Cruz das Almas dos coqueiros cruzados

Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, na orla de Cruz das Almas, logo após a sua inauguração em 1981

O bairro de Cruz das Almas surgiu no século XIX em uma área entre a Estrada do Norte e a bela praia que muitos anos depois também seria conhecida como Cruz das Almas.

No Almanak da Província de Alagoas de 1874 o local é citado ainda na relação das “Estradas Arruadas” da capital, ao lado do Trapiche, Mangabeiras, Bebedouro, Frechal e Mutange.

Em 1877, o mesmo Almanak descreve a Freguesia de Nossa Senhora Mãe do Povo de Jaraguá como tendo sido desmembrada de Maceió pela Resolução Provincial nº 461 de 27 de junho de 1865 e cita Cruz das Almas.

A nova freguesia era formada pelos povoamentos do Poço e Pajuçara, “além da capela de Nossa Senhora Mãe do Povo, que serve de Matriz, tem a freguesia duas capelinhas, uma na Pajuçara e outra no lugar denominado Cruz das Almas“.

Poucos anos depois, os jornais registram o nome de uma professora trabalhando neste povoado. A cadeira mista de 1ª entrância do Mocambo havia sido transferida para Cruz das Almas pelo vice-presidente da Província, “devendo a respectiva professora acompanhar a sua cadeira”, informou O Orbe de 25 de maio de 1883.

Em 1892, o Conselho Municipal de Maceió aprovou Lei organizando a instrução primária da capital, que era composta de 34 escolas divididas em urbanas e suburbanas. Entre as últimas está registrada uma escola em Cruz das Almas.

Restaurante Bem em Cruz das Almas nos anos 80

O jornal Gutemberg de 24 de dezembro de 1897 publicou o “Arrolamento dos coqueiros do Município de Maceió no ano de 1897”, trazendo informações importantes sobre a ocupação de Cruz das Almas. Na relação dos 22 proprietários dos sítios nesta área litorânea, há a quantidade de coqueiros em cada um deles e o total de impostos a pagar. O maior deles é o de José de Oliveira Lima, com 200 coqueiros.

Conjunto da Cohab em Cruz das Almas logo após a sua inauguração em 1967. Foto Revista Manchete

No final do século XIX, o povoado de Cruz das Almas havia crescido o suficiente para ampliar o seu quadro de professores, constatação realizada numa rápida análise do quantitativo dos profissionais transferidos para o local.

Praia de Cruz das Almas em Maceió, na década de 1990

Outro indicativo do desenvolvimento surgiu em fevereiro de 1911, quando o jornal Gutemberg apelou para que a Companhia Trilhos Urbanos prolongasse a linha de bondes do Poço “até o fim do arrabalde de Mangabeiras, começo de Cruz das Almas”.

Na justificativa, o jornal explicou que o aludido arrabalde tem “a sua edificação bem regular em chácaras bem cuidadas além das circunstâncias de ser passagem forçada de todo o trânsito do norte para esta capital”.

A Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, edição de 1929, ao descrever os bairros de Maceió se refere ao povoado como um local distante, “onde fenecem os terrenos de Mangabeiras começam os de Cruz das Almas, em cuja entrada existem, à guisa de pórtico, dois coqueiros que, declinando para o solo em direções opostas, se cruzaram”, esclarecendo a origem do nome do local, que também foi atribuída a existência de um cemitério indígena naquele lugar.

Hotel Matsubara ao lado do Restaurante Bem na praia de Cruz das Almas

Além de identificar a enorme quantidade de coqueiros, a revista informou que existem poucas casas no local. “A prosperidade da taciturna povoação é nula”, mesmo havendo solo fértil e fácil comunicação com o mercado consumidor. Cruz das Almas é tida como um local de passeio dos maceioenses, que para lá se dirigiam nos feriados ou finais de semana em busca de banhos de rio e de colher cajus.

“Sob os outros aspectos não diverge o mesquinho vilarejo dos circunjacentes. É enorme a sua displicência, pois a respectiva população, muito inclinada ao ócio, vive quase sempre entregue à mais enervante das apatias”, concluiu o jornalista da Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

Cruz das Almas voltou a merecer a atenção da imprensa novamente na década de 1960, quando a Companhia de Habitação Popular de Alagoas, Cohab, resolveu construir no local o primeiro conjunto habitacional de Alagoas. O residencial inaugurado em 1967 tinha uma particularidade: os nomes de suas ruas eram homenagens aos municípios alagoanos.

