Fernão Velho dos pescadores e da fábrica de tecidos

Aspecto da Vila Operária em Fernão Velho no ano de 1922
Fernão Velho no início do século XX em foto de Luiz Lavenère Wanderley

Fernão Velho no início do século XX em foto de Luiz Lavenère Wanderley

A ocupação do local onde hoje está situado o bairro Fernão Velho, em Maceió, ocorreu provavelmente no início do século XIX quando pescadores e coletores de mariscos construíram residências à beira da Lagoa Mundaú e próximo a várias nascentes de água.

Há também registros de que no local funcionou um engenho numa propriedade remanescente da sesmaria doada por Dom Pedro II a Fernão Dias Velho, motivo da denominação do então Distrito como Fernão Velho.

Craveiro Costa, no Indicador Geral do Estado de Alagoas de 1902, cita a origem do nome no Riacho Fernão Velho.

Suas terras foram adquiridas, em 1850, pelo português José Antônio de Mendonça , que a partir de 1857 iniciou ali a instalação da nascente indústria têxtil de Alagoas.

União Mercantil

O jornal carioca Correio Mercantil, de 17 de março de 1857, publicou uma correspondência, enviada de Alagoas e datada de 7 de março, informando que alguns cidadãos tiveram a ideia de fundar uma fábrica de fiar e tecer algodão e que o comendador José Antônio de Mendonça, Manoel de Vasconcelos Junior e Manoel do Nascimento Prado, que lideravam o projeto, já tinham levantado 15:000$, considerado o suficiente para montar a empresa.

Fábrica de tecidos da União Mercantil em Fernão Velho no ano de 1922

Essa composição societária aparece alterada meses depois, quando foi anunciada a fundação da Sociedade Anônima Companhia União Mercantil em 20 de agosto de 1857. Tinha como sócios José Antônio de Mendonça e Tibúrcio Alves de Carvalho. Seus estatutos foram aprovados pelo Decreto nº 1960.

Há registros de que a fábrica só entrou em funcionamento no dia 1º de setembro de 1863. Entretanto, o jornal O Diário do Rio de Janeiro divulgou em de 11 de maio de 1860 a visita do recém-empossado presidente da Província de Alagoas à União Mercantil em Fernão Velho, indicando que aquela unidade fabril já podia estar em funcionamento naquele período.

Em 1883, a fábrica era movida por um motor hidráulico com mais de 50 cavalos. Empregava 74 funcionários que operavam 2.100 fusos e 40 teares, consumindo 45 toneladas de algodão por ano, e produzindo 247.500 metros de tecidos.

Seus diretores em 1883 eram Joaquim de Souza Silva Cunha, José Virgínio Teixeira de Araújo e Manoel José Duarte. No ano seguinte, com a inauguração da Estação Ferroviária, a fábrica ampliou suas exportações graças à facilidade de embarque dos produtos.

José Teixeira Machado foi um dos proprietários da fábrica de tecidos

O português José Teixeira Machado foi um dos proprietários da fábrica da União Mercantil

Entre 1891 e 1911 a fábrica passou para as mãos do português José Teixeira Machado e, a partir de 1911, para a de seus filhos, Antônio de Melo Machado e Arthur de Melo Machado, que comandaram a empresa até 1938.

Nesse período, o distrito recebeu saneamento no perímetro urbano e foram criadas escolas para os filhos dos trabalhadores. Os operários com mais de cinco anos de empresa tinham direito a uma casa com fornecimento de energia elétrica e água gratuitos.

Foi ainda com a fábrica dirigida pela família Machado que foi construído o Cineteatro São José, em 1917. Nesta época, a capela deu lugar à Igreja de São José dos Operários, considerada como uma das mais belas de Maceió.

Em 1922, a fábrica produzia tecidos crus, alvos e toalhas, utilizando exclusivamente o algodão cultivado em Alagoas.

Tinha 550 teares e 16.554 fusos. A força total era de 950 HP. Empregava 850 operários, sendo 330 homens e 520 mulheres, todos assistidos gratuitamente por assistência médica e serviço de farmácia.

O distrito de Fernão Velho passou a pertencer a Maceió no dia 7 de junho de 1927. Foi a Lei Estadual nº 1101 que desmembrou o distrito do município de Santa Luzia e o incorporou à capital.

Operários da União Mercantil em Fernão Velho no ano de 1922

Operários da União Mercantil em Fernão Velho no ano de 1922

Com o crescimento do número de funcionários, foi construída mais uma vila operária, que recebeu o nome de ABC devido a identificação dos imóveis por letras do alfabeto. Tempos depois, uma nova vila foi erguida para receber os aposentados, a Vila Goiabeira.

