História das estradas de ferro em Alagoas (I). Central de Alagoas

Locomotiva e vagões de carga do tramway de Jaraguá ao Trapiche

A primeira instalação ferroviária de Alagoas foi inaugurada no dia 25 de março de 1868. Era o ramal Jaraguá/Maceió/Jaraguá, trecho da ferrovia que atingiria o Trapiche da Barra poucos dias depois.

Sua finalidade constava no relatório do presidente da Província, Antônio Moreira de Barros, publicado em 22 de maio de 1868. Informava o governante que havia celebrado contrato, em 24 de março de 1866, com a Companhia Bahiana, para a instalação de um tramway entre Jaraguá e Trapiche da Barra e a navegação na lagoa do Norte (Mundaú) até a vila de Santa Luzia do Norte, com escala pela povoação de Coqueiro Seco, e na lagoa Manguaba até a vila do Pilar, com escala na cidade de Alagoas.

Esse contrato havia sido autorizado pela Lei Provincial de 26 de junho de 1865, que pretendia regularizar de uma vez por todas a navegação nas lagoas, processo que se arrastava desde 1858 quando foram realizados os primeiros estudos.

CLIQUE AQUI E CONHEÇA MAIS SOBRE A HISTÓRIA DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NAS LAGOAS

Como havia a necessidade de interligação do terminal do Trapiche da Barra com o porto de Jaraguá, as propostas de realizá-lo sobre trilhos esbarravam no alto custo para sua instalação.

Quem destravou o processo foi o presidente da Província, Esperidião Eloy Pimentel (31/07/1865 a 19/04/1866), que antes de publicar o edital fez uma sondagem informal com as empresas que poderiam se habilitar para tal serviço.

“Das companhias a que aludi, só a Bahiana de paquetes a vapor enviou seu agente especial a esta província, a fim de proceder aos estudos precisos e entender-se com a presidência sobre as condições, com que poderia encarregar-se de estabelecer a navegação”, relatou Eloy Pimentel.

O representante da Bahiana, empresa adquirida pelo capital inglês em 1862, era o engenheiro civil Hugh Wilson. Ele concordava com o projeto anterior que apontava como solução para viabilizar a exploração comercial das lagoas a construção de uma ferrovia interligando o Trapiche da Barra ao porto de Jaraguá.

O comendador Hugh Wilson

Eugenio Francis Wilson, antes de se instalar no Brasil esteve na Venezuela, onde trabalhou por vários anos em obras ferroviárias de uma companhia inglesa, provavelmente na ferrovia que interligou Porto de La Guaira com Caracas (depois continuou pelos Vales do Aragua até Porto Cabello). Essa suposição se deve à data em que o presidente venezuelano, general José Gregório Monagas, conseguiu do congresso a autorização para a construção: 1854.

Sua presença na Bahia em 1863 se deu por incumbência da empresa Bahia Steam Navigation Company. Era seu secretário, em Londres, e o segundo maior sócio — tinha investido 6:929$352 réis. O principal investidor era John Watson que investiu 239:215$655 réis, um valor extremamente superior ao segundo investidor.

Essa companhia era a antiga Companhia Bahiana de Navegação, que fora fundada em 1836 e depois de várias atribulações, inclusive uma falência, foi reorganizada em 1858 já com a presença de capital inglês.

Sua direção no início de 1862 era a seguinte: Presidente, Conselheiro Barão de São Lourenço; Vice-presidente, John Watson; Patrick Ogilvie; Hugh Francis Wilson; secretário, João Correia de Brito; gerente, Francisco Justiniano de Castro Rebello.

Ainda em 1862 os capitais ingleses passaram a ser majoritários e a empresa recebeu a denominação de Bahia Steam Navigation Company, mas mantendo o nome fantasia de Companhia Bahiana de Navegação a Vapor.

No final do ano seguinte, os acionistas demonstravam insatisfação com as despesas da empresa e enviaram o secretário Hugh Wilson ao Brasil para auditar os gastos e tranquilizar os investidores.

Hugh Francis Wilson em 1883

O superintendente da Bahiana era Francisco Justiniano de Castro Rebello, que até o início de 1864 não tinha produzido nem um ganho para os acionistas. O primeiro lucro foi de 3,5 por ação, anunciado em 6 de fevereiro de 1864 no Constitucional (RJ).

