Goulart de Andrade, o poeta engenheiro

Goulart de Andrade fala sobre literatura para os sócios da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro em 1910. Foto da revista Fon-Fon de 14 de maio de 1910

Goulart de Andrade em 1909, Foto da Revista Fon-Fon de 5 de junho de 1909

José Maria Goulart de Andrade nasceu na Rua da Igreja, atual Rua Barão de Jaraguá, no bairro de Jaraguá, Maceió, em 6 de abril de 1881. Era filho do agrimensor e engenheiro Manuel Cândido Rocha de Andrade e de Leopoldina de Barros Pimentel Goulart.

Sua mãe, Leopoldina Pimentel, nasceu em Maceió no dia 7 de setembro de 1842 e faleceu, na mesma cidade, no dia 2 de dezembro de 1910. Era filha de Francisco Goulart, que tinha origem francesa, e de Maria Thereza de Barros Pimentel.

Manuel Cândido Rocha de Andrade nasceu no dia 11 de março de 1835 em Porto Alegre, RS, filho de Eusébio Francisco de Andrade e de Anna Joaquina de Andrade.

Era formado em agrimensura na antiga Escola Central do Rio de Janeiro. Chegou a Alagoas em 1858 e dois anos depois casou-se com Leopoldina Pimentel. Tiveram sete filhos.

Esteve na Armada Nacional, onde chegou ao posto de 2º tenente. Pediu afastamento para trabalhar profissionalmente como agrimensor e engenheiro. Antes de chegar a Alagoas, esteve no Maranhão, Pará e Amazonas.

Em Alagoas, trabalhou demarcando lotes, a exemplo dos que constituíram a Colônia Leopoldina, e sesmarias. No governo da Província foi ajudante e depois engenheiro das obras públicas.

Foi Juiz Comissário em Urucú e Porto Calvo. Por mais de um ano atuou como promotor público e juiz de órfãos da comarca de Camaragibe, onde também desempenhou a função de advogado, sem nunca ter cursado Direito.

Em 1878, foi demitido da função de engenheiro fiscal da província de Alagoas, “a bem do serviço público” (Jornal do Pilar de 24 de fevereiro de 1878). No início do mês de abril do mesmo ano, foi nomeado Inspetor de 1ª Classe da linha telegráfica “desde Sergipe até Pernambuco”. (Jornal do Pilar de 8 de abril de 1878).

Após a proclamação da República, foi nomeado pelo governo federal engenheiro fiscal dos “Burgos Agrícolas do Norte”. Posteriormente se estabeleceu em Maceió como engenheiro ajudante do Segundo Distrito dos Portos Marítimos.

Quando faleceu, em 15 de outubro de 1896, era o fiscal das obras do porto de Jaraguá, empreendimento planejado por ele e pelo Dr. Souza Gomes. Participou também dos estudos para a implantação da linha principal da ferrovia Alagoas Railway e seu ramal para Viçosa. Realizou ainda os estudos para a via férrea entre Maceió e Colônia Leopoldina.

Tem seu nome associado também as obras do Asilo das Órfãs de Bebedouro e à conclusão do prédio do Asilo de Santa Leopoldina. Contribuiu nas obras do antigo edifício dos Correios de Maceió.

Foram suas as plantas para a construção das igrejas do Livramento e de Jaraguá; da sede da Fênix Alagoana, em Jaraguá; do Montepio dos Artistas e da Fábrica Moraes.

Traçou ainda a planta corográfica de Alagoas, com o quadro das distâncias entre a capital, cidades, vilas e povoações do Estado; a planta geral de sondagens das lagoas do Norte (atual Mundaú) e Manguaba; levantamento topográfico de Maceió, definindo seus bairros e arrabaldes.

Administrou a instalação de calçamento em algumas ruas da capital e a construção dos açudes da companhia de águas.

Era sócio do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano e foi um dos fundadores do antigo Liceu de Artes e Ofício.

O casamento entre Manuel Cândido Rocha de Andrade e Leopoldina Pimentel Goulart de Andrade gerou sete filhos: José Maria Goulart de Andrade (nasceu em 10 de setembro de 1862 e faleceu em 3 de outubro de 1879); Benedito Antonio Goulart de Andrade (faleceu adolescente), Manoel Cândido Rocha de Andrade Filho (foi casado com Lybia Peixoto de Andrade, irmã da esposa de Floriano Peixoto. Faleceu em 26 de março de 1900); Euzébio Francisco de Andrade (nasceu em Colônia Leopoldina no dia 15 de abril de 1866 e faleceu em 18 de fevereiro de 1930); Joaquim Goulart de Andrade (nasceu em Colônia Leopoldina em 1870 e faleceu em 7 de março de 1928); Manoel Aristheu Goulart de Andrade (3 de setembro de 1878 – 8 de junho de 1905, era o poeta Aristheu de Andrade); e José Maria Goulart de Andrade (que recebeu o nome do irmão falecido).