A partir de então, o bairro passou a crescer aceleradamente, deixando de ser uma área de sítios, para ter características urbanas predominantes de área residencial.

A sua orla marítima também recebeu nesse período serviços de hotéis, bares e restaurantes.

Hotel Matsubara e o Restaurante Bem.

Um deles, o Restaurante Bem, chegou a ser considerado o principal point da capital. Foi inaugurado em 1978 e funcionou até 1991. Outro investimento importante foi o Hotel Matsubara, o primeiro hotel cinco estrelas construído na cidade. O seu grupo proprietário, constituído em 1982, é liderado por Saburo Matsubara.

Em 1981, a Avenida Eduardo Gomes foi urbanizada e atualmente o seu prolongamento atinge Jacarecica. É parte importante do sistema binário de trânsito da área norte de Maceió.

Ganga Zumba

O monumento mais importante do bairro foi esculpido em granito pelo pernambucano José Faustino e homenageia o primeiro grande líder do Quilombo dos Palmares, Ganga Zumba. Fica na praça do mesmo nome, que foi inaugurada em 1984 pelo prefeito José Bandeira.

Em 2010, numa das reformas da praça, o monumento foi retirado e somente retornou em 19 de novembro de 2015, com o prefeito Rui Palmeira, após cobranças dos movimentos culturais de Maceió.

Praça Ganga Zumba em Cruz das Almas

Segundo o professor de história André Cabral, Ganga Zumba significa “Grande Filho do Senhor”, mas poderia significar “Grande Lorde” se o nome fosse Ganazumba.

“Natural do Império do Congo, o reino imemorial que se estendia desde o sudoeste da África até o centro-sul do Gabão, Ganga Zumba era filho da princesa Aqualtune e tio do herói Zumbi. Negro foragido, deixou a marca de grande estadista, liderando a república livre dos Palmares, no atual município de União dos Palmares, entre os anos de 1670 e 1678″, explica André Cabral.

Lixo

Nos anos 70, as áreas superiores das barreiras próximas a Cruz das Almas foram utilizadas como depósito de lixo da capital, criando sérios problemas para o bairro. O principal deles foi o surgimento de nuvens de moscas. Nesse período, a região desacelerou o seu crescimento.

Esse problema só foi resolvido em 2010 com o fim do lixão, que foi substituído pela Central de Tratamento de Resíduos de Maceió (CTR). Entrou em operação no mês de abril daquele mesmo ano.

Nos últimos anos, Cruz das Almas, mesmo mantendo sérios problemas estruturais, tem recebido outros grandes hotéis, uma faculdade, algumas escolas e um dos mais modernos shoppings da cidade.

6 Comments on Cruz das Almas dos coqueiros cruzados

  1. andrea.martins.112@gmail.com // 3 de janeiro de 2017 em 16:54 //

    Ótimo texto sobre o surgimento do bairro de Cruz das Almas. Grata!

  2. Ana Magalhães // 5 de março de 2017 em 22:07 //

    De onde vem o nome Cruz das Almas? Teria relação com algum sepultamento?

  3. Omar Coelho // 18 de maio de 2020 em 23:11 //

    Parabéns, Ticianelli, por mais um resgate histórico. Sou um defensor da mudança do nome do bairro, visando dinamiza-lo e valorizá-lo, assim como aconteceu com o bairro do Bexiga em São Paulo, q após tornar-se Bela Vista houve uma grande valorização imobiliária.

  4. Celia Regina // 18 de junho de 2021 em 13:27 //

    Muito bom saber da nossa história. Faltou falar da praça ganga zumba, por que tem esse nome quem era esse homem

  5. Célia Regina, aceitamos sua sugestão e a matéria agora consta das informações solicitadas por você. Obrigado pelas observações.

  6. Olha aí o Omar ratificando a tese que a justificativa da mudança de nome não tem nada a ver com homenagear artista, antes é para especulação imobiliária! Assim caminha a humanidade.

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  1. Maceió - AL - TourBrazil

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