Eram os primeiros resultados da presença de Hugh Wilson no Brasil, que no segundo semestre de 1864, meses após ter desembarcado em Salvador, assumiu a Superintendência da empresa.

Foi nesse período que a empresa conseguiu um empréstimo de 160:000$000 réis com o Banco da Bahia para implantação da navegação a vapor no rio São Francisco (entrou em funcionamento em agosto de 1867) e nas lagoas do Norte e Manguaba na Província de Alagoas.

Hugh Wilson permaneceu na superintendência da Companhia Bahiana até dezembro de 1869, quando não renovaram a sua indicação e foi substituído por John Guillermo Illius, um dos diretores da companhia em Londres.

Permaneceu no Brasil e em 1871 seguiu para Londres em missão do presidente da Província da Bahia. Pretendia adquirir da Corte de Chancelaria inglesa a massa falida da empresa Paraguassú Stean Company Limited, que já tinha a participação da Província da Bahia no seu quadro de acionistas.

Como resultado desta negociação em Londres, surgiu posteriormente a Brazilian Imperial Central Bahia Railway Company Limited, que teve sua ferrovia construída sob a supervisão do próprio Hugh Wilson, contratado em 26 de setembro de 1872. Para viabilizar esta ferrovia, o engenheiro inglês ergueu a ponte D. Pedro II sobre o rio Paraguassú. Era então a maior superestrutura de ferro de sua natureza no império.

Ponte D. Pedro II na Bahia, em 1886, uma das obras de Hugh Wilson no Brasil

Além das suas obras e investimentos em Alagoas, Hugh Wilson esteve ainda na província de Sergipe elaborando os estudos para a Sergipe Railway Company Limited, que pretendia implantar uma ferrovia de Aracajú a Simão Dias, com ramal para Capela.

No Rio Grande do Sul foi contratado como empreiteiro para a construção da ferrovia Estrada de Ferro D. Pedro I. Elaborou os estudos em um ano, mas teve o contrato cancelado por não cumprimento de suas cláusulas.

De volta à Bahia tomou parte da organização e construção, como empreiteiro, de oito usinas centrais de açúcar. Mergulhado em dificuldades por não conseguir mais as capitalizações para os seus empreendimentos, entrou na década de 1880 em declínio financeiro.

Foi também sócio-gerente da Empresa de Trilhos Urbanos da cidade de Santo Amaro, nas proximidades de Salvador.

Sua contribuição ao desenvolvimento baiano foi reconhecida em 23 de dezembro de 1881, quando após a inauguração da Ferrovia Central da Bahia até Tapera, o presidente da província, Visconde de Paranaguá, o homenageou com a comenda da Ordem da Rosa do Brasil, concedida pelo governo brasileiro por seus serviços naquela província.

Calcula-se que o capital movimentado por Hugh Wilson em suas várias empresas ultrapassou a sete milhões de libras esterlinas.

No dia 9 de fevereiro de 1877, Hugh Wilson e esposa embarcaram no paquete Trent, no Rio de Janeiro, para Londres. Em nota publicada no O Paiz do dia seguinte, o casal pede desculpas por não ter se despedido pessoalmente dos amigos e justifica que agiu assim em consequência “da presteza da viagem”.

O comendador Hugh Wilson faleceu no dia 25 de setembro de 1888 em Londres (The Rio News de 5 de outubro de 1888). Tinha 62 anos de idade.

Estrada de Ferro Central de Alagoas

Com o tramway entre Jaraguá e o Centro de Maceió em funcionamento a partir de 25 de março de 1868, o maceioense aderiu em massa ao novo meio de transportes, principalmente a partir de 10 de setembro de 1868, quando foi inaugurado o percurso até o Trapiche da Barra e a navegação lacustre.

O ramal entre Jaraguá e o Centro conduziu em um mês cerca de quatro mil passageiros. Com estes resultados, a companhia imediatamente começou a projetar a extensão do ramal até o pátio da Igreja dos Martírios, passando pela Rua do Comércio.

O trajeto não foi bem aceito pela Câmara Municipal, que contou com o apoio do presidente da Província, José Bento Figueiredo Júnior (Relatório de 31 de outubro de 1868).

Mesmo contra a opinião do governante da Província e dos conselheiros municipais de Maceió, em março do ano seguinte os materiais para o melhoramento da via-férrea de Jaraguá ao Trapiche da Barra, com ramificação pelo Centro da cidade, já estavam em Maceió (Relatório de 16 de março de 1869).