José Maria Goulart de Andrade

José Maria Goulart de Andrade

Iniciou seus estudos primários em Maceió, na escola do professor Francisco de Barros Pimentel Goulart, seu tio. Recebeu ensinamentos também do professor Agnelo Barbosa. Concluiu os preparatórios em 9 de dezembro de 1895.

Frequentou os colégios dos professores Adriano Augusto de Araújo Jorge e do professor Domingos Moeda.

No dia 25 de março de 1897, deixou Maceió com destino ao Rio de Janeiro, onde matriculou-se, no dia 16 de abril de 1897, no curso preparatório para a Escola Naval, com três anos de duração. O curso superior desta mesma Escola durava também três anos.

Seu irmão, Joaquim Goulart de Andrade, também esteve nessa mesma Escola a partir de fevereiro de 1892.

Terminou o curso preparatório da Escola Naval em 1899. Iniciou o curso superior no ano seguinte, como pode-se constatar com a informação publicada no Jornal do Commercio de 28 de março de 1901. José Maria Goulart de Andrade é citado como aluno do 2º ano do Curso de Marinha e aprovado na cadeira de Mecânica racional aplicada à construção naval e às máquinas empregadas na navegação.

Em 20 de março de 1902 seu nome surge no mesmo jornal como um dos alunos “aprovado simplesmente, grau 2” em uma das disciplinas do 3º ano do Curso de Marinha da Escola Naval.

É provável que não tenha obtido aprovação em todas as disciplinas, como se deduz ao se constatar que em março de 1903 o Conselho Naval publicou parecer autorizando a vários ex-aspirantes a prestarem os exames que lhes faltavam para completar o curso da Escola Naval. José Maria Goulart de Andrade foi um dos beneficiados.

No ano seguinte, a partir de junho, começou a prestar serviço para a Prefeitura do Distrito Federal como auxiliar de engenheiro extranumerário. Era um diarista. Permaneceu nesta função até dezembro de 1906.

Há registro indicando que Goulart de Andrade estudou Engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e que colou grau como engenheiro geógrafo em 1906. Não foi possível comprovar isto. Entretanto, o Curso Superior da Escola Naval formava agrimensores e engenheiros de algumas áreas da Marinha.

De dezembro de 1906 a maio de 1907, ainda como diarista, trabalhou na comissão de captação de águas de Xerém, um distrito do município de Duque de Caxias no Rio de Janeiro.

Foi contratado como auxiliar efetivo em 2 de maio de 1907. Promovido a engenheiro auxiliar de 2ª classe da Diretoria de Obras e Viação da Prefeitura do Rio de Janeiro em 9 de dezembro de 1909.

Permaneceu neste cargo até 31 de março de 1924, quando assumiu a função de Inspetor do Ensino Técnico Profissional Feminino no Rio de Janeiro. Em 28 de janeiro de 1928 era Inspetor Escolar da Prefeitura do Distrito Federal. Foi jubilado do serviço público municipal em 12 de março de 1930.

Foi ainda diretor do Ginásio Pio Americano e redator de debates a serviço da Secretaria da Câmara dos Deputados até 9 de março de 1931, quando foi aposentado.

Daí em diante, até a sua morte, esteve doente em padecimento. Faleceu antes de completar 56 anos de idade.

O Poeta

Bastos Tigre, redator do Correio da Manhã, Edmundo Bittencourt, proprietário do mesmo jornal, e o poeta Goulart de Andrade, de roupa mais clara. Foto da Revista Fon-Fon de 1909

José Maria Goulart de Andrade casou-se com Luiza Oliveira de Araújo Lima em setembro de 1906. Ela era filha do clínico Dr. Araújo Lima. Teve com ela duas filhas: Maria Letícia (1907 -1965) e Silvia (1905 – 1983).

Contraiu segundas núpcias com Maria Fernandina Xavier (18 de maio de 1880 – 1941) em 1920.

Com 16 anos de idade, recém-chegado ao Rio de Janeiro, enviou para seu irmão Aristheu de Andrade, em Maceió, alguns poemas. Aristheu, que era um poeta consagrado, leu os escritos e desestimulou o irmão, argumentando que lhe faltava inspiração poética.

