Corografia de Alagoas – Pão de Açúcar

Texto de Moreno Brandão extraído da Coluna Estudos e Opiniões, Diário de Pernambuco, 3 de outubro de 1920, p. 2

Morro do Cavalete em 1930. Foto Edigar de C. Falcão

Avenida Bráulio Cavalcante, vendo-se os “tamarindos melancólicos” e a Igreja Matriz à esquerda

Moreno Brandão[i]

Anquilosada numa inércia que lhe tolheu os surtos como a ave das lendas indianas que não podia voar malgrado as cem asas de que era dotada, Pão de Açúcar, depois de exibir tendências progressivas, nada tem evoluído. Mesmo assim, nada perdeu de seu primitivo aspecto pinturesco. Pelo contrário. É uma das cidades mais lindas do Estado.

O seu solo é em geral plano e sem ondulações. Quem aí desembarca contempla em primeiro lugar um plano extenso de areias fulvas que formam, no rumo do poente, uma enormidade de dunas e medões, as quais, embora uma vez afastadas mediante um trabalho que não teve seu natural complemento, vai rapidamente ocupando a área edificada e submergindo as casas. Depois se segue uma larga avenida muito bem arborizada de tamarineiros melancólicos e flamboyants, que blasonam cores vivazes.

Ao centro da avenida que tem o nome de Bráulio Cavalcante, fica a matriz, um templo modesto, sem beleza arquitetônica. Foi ereta em substituição a uma capela que no mesmo local existia, a qual foi construída por iniciativa popular suscitada por Antônio Manoel das Dores, sendo posteriormente (sob a direção do Padre Antônio Plácido de Souza, vigário de Ingazeira, emigrado de sua Paróquia na vigência da Seca de 1846) completamente remodelada, adquirindo maiores proporções.

Interior da Matriz. Ao fundo o Altar-Mor, tendo ao centro a imagem do Sagrado Coração
de Jesus, ladeada pelas de Nossa Senhora do Socorro e Nossa Senhora do Rosário

Não obstante, a atual Matriz de Pão de Açúcar assumiu a sua feição atual em 1877, quando o missionário capuchinho Frei Cassiano de Comacchio[ii] a ampliou, erigindo-lhe torres e pondo-lhe um coro. A ela, posteriormente, acrescentaram o corredor do lado do Nascente.

A ornamentação interna do templo é pobre: três altares, que contém alguns oratórios. No centro, no Altar-mor, depara-se o Sagrado Coração de Jesus, ladeado por Nossa Senhora do Socorro e Nossa Senhora do Rosário. Entre as colunas, estão os nichos do Espírito Santo (lado do Evangelho) e de São Sebastião (lado da Epístola).

São os altares laterais destinados a Nossa Senhora das Dores e o outro ao Senhor dos Passos. Não existe no interior da igreja obra alguma de valor artístico, sendo o conspecto do templo indício da pobreza da população.

Ao Norte da Matriz está o açougue, um dos melhores do Estado, mantido sempre com relativo asseio. Quase na extremidade oriental da Avenida Bráulio Cavalcante, fica o Paço da Intendência, edifício adaptado ao mister que hoje tem.

No término da predita e vastíssima artéria fica a Casa de Detenção (a Oeste), concluída e inaugurada a 7 de janeiro de 1911, na administração do Dr. Euclides Malta. Este edifício rememora a calamitosa estiagem de 1877 quando, para socorrer os imigrantes vindos de vários pontos do Sertão dos Estados limítrofes, o Juiz de Direito Dr. Alfredo Montezuma de Oliveira[iii] teve a feliz ideia de aproveitas as somas enviadas para a sustentação dos flagelados iniciando a construção do citado próprio estadual.

Paralisadas por muito tempo as obras dessa cadeia, quando, na vigência da República, sobreveio nova seca, tiveram elas, governando o Coronel Pedro Paulino da Fonseca, o pequeno impulso que lhes poderia provir da insignificante verba de 2:500$ destinada por aquele governador para atenuar o tremendo infortúnio coletivo.