Boca de Maceió, atual Praça dos Palmares, com a Rua Nova (Barão de Penedo) e os trilhos do tramway na subida para a Rua do Comércio em 1869

Foi em meio a este bom desempenho da linha Jaraguá/Trapiche da Barra e contando ainda com as informações sobre a implantação de ferrovias em outras províncias, principalmente com capital inglês, que José Bento Figueiredo Júnior, em seu Relatório de 16 de março de 1870, apresentou as iniciativas já tomadas para a implantação de uma linha férrea que ligasse “a capital ao interior da Província, abrangendo uma zona de abundante e variada produção…”.

Lembrou o governante a existência de projetos anteriores e que as leis províncias nº 428, de 2 de julho de 1864, e a de nº 439, de 4 de julho do mesmo ano, revelavam “o louvável interesse dos legisladores por uma empresa de importância incontestável”.

Essas leis asseguravam a remuneração de ¼ do juro garantido pela Assembleia Geral da empresa e para os estudos preliminares buscou arrecadar aplicando “impostos de 10% sobre o valor das casas em que houverem estabelecimentos de comércio, e 2% sobre contratos de bens de raiz”.

José Bento Figueiredo Júnior revelou ainda que já em seu governo, iniciado em 2 de outubro de 1868, utilizou os recursos arrecadados — 29:910$420 rs — para contratar os estudos preliminares da via férrea com o engenheiro Hugh Wilson, após ouvir a Tesouraria Provincial e o engenheiro Carlos Mornay.

Detalhou que o ponto de partida da linha seria a “povoação de Bebedouro”, onde poderia se entroncar com os trilhos já instalados e que ligavam aquela povoação a Jaraguá.

No contrato, previa-se que os trilhos seguiriam pelo vale do Mundaú até a vila de Atalaia, e de lá em “direção à Assembleia (Viçosa) e povoação da Cruz das Almas; podendo para o futuro proceder iguais estudos para um ramal que de algum dos pontos da linha indicada se dirija a Imperatriz (União) e Lage do Canhoto (São José da Laje).

Sabendo que poderia haver modificações no traçado, Bento Figueiredo explicou que tal plano estava sujeito a alterações e desvios estabelecidos pelo governo e pelo contratado, e já alertava para a dificuldade do prolongamento de uma linha até a Assembleia (Viçosa) por causa da Serra dos Dois Irmãos.

Como se procurava definir o traçado da 1ª e única Linha naquele momento, ficou acertado que ela percorreria o vale do Mundaú até a Imperatriz (União), passando por Itamaracá, Murici e Cabeça de Porco.

Os estudos preliminares, iniciados em agosto, foram apresentados na tarde de 11 de novembro de 1869, em Bebedouro. A solenidade foi prestigiada pelo presidente da Província José Bento Figueiredo Júnior, que ouviu ainda um discurso do Dr. José Angelo.

À noite, o ainda superintendente da Companhia Bahiana, Hugh Wilson, ofereceu concorrida recepção festiva na residência do Major Francisco de Vasconcellos Mendonça.

Os estudos técnicos, que foram autorizados a acontecer naquela mesma data, ficaram sob a direção do engenheiro alemão F. Hermann von Flotow, que faleceu em Bebedouro no dia 10 de junho de 1871, vítima da Febre Amarela.

A proposta final para a construção teria que ser apresentada até abril de 1870, com multas por atraso. Os estudos foram realizados dentro do prazo, o que permitiu que no dia 24 de maio de 1870 fosse publicada a Lei Provincial n° 568.

Autorizava o presidente da província “a contratar com Hugh Wilson ou com quem mais vantagens oferecer, a construção de uma estrada de ferro que partirá desta capital até a vila da Imperatriz, seguindo pelo vale do Mundaú, mediante as condições contidas na presente lei”.

Em 12 de junho de 1870 foi publicado o edital de concorrência para a instalação da ferrovia, com divulgação nas províncias do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Ceará, São Paulo e Minas Gerais.

No dia 15 de novembro, com a presença dos concorrentes, foram analisadas as propostas e assentadas as bases para o contrato, que foi celebrado com Hugh Wilson no dia 3 de fevereiro de 1871. Uma segunda proposta forçou o engenheiro inglês a baixar o privilégio de 90 para 85 anos. O tempo de subvenção também baixou de 20 para 15 anos. Ao final, ainda abateu 20 contos de réis no preço da subvenção total.