Não desistiu e tentou a sorte com outro irmão. Eusébio Goulart, que era editor d’O Gutenberg, então principal jornal de Alagoas. Eusébio recebeu os 12 sonetos do jovem irmão e publicou apenas um, Colo, os outros foram para a “gaveta”.

No Rio de Janeiro, com insistência e dedicação, foi aos poucos rompendo o anonimato e passou a frequentar uma roda de jovens boêmios e poetas na Confeitaria Colombo. Lá, conversava com Olavo Bilac, Emílio de Menezes, Guimarães Passos e outros.

Logo suas poesias começaram a ter espaços nos jornais e revistas, a exemplo da Kósmos de novembro de 1904, que publicou Canto Real de sua autoria.

Sua produção chamava a atenção por utilizar antigas formas de compor, então abandonada pelos poetas da época, como a rondó, a canto real, a balada e o vilancete. Fez parte do grupo de poetas que foi considerado como o dos últimos parnasianos brasileiros.

Com 24 anos de idade, sentiu a morte do irmão poeta, Aristheu de Andrade, que se suicidou em Maceió na madrugada do sábado, 8 de julho de 1905, quando tinha apenas 27 anos de idade.

Passou a propalar as poesias de Aristheu no Rio. A Gazeta de Notícias de 30 de julho de 1905, noticiou o empenho dele nessa divulgação e revelou que o próprio Goulart de Andrade já era reconhecido como poeta pelos “círculos literários do Rio”: “um dos mais belos talentos da geração que aí chega para a glória de lutas”.

Não demorou e seu nome passou a ser citado pelos periódicos quando o assunto era poesia.

A Gazeta de Notícias de 19 de maio de 1906 noticiou a conferência realizada no Club Fluminense pelo poeta Gustavo de Aguillar Pantoja. O consagrado escritor discorreu sobre os novos poetas brasileiros, citando Gustavo Santiago, Annibal Theophilo, Martins Pontes, Oscar Lopes e Goulart de Andrade.

Sobre o alagoano disse que era “de uma fecundidade incomparável e assombrosamente criador”. Destacou que foi o primeiro a compor em português “poemas de forma fixa da língua francesa, como o Rondel, Rondô e Canto Real”.

Avaliou que “seria justamente condenável a prática dessas verdadeiras Chi voi series, cheias de regras labirínticas, se o poeta, manietado, como se vê, pela forma severa, não conseguisse manter a emoção que há em todos os seus versos”.

Maestro Francisco Chiaffitelli, Olavo Bilac, Goulart de Andrade, barítono Nascimento Filho, Oscar Lopes, Emílio de Menezes, Leal de Souza, Martins Fontes e Augusto Lima. Sentados: Mme. Chiaffitelli, Alberto de Oliveira, Rosalina Coelho Lisboa e Gregório Fonseca em 1915

No artigo José Maria Goulart de Andrade, publicado na Revista da Academia Alagoana de Letras, nº 16, Carlos Moliterno transcreve a opinião de Fernando Goés, em Panorama da Poesia Brasileira, que classifica Goulart como um pré-modernista e não como um parnasiano. Moliterno não concordou com tal avaliação.

Mas nem só de elogios foi a carreira de Goulart de Andrade, e nem só poeticamente reagiu às críticas.

Segundo o Pequeno Jornal, de Recife, edição do dia 29 de março de 1909, “o poeta alagoano, José Maria Goulart de Andrade, o autor do mavioso livro Poesias. Agrediu, na rua do Ouvidor, ao sr. Elos Pontes, redator do Rio Chic, por haver este periódico publicado pilhérias ofensivas contra aquele e escritas por Elos Pontes”.

Além de poeta, dramaturgo e escritor, foi ainda redator de O Imparcial, no Rio de Janeiro e publicou trabalhos na Revista da Academia Brasileira de Letras.

Talentoso e culto, ocupou largos espaços entre a intelectualidade brasileira da época. Sua oratória, poesia e crônica foram sempre destacadas como entre as melhores produções da cultura daquele período.

Assim reconhecido, foi escolhido para a Academia Brasileira de Letras nas eleições realizadas em 22 de maio de 1915. Tomou posse em 30 de setembro de 1916 da cadeira nº. 6, cujo patrono é Casimiro de Abreu. Goulart sucedeu ao Almirante Jaceguay, seu ex-diretor na Escola Naval.

Foi sócio benfeitor da Casa do Artista, membro da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Instituto dos Arquitetos do Rio de Janeiro, da Sociedade Heleno-Latina de Roma, da Union Cultural Universal de Sevilha, da Academia de Letras do Amazonas e da Academia de Letras do Pará.