A União Mercantil, em 1938, viveu a crise da indústria têxtil nacional, além das divergências familiares entre os seus proprietários. Com essa situação, a fábrica passou para as mãos da família Leão, de Utinga, Rio Largo.

Logo depois, em 1946, foi vendida para o Grupo Othon Bezerra de Melo, de Pernambuco. A partir de então passou a ser denominada de Fiação e Tecelagem S/A, Fábrica Carmen.

Respeitando a tradição festeira do lugar, o Grupo Othon Bezerra de Melo construiu o Recreio Operário em 1948. No local, aos domingos, ocorriam os bailes, que atraiam casais até de Maceió. O Recreio também era utilizado pelo sindicato para a realização de suas assembleias ou para ensaios da Banda de Música Othon.

Setor de teares da União Mercantil em Fernão Velho em 1922

Setor de teares da União Mercantil em Fernão Velho em 1922

Na década de 1970, a Fábrica Carmen empregava cinco mil trabalhadores, levando o distrito a viver seus dias de glórias e festas. Veio a crise dos anos 80 e a indústria não suportou a concorrência, acumulou prejuízos e em 1996 parou de funcionar.

Graças a incentivos do Governo Estadual, a fábrica reabriu em 1997, mas com reduzida capacidade produtiva. Não demorou muito a parar novamente. Em 2010 fechou as portas definitivamente. As máquinas estavam obsoletas e os investimentos para a modernização não foram suficientes.

Com o fechamento da fábrica e o consequente desemprego de centenas de operários, Fernão Velho, que passou a ser um bairro da capital em 2000, perdeu sua atividade econômica mais importante e as antigas ruas operárias foram aos poucos se transformando e dando lugar as rotinas de um bairro semelhante a muitos outros da capital.

Colégio São José em 1922, Fernão Velho, Maceió

Grupo Escolar São José em 1922, Fernão Velho, Maceió

Motor da União Mercantil em 1922, à direita Antônio Machado, diretor técnico e um dos proprietários da fábrica

Motor da União Mercantil em 1922. À direita Antônio Machado, diretor técnico e um dos proprietários da fábrica

35 Comments on Fernão Velho dos pescadores e da fábrica de tecidos

  1. André Soares // 7 de novembro de 2016 em 09:46 //

    Parabéns Ticianeli por mais um belo texto, informação e história que não se encontra com facilidade.

  2. Olá Ticaneli, parabéns pelo texto. Pesquiso Fernão Velho há um tempo, mas ainda não tinha encontrado algumas informações que você expõe ao longo de seu texto. Por exemplo: como você conseguiu se certificar que as fotos são de 1922? Há algum acervo específico que apresente isso?

  3. Caro Ivo, as fotos identificadas como de 1922 pertencem ao livro Terra de Alagoas que foi lançado em 1922.

  4. Grato, Ticianeli. Conheço a obra, mas não tinha a certeza de que as fotos fossem do mesmo período de lançamento do livro. Abraços.

  5. Perfeita descrição de Fernão Velho 👏👏👏👏

  6. Nasci em Fernão velho e não sabia a origem do nome. Achei fantástico toda a história. Sempre q dá volto lá p/ matar a saudade.
    PaRabéns.

  7. Oneide Rodrigues Cavalcante // 26 de maio de 2017 em 03:28 //

    Parabéns Ticianelli, excelente texto, sempre acompanho seu trabalho e até coleciono essas fotos de Maceió Antiga!👏👏👏

  8. Edna M da Silva Curvello // 26 de maio de 2017 em 22:21 //

    Que belo artigo! Passei minha infancia ouvindo do meu falecido pai as histórias de Fernão velho, onde ele nasceu.

  9. Muito boa essa matéria, é bom saber das origens de Fernão velho,

  10. Há um mapa datado de 1859, divulgado recentemente pela imprensa local, que trata da implantação de um projeto de encanamento das águas do Riacho Bebedouro para Maceió. Neste mapa há menção a Fernão Coelho, logo abaixo da designação da Estrada do Taboleiro. Haveria algum equívoco na inscrição do mapa à época ou na citação ao donatário Fernão Dias Velho? Seria Fernão Velho ou Fernão Coelho?