A preferência lhe foi dada por ter sido dele o contrato para a elaboração dos estudos técnicos, autorizados por lei e já realizados. Nesse contrato foi proibido o trabalho escravo, tanto na construção, como na operação da linha.

Dias depois da assinatura desse contrato, Hugh Wilson se despediu da Companhia Bahiana de Navegação e iniciou as articulações para constituir uma empresa com capital suficiente para construir a Estrada de Ferro Central das Alagoas.

Sabendo dos investimentos que seu ex-superintendente realizava em Alagoas, a Companhia Bahiana ofereceu-lhe para compra a empresa de navegação, incluindo os trilhos com extensão de 7.500 metros e tudo mais. Pedia 170:000,000 rs.

Os trilhos da empresa eram os que ligavam Jaraguá ao Trapiche da Barra e a ramificação pela Rua do Comércio até o cruzamento da Rua Boa Vista com a Rua do Livramento (onde foi o Bar do Chopp).

Linha do Tramway para o Trapiche, em 1882, atravessando uma ponte sobre o Salgadinho na atual Rua Barão de Anadia, depois contornando a Enfermaria Militar, atual CSM do Exército

O contrato com Hugh Wilson, de 3 de fevereiro de 1871, autorizava a sua empresa a utilizar o trecho entre Jaraguá e o Centro da cidade como a parte inicial da Estrada Central, conforme adequação contratual realizada em 28 de fevereiro de 1871.

A Companhia da Estrada de Ferro Central da Província das Alagoas

Com o contrato na mão, Hugh Wilson passou a correr mundo em busca de capital para o seu empreendimento, sem desprezar os investidores alagoanos, a exemplo da reunião que promoveu em 1º de dezembro de 1871 no salão da Associação Comercial com a nata dos capitalistas da Província.

O que poucos sabiam em Alagoas é que nesse mesmo período Hugh Wilson havia adquirido na Bahia a massa falida da empresa Paraguassu Steam Tram-Road e assumido a concessão para construir uma estrada de ferro entre São Félix e a Chapada Diamantina, percorrendo o sertão baiano. Também era de sua responsabilidade a construção de uma ponte entre Cachoeira e São Félix, além de um ramal ferroviário entre Cachoeira e a vila de Feira de Santana.

Por determinação do contrato assinado por ele na Bahia em 26 de setembro de 1872, a prioridade era instalar o ramal entre Cachoeira e Feira de Santana e erguer a ponte entre Cachoeira e São Félix. Somente após concluir estas obras, iniciaria a Estrada de Ferro Central da Bahia.

Com tantos compromissos assumidos, Hugh Wilson enfrentou dificuldades para capitalizar seus investimentos. A Europa viva sob a ameaça de guerra e escassearam os capitais no mercado londrino.

Na Bahia, se valeu das suas boas relações para conseguir adiantamentos de pagamentos por parte do governo da Província e empréstimos junto ao Banco Mercantil, mas em Alagoas a situação era cada vez mais complicada para ele.

O presidente da Província, Silvino Carneiro da Cunha, em seu relatório de 7 de fevereiro de 1872 avaliava publicamente que o concessionário não tinha grandes recursos diante da demanda inicial de investimento de capital e que era auxiliado apenas pelo negociante Manoel Joaquim da Silva Leão.

Enquanto não viabilizava a companhia, Wilson avançava lentamente nas obras do ramal para Bebedouro da sua linha Jaraguá/Trapiche da Barra. No início de 1872 o prolongamento planejado para atingir Bebedouro ainda estava na Cambona. De Jaraguá até a Cambona a extensão medida era de 3.500 metros e do centro de Maceió ao Trapiche da Barra era de 4.500 metros, num total de 8.000 metros de ferrovias instaladas.

Somente em 3 de setembro de 1872 foi que houve uma viagem experimental até Bebedouro com locomotiva. O agente da empresa Frederico Mery anunciou que inauguraria a linha em 1° de outubro.

A entrega do trecho para as primeiras viagens ocorreu com alguns dias de atraso, em 19 de outubro. A novidade atraiu tantos usuários que vários tumultos foram registrados, principalmente em dias santificados e festivos, quando a Polícia tinha que ser acionada “a fim de conter as ondas de povo, que procuram assoberbar os wagons…”.

