado para o hospital.

Linhas

Neste período, os bondes elétricos para Bebedouro, Levada e Trapiche da Barra circulavam com a frequência de um a cada 15 minutos. Para o Farol e Mangabeiras a frequência era de meia em meia hora.

Para Bebedouro ainda havia um serviço extra circulando entre aquele bairro e a Praça do Martírios. O da linha acima ia até Pajuçara.

Os bondes para o Trapiche partiam do desvio na Rua 16 de Setembro (entrevam na Rua do Sopapo), na Levada. E o bonde da Levada somente ia até a Praça Sinimbu, conforme divulgava Manoel Monteiro Braga, Chefe do Tráfego da Companhia Trilhos Urbanos.

Como ocorre até hoje com outros meios de transportes, essa frequência nem sempre era mantida, como revela o Diário do Povo de 2 de fevereiro de 1917 ao denunciar que 22 passageiros pagantes de 1º classe, dois dias antes tiveram que esperar na estação do Trapiche da Barra a chegada das lanchas “Lili” e “Clerilda” que vinham do Pilar.

Segundo o jornal, o bonde deveria partir às 10 horas da manhã, mas naquele momento as lanchas “andavam pela Bica da Pedra”.

Onze horas e cinco. Chegaram as lanchas. Parte o bonde. E às onze horas e vinte (pela Catedral [relógio da Igreja Matriz]) chegaram aqueles vinte e dois passageiros diante do cinema Floriano [Rua do Comércio]. O doutor fiscal do serviço os viu, cumprimentou a alguns deles, porque, nessa ocasião, saltou de outro bonde. Com vistas à Diretoria”, denunciou o jornal ao mesmo tempo que revelou o tempo gasto do Trapiche ao Centro, de 15 minutos.

Dois dias depois o jornal publicou que a empresa havia determinado que o bonde saísse do Trapiche no horário, às 10 horas, e que voltasse para recolher os passageiros das lanchas após baldear a sua lotação na Rua 16 de Setembro.

Os bondes elétricos serviram a Maceió até o final da década de 1950 (os registros é de que deixaram de circular em 1957). Assim, como em praticamente todo o mundo, perderam espaço para transporte coletivo a diesel, mais barato e sem apresentarem as falhas elétricas do sistema, por falta de energia ou por desencaixe do equipamento de contato.

Os freios também não eram seguros, provocando muitos acidentes. Havia ainda os descarrilamentos nas esquinas com curvas mais fechadas. Mas o pior eram os atropelamentos dos passageiros, que tinham que descer ou embarcar no meio das ruas.

5 Comments on História dos bondes elétricos em Maceió

  1. Sempre bom saber das histórias de nossa Maceió nos velhos tempos. 👏🏼👏🏼

  2. ROBERTO THEODOSIO BRANDÃO // 10 de setembro de 2019 em 17:28 //

    LEMBRO COM SAUDADE A MOVIMENTAÇÃO DOS BONDES EM MACEIO. O QUE TRAFEGAVA NO BAIRRO DO FAROL PARAVA EXATAMENTE DEFRONTE A RUA GOIAS ONDE HAVIA UM BATEDOR DE FERRO FINALIZANDO A LINHA.

  3. ROBERTO THEODOSIO BRANDÃO // 10 de setembro de 2019 em 17:30 //

    O BONDE DO FAROL TERMINAVA O SEU TRAJETO DEFRONTE A RUA GOIAS. HAVIA POR LA UM OBSTACULO DE FERRO PARA IMPEDIR DE IR ADIANTE. LEMBRO COMO HOJE. TINHA 10 ANOS.

  4. vania papini // 11 de setembro de 2019 em 21:38 //

    O bonde de PONTA-DA-TERRA fazia a “circular”(retorno) onde hoje é a Praça Lions. Eu morava no Gramado , Pajuçara, e o ponto do bonde era um poste de madeira pintado de amarelo que ficava do outro lado da rua. Para saber se o bonde já estava se aproximando era só encostar o ouvido no poste e sentia-se a vibração. O bonde chegava , subíamos pisando na plataforma lateral para então nos sentarmos nos bancos de madeira. Todos viajavam sentados, mas quando os bancos ficavam cheios os excedentes, geralmente do sexo masculino, ficavam nas plataformas. O motorneiro só dava partida quando o condutor puxava o cordão que batia o sino (dim-dim!). Interessante era a maneira de o condutor segurar as cédulas,muito bem presas entre os dedos.

  5. Fábio Lins // 25 de abril de 2021 em 12:01 //

    Quantas informações valiosas! Parabéns por este incansável trabalho de resgate histórico e por sua indiscutível qualidade.

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