  11. Maria de lourdes // 29 de julho de 2017 em 18:50 //

    Que bom obter essas informações,a cresci ouvindo a minha falando de Fernão velho, ela trabalhou na fábrica de tecelagem há muitos anos passados. Já estive na vila, adorei. (Minha mãe)

  12. Nasci em 1963. Minha avó Maria e minha Madrinha Rosa trabalharam na Casa Grande onde moravam a família de Dr. Alberto. Meus Pais eram operários da Fábrica e eu lembro sim de toda estrutura do bairro que era mantida pela Fábrica que era dona de tudo. Agora tudo mudou. Fábrica fechou e Fernão Velho virou um bairro comum de Maceió. As famílias conseguiram pelo menos comprar suas moradias negociando diretamente com a Fábrica a compra do imóvel. Na época eu comprei uma casa para meus Pais e um terreno pra mim. Trabalhei por longos 5 anos. Um ano no laboratório de controle de qualidade e quatro anos no escritório. Foi ótimo. Meu primeiro emprego. Aprendi muito. Abraços!!!!!

  13. Renato Tibúrcio da silva // 2 de novembro de 2017 em 10:22 //

    Gostei de todas as informações
    Eu que moro aqui na av. há 39 anos em Fernão velho

  14. José Correia de Azevedo // 12 de novembro de 2017 em 01:10 //

    Quem foi Carmem que deu origem ao nome da Fábrica de Fernão Velho ? Gostaria que algum historiador ou familiar atendesse a minha curiosidade pois, sou filho natural da Terra.

  15. Caros companheiros,
    Nasci em Fernão Velho aos 11 dias do mês de dezembro de 1942, portanto há quase 75 anos, e fui para o Rio de Janeiro aos 14 anos incompletos para morar com um tio, irmão de minha mãe. Meu pai trabalhou no escritório da Fábrica Carmen. Lembro-me bem da cidade de Fernão Velho, ruas calçadas, arborizadas, limpas, a praça, o Jardim de Infância, que frequentei, e Grupo Escolar São José, onde estudei o primário, a Igreja de São José, a Fábrica Carmen e os operários, que trabalhavam por turno, o Cinema S. José, o Ambulatório, a feira aos sábados etc. Lembro-me também do Recreio e do outro local, no lado oposto, onde eram realizados jogos. A cidade era muito bem tratada, bem como os funcionários da fábrica.

  16. Cícero Almeida // 5 de dezembro de 2017 em 17:58 //

    Zé Correia, segundo a filha do dr. Alberto, Maria Amália, Carmen foi a neta mais velha do Othon.

  17. Lidia Ceríaco // 19 de janeiro de 2018 em 16:29 //

    Belas recordações para quem viveu nessa época, ao mesmo tempo gera vontade na geração atual de ter conhecido tudo isso em épocas remotas… Fernão Velho, lugar de gente boa e pacata… Berço que embalou muitos sonhos.
    #Filha #da #Terra

  18. Meu avô italiano foi para Fernão Velho participar da orientação desta fiação, o nome dele era Amleto Ottuzzi

  19. Meu avo tambem trabalhou o nome dele e joames Antonio Gan

  20. JANETE MORTONI // 10 de março de 2018 em 14:09 //

    Informações muito relevantes, estou em busca da certidão de nascimento de meu pai e casamento de meu avô. Meu avô era paulista e foi pra Alagoas, onde casou e seus filhos nasceram , por volta de 1910- 1913, ele foi trabalhar em fábrica de algodão. Sabe me dar alguma pista sobre onde eram registrados os filhos dos trabalhadores das fábricas?
    Muito obrigada!

  21. Claudio de Mendonça Ribeiro // 11 de março de 2018 em 12:29 //

    Prezados companheiros,
    Quando criança fui aluno do Jardim de Infância, que ficava defronte à praça, e posteriormente da única escola pública que existia em Fernão Velho, cujo nome era Grupo Escolar São José, e não Colégio São José. Desculpem-me, pois isso não desmerece o texto de forma alguma. Muito pelo contrário. Só tenho a enaltecer e agradecer o teu trabalho, caro Ticianelli, de divulgação. Também fui aluno de uma professora federal, que lecionava em uma sala do mesmo lado onde ficava o Jardim de Infância, mas cujo nome agora não me ocorre.
    Grato pela atenção,
    Claudio Ribeiro – C. Abreu, RJ.

  22. Caro Cláudio, obrigado pela observação. Vou corrigir a informação.

  23. Gostaria de ver mais fotos dos locais , mais conhecidos

  24. ROGÉRIO CALHEIROS // 5 de abril de 2018 em 14:46 //

    Parabéns pelo seu trabalho , Muito bom conhecer a histórias do nosso bairro , melhor ainda conhecer a historia do bairro a onde foi criados meu Pais . Fernão velho
    muito boa também a historia do meu tio Reinaldo calheiros !!