Os bons resultados do transporte de passageiros nesse trecho, impulsionaram Hugh Wilson a correr contra o tempo para cumprir o contrato. Tinha um prazo de dois anos para incorporar um fundo de capital de 3:500 contos de réis divididos em 70.000 ações de 50$000 rs cada uma. Após a incorporação, a companhia teria um prazo de seis meses para iniciar as obras, que teriam que ser entregues em quatro anos, contados a partir da aprovação dos estatutos da empresa por parte do Governo Imperial.

Sinal que tinha conseguido alguma coisa foi a publicação do Decreto Imperial nº 5.672, de 17 de junho de 1874, estabelecendo a garantia de 7% sobre o máximo capital para a construção da ferrovia entre Maceió e Imperatriz, e autorizando a organização da empresa para tal fim.

A expectativa de se ter uma linha férrea no vale do Mundaú, beneficiando toda a região, despertou interesses nos segmentos econômicos de outras áreas do Estado, que também desejavam ter ferrovias trazendo e levando riquezas para os seus municípios.

Como resultado dessa pressão o presidente da Província, Felipe de Melo Vasconcelos, firmou contrato com Hugh Wilson em 14 de maio de 1875 para o “estabelecimento de três linhas ramais da mesma estrada (Estrada de Ferro Central); sendo um no vale do Paraíba, outro para o Passo de Camaragibe e outro para a cidade de São Miguel dos Campos, nos termos da Lei Provincial nº 637, de 8 de abril de 1872”.

Outro sinal que o engenheiro inglês continuava a merecer a confiança da Província das Alagoas foi a aprovação, em 3 de junho de 1875 (Decreto nº 5.935) do contrato com ele para a navegação a vapor nas lagoas Norte e Manguaba. Tinha adquirido essa linha da Companhia Bahiana.

Em 1875, a empresa Estrada de Ferro Central e Navegação das Lagoas do Norte e Manguaba estava estabelecida na Rua da Alfandega, nº 74. Hugh Wilson, seu proprietário, tinha endereço em Salvador, BA, na Rua Nova do Comércio, 46.

Locomotiva e vagões de carga da linha Jaraguá-Trapiche da Barra

Seu agente em Maceió era Frederico Mery, estabelecido na Rua Barão de Jaraguá, 50, em Jaraguá. O Guarda-livros era Possidonio Ignácio de Oliveira e Souza, morador da Rua do Poço. O encarregado do Trafego Urbano era Miguel Walsh Leahy, na Rua Barão de Jaraguá. O empregado do trem era José Ignácio de Araújo Jatobá, da Rua do Poço.

João Augusto de Carvalho Marinho (Rua do Imperador) era o escrivão dos vapores. Os maquinistas eram os seguintes: Henrique Smith (Trapiche da Barra) e Thomas Walsh (Rua do Saraiva). Os bonds eram conduzidos por João Francisco da Silva (Rua Augusta, nº 9) e Saturnino Alves de Moura (Rua do Vevelho).

Em setembro de 1875, Hugh Wilson e Manoel Joaquim da Silva Leão voltaram da Europa anunciando que haviam conseguido os investimentos necessários para constituir a empresa que implantaria a estrada de ferro contratada e que aguardavam somente a aprovação dos estatutos por parte do governo imperial.

The Alagoas Brasilian Central Railway Company Limited

A empresa organizada em Londres era The Alagoas Brasilian Central Railway Company Limited. Foi autorizada a funcionar no Brasil pelo Decreto nº 6.096, de 12 de janeiro de 1876.

No ano seguinte, o presidente da Província, Pedro Antônio da Costa Moreira, em sua “fala” à Assembleia em 13 de abril já demonstrava insatisfação com o andamento da obra e denunciava que a estrada de ferro não tinha recebido “aumento algum”.

Informou que se realizava somente a “substituição dos trilhos antigos pelos de bitola do contrato, não só no tronco, como no ramal”. Indicava que fora construído “um pequeno trecho de linha no prolongamento da linha principal desde a praça do Bebedouro até o pé da ladeira deste povoado”, e que as locomotivas e o trem eram os mesmos “e vão satisfazendo mais ou menos as necessidades do serviço”.