Era franciscano da Ordem 3ª dos Mínimos de São Francisco, comendador da Ordem de Santiago de Portugal, oficial da Cruz Belga de Leopoldo II, cavalheiro da Coroa da Itália, cavalheiro da Ordem do Libertador da Venezuela, Medalha do Mérito do Chile e membro da Casa Castro Alves.

Faleceu no Rio de Janeiro em 19 de dezembro de 1936. Morava na Rua Viveiros de Castro, nº 35. Foi enterrado no Cemitério de São João Batista.

Abaixo, um dos poemas de Goulart de Andrade:

Os meus pecados

Peço perdão, Senhor, se, por fraqueza,
Dentro em meu peito a flor das culpas viça.
Sei que me lançarás tua justiça
Sobre a tartárea furna em chama acesa:

Tendo-a nos braços, ardo de avareza
De tê-la; e, ao ver-lhe a forma alva e roliça,
Os meus olhos se arrastam com preguiça
Por montes e por vales de beleza!

Se o doido ciúme a cólera me açula,
Quebra a luxuria os nervos exaltados,
E a minha ação em lágrimas se anula…

Sinto inveja de Ti, somente, e, sob brados,
Mostro-a, beijando-a, numa insana gula,
Orgulhoso, Senhor, dos meus pecados!

Obras:

Goulart de Andrade em seu gabinete de trabalho. Revista Fon Fon de 19 de novembro de 1932

Em algumas obras utilizou o pseudônimo de Zé Expedito.

Poesias, 1900-1905, Primeira Série (Livro Bom – Livro Proibido – Livro Íntimo) Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro-Editor, 1907;

Teatro, Primeira Série (Depois da MorteRenúnciaSonata ao LuarJesus), Rio de Janeiro: Garnier,  1909;

Teatro, Segunda Série (Os Inconfidentes, peça em quatro atos) Rio de Janeiro: H. Garnier,  1910;

Numa Nuvem, Rio de Janeiro: Jacinto Silva, 1911 (teatro – Fantasia romântica em 2 episódios), tendo sido traduzido para o espanhol;

Poesias. 2a. Série. Névoas e Flamas,  Rio de Janeiro: H. Garnier, 1911;

Assunção, São Paulo: Francisco Alves & Cia, 1913 (romance) publicado antes no jornal Correio da Manhã, do Rio;

Discurso Pronunciado no Centro Alagoano – Rio de Janeiro: Tip. Veritas, 1917, folheto, (no Centenário da Emancipação Política de Alagoas);

Poesias, 1917;

Pontos de Cosmografia. Coordenados pelo Dr. J. M. Goulart de Andrade, Professor Catedrático de Geografia Geral do Liceu Alagoano,  1918;

Poesias, Segunda Série, 1923;

Um Dia a Casa Cai, 1923 (comédia em verso);

Cantos do Brasil Novo, Terra, Céu e Mar, Rio de Janeiro: Ed. Brasileira, 1923 (odes) ;

Sementeira e Colheita, Rio de Janeiro: Liv. Liberdade, 1924,  (crônicas);

Pela Grei,  Rio de Janeiro: Biblioteca da Liga da Defesa Nacional, Oficinas Gráficas da Revista do Supremo Tribunal Federal, abaixo dessa última informação se encontram  as datas:  1922  1924, 1925 (discursos);

Discurso de posse na Cadeira n.º 6 da Academia Brasileira de Letras (1915-1925), Rio de Janeiro:  Ed. Paulo Pongetti & Cia., 1931;

Ocaso, Poesias, 3a. Série – Rio de Janeiro: Renascença Editora,  1934;

Os Lusíadas e o Paraíso Perdido, in Revista da Academia, n. 103, 1930 e na Rio Ilustrado, 1934;

Depois da Morte; Renúncia (teatro);

Pomo de Sodoma, Revista da AAL, n. 15, pág, 283 (Antologia do soneto alagoano);

Discurso dos Srs. Xavier Marques e Goulart de Andrade. Sessão Solene de Recepção do Sr. Xavier Marques em 17 setembro 1920, Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1920.

Traduziu:

A Glória de D. Ramiro, romance do argentino Enrique Laterra, Rio de Janeiro: Livr. Francisco Alves, 1944;

E do francês, Raio de Sol (romance).

Concluiu o drama Jesus, iniciado por seu irmão Aristeu de Andrade.

1 Comentário on Goulart de Andrade, o poeta engenheiro

  1. Isso tudo me faz lembrar da morte. Aquela que matou aquele que já se foi e a nós, que nos encontramos na lista. E não muito distante o esquecimento e a solidão.

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