  25. Claudio Américo Oliveira Machado // 30 de julho de 2018 em 21:46 //

    Olá professor Ticianeli, meu nome é Claudio A. O. Machado, sou bisneto do Comendador José Teixeira Machado, meu pai Claudio Machado ainda é vivo e conhece bem a história da cidade que virou bairro, ele possui varias fotos e alguns documentos históricos da família, ele já tem 91 anos de idade e seria ótimo que o senhor registrasse todos os documentos e fotos que ele tem.
    Desde já agradeço pela publicação de nossa história.

  26. Muito boa a publicação desta matéria sobre a origem de Fernão Velho pois vivi minha infância e adolescência neste lugar que era lindo e maravilhoso saudades das festas natalinas que eram melhor que a de Maceió meu pai foi gerente desta fábrica por muitos anos e era muito admirado pelos operários minha irmã foi diretora do Colégio morava na goiabeira no sítio boas lembranças daqueles tempos

  27. Orlando, recomendo que faça contato com o grupo Evocando Fernão Velho. https://www.facebook.com/search/top/?q=evocando%20fern%C3%A3o%20velho

  28. ai é muito bonito amei ver,

    meus avô foi operario entre 1938 1958 perdeu um dedo e ele foi afastado e a minha vó falava muito dessa cidade ela foi enbora e não mais volto,morreu com 85anos em 2007meu avô com 86 anos 1958 á 1999 não retornou mais á fernão velho ele gostava de dança guerreiro ele era manuel Tobias da silva eu gostaria de saber si ele tem filhos irmão ai pois ele era muito namorado é eu não conhecei ninguém minha vó era josefa da conceição ambus de palmeira dos indios morarão ai e no Tabulheiro dos martins ,minha vó não conhecemos nem irmão nem irmã nem pai, quero saber ela não era unica ? não sabemos dos paradeiro deles, não queromos nada so
    conhecer

  29. Fernão Velho foi o Bairro que deu origem a quase todos os Bairros da Parte Alta! O Tabuleiro do Martins quando surgiu era um Sítio pertencente a Fernão Velho e também era conhecido como Taboleiro de Fernão Velho! As Terras do Bairro do Clima Bom pertenciam a Família Othon Bezerra de Melo! Toda essa região do Tabuleiro, Petrópolis, Santa Amélia, Clima Bom, Santos Dumont, Pertencia a Fernão Velho e era só mato, cana, fazendas e sítios! Quando o Tabuleiro do Martins se desmembrou de Fernão Velho e virou o maior bairro de Maceió, anos depois surgiram novos bairros desmembrados do Tabuleiro!

  30. Euda Vieira de lima Silva // 24 de fevereiro de 2020 em 09:22 //

    Eu nasci em Fernão Velho,no dia 10-11-1963, meu pai trabalhou por 35 anos na fabrica, lembro muito bem ele jogando bola na quadro,e eu mais minhas irmã vendendo amendoim nas arquibancadas,meu pai era Biu lotação.

  31. Paulo José Moraes da Silva // 23 de abril de 2022 em 10:41 //

    Grande Ticianelli está de Parabéns em publicar algo em torno de nossa querida Fernão Velho. Cidade de meus ancestrais. Primos de meus avós paternos. Fui muito dançar no Recreio pegava o trem em Maceió e meus primos Pinheiro e Dorival. Quantas vezes íamos passar fim de semana e aproveitavamos para tomar banho no Catole. Foi uma adolescência bem curtida nas casas das primas filhas de João Rato ! Saudades desse tempo !

  32. Bom dia, nesse momento realmente é bom dia. Meus avós e meu pai junto com meus tios eram de Fernão Velho onde meu bisavô MANOEL DO NASCIMENTO PRADO foi um tecelão da fábrica e eu gostaria muito de saber como fazer para ter mais informações sobre ele, Ticianelli gostaria que mim ajudasse.

  33. Carlos Henrique, lamento não poder contribuir nessa sua pesquisa. Levantamento genealógico cobra muita dedicação e tempo, algo que no momento não tenho nem para dar conta dos meus trabalhos. Espero que encontre alguém que possa visitar livros de igrejas e cartórios, ou mesmo entrevistar antigos moradores.

  34. Nasci em Fernão Velho , trabalhei no Emporio e na Fabrica que saudades de tudo Estudei no Grupo Escolar São José Morava na Vila Operaria.

  35. Gedson Basílio Tavares // 17 de dezembro de 2023 em 02:09 //

    Estamos em dezembro de 2023, e o meu Fernão-Velho está todo iluminado com as luzes do natal, o parque de diversão montado na rua, nos faz voltar a um passado não tão distante, quando o meu lugar era protagonista das grandes festas de Maceió. Orgulho do meu pedacinho de chão.

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