Trilhos na Cambona no início do século XX

Alertava a Assembleia para as dúvidas sobre a empresa “que se levantam de toda a parte” e cobrava “sérias e prontas medidas a respeito de tão momentoso assunto”.

Concluiu informando que quanto à estrada de ferro do norte — Maceió a Jacuípe — a empresa nada tinha feito, mas que ainda estava no prazo estabelecido pelo contrato.

Em 20 de agosto de 1877, Manoel Joaquim da Silva Leão, com autorização e procuração de Hugh Wilson, requereu a consolidação das cláusulas dos contratos anteriores, harmonizando-os numa única peça. A Província aceitou e publicou o Decreto nº 6.638, de 31 de julho de 1877, alterando algumas cláusulas e consolidando as anexas aos Decretos nº 5.672, de 17 de junho de 1874, e o nº 6.043, de 27 de novembro de 1875.

Em 1877, a empresa tinha como diretores Manoel Joaquim da Silva Leão (Rua da Alfandega, sobrado nº 58), e Gustavo William Wucherer, do Mutange. Miguel Walsh Leahy era o agente interino e o Caixa era Luiz de Amorim Leão. Os engenheiros fiscais da Estrada Central eram: Dr. Arestides Galvão Queiroz (governo geral) e Manoel Candido Rocha de Andrade (governo provincial).

Dois anos depois o presidente da Província, dr. Cincinato Pinto, comentava que as obras da Estrada de Ferro Central estavam paradas há muito tempo por não ter o empresário Hugh Wilson conseguido levantar na Europa o capital da primeira quota fixada.

O então engenheiro fiscal, dr. Francisco José Gomes Calaça, identificava que havia desânimo ou falta de confiança por parte dos empresários em relação as obras futuras. Citava que até aquela data Hugh Wilson ainda não havia apresentado os estudos e planos definitivos a que ficou obrigado pelo Decreto nº 6.638 de 31 de julho de 1877, e que desde 1878 havia esgotado o prazo.

Permanecia em atividade somente o trecho de Jaraguá a Bebedouro e o ramal até o Trapiche da Barra. As três locomotivas da empresa utilizadas nesse transporte urbano eram consideradas sem capacidade para rebocar os trens mais pesados de uma estrada de ferro intermunicipal, com grande volume de carga.

Ainda em 1879, Hugh Wilson tentava se capitalizar com a transferência do contrato para a exploração da navegação a vapor nas lagoas do Norte e Manguaba para Manoel Joaquim da Silva Leão, transação que foi aprovada pelo Decreto Imperial nº 7.525, de 25 de outubro de 1879.

Dias depois da publicação deste Decreto Imperial, o presidente da Província Cincinato Pinto baixou Portaria (28 de novembro de 1879) considerando o contrato com Hugh Wilson caduco por descumprimento de cláusulas.

Da mesma forma que já havia agido o Governo Imperial com o Decreto nº 7.285, de 17 de maio de 1879, retirando a garantia de juros 7% ao ano sobre o capital de 3.500:000$000 por ter levantado sequer a primeira quota.

Domingos Moutinho e a nova concessão para a Estrada de Ferro Central

Vinte dias antes de declarar o contrato caduco, foi publicado o Decreto Imperial nº 7.517, de 18 de outubro de 1879, concedendo a Manoel Joaquim da Silva Leão e a Domingos Moutinho autorização para realizarem, as suas expensas, os tais estudos para a implantação da via férrea.

No dia 20 de novembro de 1879, o comendador Domingos Moutinho, que era quem de fato estava à frente da empreitada, embarcou no Rio de Janeiro (paquete Pernambuco) com destino a Alagoas já levando consigo o engenheiro Hermillo Cândido da Costa Alves para iniciar os trabalhos de planejamento para a ferrovia alagoana.

Domingos Moutinho, um português estabelecido no Rio de Janeiro, após morar em Santos (SP), fez fortuna ao montar na capital federal o maior estabelecimento de lapidação e ourivesaria da América do Sul. Foi também um dos organizadores, nos EUA, da Companhia de São Cristóvão; da Companhia Melhoramentos da Cidade de Santos (concessionário a partir de 1870); da Companhia Locomotora de Bondes de Pernambuco;  empreiteiro da Estrada de Ferro Carril de Niterói e organizador e empreiteiro da monumental estrada de ferro entre São Paulo e Rio de Janeiro. Contribuiu ainda para a organização da Companhia de Carris de Lisboa.

No início de 1880, o traçado da estrada de ferro já havia sido concluído e se ultimavam os detalhes organizativos do projeto. O trajeto anterior proposto por Hugh Wilson foi desprezado.

Estudo para a Estrada Central do Brasil realizado em 1880 pelo engenheiro Hermillo Alves

Conforme descrição de um relatório do Ministério da Agricultura de 1893, “a linha partindo de Jaraguá, pela cidade de Maceió, margeia a Lagoa do Norte (Mundaú) passando no quilômetro 14,6 pela antiga fábrica de tecidos de Fernão Velho, donde atravessando as Pedreiras e Tombador entra no vale do Mundaú, onde se acham situadas uma importante fábrica de tecidos de algodão e uma outra, em construção, de artigos de ponto de malha, na Cachoeira, quilômetro 33. Bifurcando-se no quilômetro 35 segue para a direita atravessando muitos engenhos de açúcar até Itamaracá no quilômetro 53,5, local de junção de diversas estradas para o interior”.

Continua: “De Itamaracá parte a linha para Murici, quilômetro 64,3 e passando por Branquinha, quilômetro 75, termina na cidade de Imperatriz, hoje União, centros algodoeiros importantíssimos, de muitos engenhos de açúcar e com extensa lavoura de milho, donde no ano findo transportou esta via férrea 305.000 sacos”.

Em setembro, os estudos já estavam com o Ministério da Agricultura e os dois principais sócios solicitavam a sua aprovação. Pleiteava a concessão e a garantia de juros para 6.655:751$981. O ministro Manoel Buarque de Macedo considerou esse valor exagerado e estabeleceu que essa garantia incidiria sobre o capital máximo de 4.553:000$000.

Exigia-se que o concessionário apresentasse “uma variante de estudos da linha pelo Tabuleiro do Pinto, a fim do governo resolver…”. O governo também se reservava ao direito de “preferir o traçado que passar pela cidade de Maceió, se das informações que trata de obter julgar isto útil àquela cidade”.

O despacho definia que se fossem aceitas as condições estabelecidas, o ministro proporia em dez dias que a concessão seria enviada para aprovação imperial.

Em 12 de novembro de 1880, o Governo Imperial baixou o Decreto nº 7.895 autorizando a construção da estrada de ferro de Maceió à Vila de Imperatriz e aprovando os estudos apresentados, garantindo juros de 7% ao ano por 30 anos sobre o capital máximo de 4.553:000$000 rs.

A concessão a Manoel Joaquim da Silva Leão e a Domingos Moutinho foi precedida, no dia anterior, pela assinatura do contrato que definiu o privilégio por 60 anos e deu o prazo de um ano para a incorporação da empresa ou companhia que construiria a estrada de ferro em dois anos.

Surge a Alagoas Railway Company Limited

Novamente o capital europeu foi procurado em janeiro de 1881, desta feita pelo comendador Moutinho, que partiu para o velho continente em busca da capitalização necessária para organizar a companhia. Conseguiu os investimentos e assim surgiu a Alagoas Railway Company Limited, constituída em Londres em 18 de maio de 1881, com seus estatutos aprovado pelo Decreto Imperial nº 8.223 de 20 de agosto de 1881.

Com essas definições, os trabalhos de construção da ferrovia foram retomados em 25 de março de 1882 sob a direção do engenheiro representante da empresa, sr. William Humfrey Rankin.

O engenheiro fiscal era Francisco J. Gomes Calaça e os construtores contratados eram Hugh Wilson & Son, com endereço no Rio de Janeiro na Rua General Câmara, nº 70.

Nesse período começaram as desapropriações, o que assustou muita gente diante dos boatos sobre subvalorizações nas aquisições compulsórias. Os jornais esclareciam que as desapropriações cumpriam o Decreto nº 816 de 10 de julho de 1855.

O engenheiro Guilherme Andrens Wilson, filho de Hugh e sócio da empresa Hugh Wilson & Son, em 10 de agosto de 1882 publicou uma nota nos jornais de Maceió reafirmando que sua firma era uma das empreiteiras responsável pela construção da ferrovia da Imperatriz e assegurava que os empreiteiros contratados não queriam, “de modo algum o prejuízo ou a defraudação do direito de particular, porque justos e sinceros sem seus negócios, desejam ver todos satisfeitos aplaudindo-os no afã de se sua missão”.

Apelava para que se observasse o prazo que a sua empresa tinha para concluir a obra e que, portanto, “as dissenções judiciárias erguidas por poucos, se diga em abono da maioria, não deve vingar o propósito de por em risco sua realização”.

Oferecia como garantia para as indenizações que dependessem de avaliação judicial, um depósito de 10.000 libras na Tesouraria Central, se assim fosse necessário. Valorizava sua proposta informando que tinha procuração da companhia londrina para “superintender e curar também por seus interesses”.

Com a morte do comendador Manoel Joaquim da Silva Leão no dia 7 de janeiro de 1883, na Bahia, seus negócios em Maceió perderam força, mas seus direitos como concessionário da Estrada de Ferro permaneceram com a família.

No dia 2 de agosto de 1884, chegou à vila de Murici a primeira locomotiva da ferrovia, levando vagões com material para a continuidade de sua construção. Os moradores do local, sabendo da chegada do trem, interceptaram-no dois quilômetros antes da vila e embarcaram nele uma banda marcial.

Quando entraram na vila, às duas horas da tarde, foram recebidos pelos espocar de foguetes, repicar de sinos e a população, que abandonou a feira para ver pela primeira vez um trem. Murici era o quilômetro 66 da ferrovia, 22 quilômetros antes do ponto terminal na vila da Imperatriz.

Em 3 de dezembro de 1884 foi finalmente inaugurado o tráfego entre os pontos extremos da linha, numa extensão de 88 quilômetros. A empresa utilizava oito locomotivas, três carros de 1ª classe, quatro de 2ª classe e dois mistos. Mais 40 vagões fechados de 4 rodas, 10 vagões para gado, 5 para carneiros e 25 carros para lastros.

Funcionavam os seguintes edifícios: Uma estação de 1ª classe em Maceió; três de 2ª classe (Mercado de Maceió, Murici e Imperatriz); Quatro estações de 3ª classe (Utinga, Bom-Jardim, Itamaracá e Branquinha); além de duas Paradas, uma em Bebedouro e outra em Fernão Velho.

Destas estações, 11 eram providas de aparelhos telegráficos que utilizavam 23 quilômetros de fio duplo ao longo da estrada.

O percurso de 79.310 metros era percorrido em 4 horas e 35 minutos, com velocidade média de 17,15 quilômetros por hora.

A ferrovia acompanhava o vale do rio Mundaú, onde existiam 30 engenhos de açúcar, servindo aos municípios de Maceió, Santa Luzia do Norte, Murici e São José da Lage.

Continua AQUI.

5 Comments on História das estradas de ferro em Alagoas (I). Central de Alagoas

  1. Alexandre Toledo // 15 de março de 2022 em 08:59 //

    Que belo resgate histórico!
    A ligação férrea Jaraguá/Trapiche da Barra integrando o modal lacustre é reveladora e pioneira. Deveria ser retomada!
    A construção da ferrovia até Vila Nova da Imperatriz (atual União dos Palmares) foi essencial para o escoamento da produção dos engenhos do vale do Mundaú. Interessante a participação de engenheiros e investidores ingleses nesse projeto ferroviário.
    Como esses estrangeieos contribuíram para o desenvolvimento urbano da pacata cidade de Maceió, no final do II Reinado?

  2. Excelente pesquisa, Ticianeli Parabéns!

  3. THEREZA VIEIRA // 22 de março de 2022 em 10:49 //

    Muito bom!!! Resgate de fatos e personalidades q participaram de forma importante , da história e construção da cidade e estado de Alagoas

  4. THEREZA VIEIRA // 22 de março de 2022 em 10:53 //

    Meu avô paterno foi, inclusive, chefe de Estação de São José da Lages,Jose Inácio Costa Souza, apelidado pelos amigos por Bhada

  5. Minha história começa ou a segunda parte dela, numa estação de trem. Quando minha genitora me deixa nos braços de uma mulher que comercializava em União, na feira, e na volta , nas se sabe de onde alguém pede pra ela segurar pra ir ao banheiro. O trem partiu….Ao chegar na estação de Fernão Velho – Maceió , ela desceu…não podendo criar a menina que tinha aproximadamente 7a 8 ,meses doou pra outra pessoa….enfim tive uma vida feliz.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*