A Cadeia Pública durante a grande Cheia de 1919

Seguindo sempre para Oeste, encontra-se, posta sobre a barra da Lagoa da Porta, uma ponte que foi erigida em 1877, sob o benigno influxo do mesmo religioso Frei Cassiano de Comacchio. Além da ponte, para os lados do Noroeste, num vale soturno e umbroso, fica o cemitério público, para o qual a munificência do Imperador, quando esteve em Pão de Açúcar em 1859, deixou a quantia de 700$. Esse próprio municipal foi construído muitos anos depois em terreno doado pelo Major Manoel Caetano de Aguiar Brandão.[iv]

Ao Oriente do cemitério, e além da Lagoa da Porta, insurge-se do solo o morro do Humaitá, vasto amontoado de pedrouços brancacentos, um dos quais, a Pedra da Paciência, é um verdadeiro logradouro público. Ali todas as tardes se reúnem, em grande número, vários passeantes que abrangem com a vista toda a magnificência panorâmica de uma cidade singular e bizarra.

Daquele píncaro de altitude mesquinha, contempla-se ao longe, na Praça do Bonfim, a capelinha desta denominação. Modestíssima, a ermida do Bonfim é deliciosamente sugestiva. À Rua Dom Antônio Brandão divisa-se também o Politeama Goulart de Andrade, um teatrinho quase miniaturesco, inaugurado em 1910.

Enfim, toda a cidade com suas largas ruas simétricas é alcançada do Alto do Humaitá, causando sempre reconfortante impressão. É, porém, nas épocas das enchentes do São Francisco que o panorama se torna mais golpeante por oferecer novas perspectivas.

Transforma-se então a cidade numa península, cujo istmo é a Tapaginha. Afora a Pedra da Paciência e os pontos já citados, tem a cidade um morro de forma cônica, onde se erige o cruzeiro comemorativo da transição do Século 19 para o Século 20.

Morro do Humaitá em foto de Edigar de C. Falcão, 1939

No meio de tantas belezas, acrescidas de tantos recursos, mora uma população inteligente, mas paupérrima, sustentada quase pelos produtos da lavoura que pratica nas lagoas adjacentes e por uma indústria que ainda não teve um surto apreciável de expansão.

Essa indústria é, por isso mesmo, rudimentar, constituindo-se no preparo de vinhos de frutas; no curtimento de couros; trabalhos se selaria; correaria; sapataria; tamancaria; artefatos de chifres e ossos; cordoalha e tecidos grosseiros, além de primorosas rendas que sempre alcançam bons preços.

As classes proletárias não se entregam somente a esses misteres; ocupam-se também do preparo de tijolos e telhas e na exploração de caieiras, que dão cal branquíssima. Mas a indústria principal dos moradores da cidade e de todo o município é a pastoril rotineiramente exercitada.

A prova da capacidade intelectual dos pão-de-açucarenses vamos encontrá-la principalmente no fato de ali haver sempre existido jornalismo.

Eis a lista dos jornais surgidos na linda cidade:

Igreja do Bonfim durante a grande Cheia de 1919

Jornal do Pão de Açúcar (1874); O Paulo Afonso (18__); O Horizonte (1880); O Trabalho (1882); A Palavra (1889); O Juvenil (1892); A Verdade (1893); O Sertanejo (1895); A Força (1895); O Espião (1896); Microcosmo (1896); O Social (1897); A Voz do Sertão (1906); A Ideia (1910); O Popular (1912); O Relâmpago (19__).

Maceió, 28 de setembro de 1920.

Moreno Brandão.

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Publicado originalmente no Blog do Etevaldo (http://blogdoetevaldo.blogspot.com/2019/11/corografia-de-alagoas-pao-de-acucar.html?m=1)

[i] Extraído da Coluna Estudos e Opiniões, Diário de Pernambuco, 3 de outubro de 1920, p. 2. Francisco Henrique Moreno Brandão nasceu em Pão de açúcar, a 14/09/1875 e faleceu em Maceió, a 27/08/1938.

[ii] Procedente da Província de Bolonha, Itália, chegou ao Recife em abril de 1872, onde faleceu,em 1897

[iii] Natural do Pará, formou-se pela Faculdade de Direito do Recife e 1863. Faleceu em Pão de Açúcar a 20/06/1881.

[iv] Natural de Mata Grande. Faleceu em Pão de Açúcar, aos 72 anos de idade, no dia 11 de janeiro de 1890. Era tio de Moreno Brandão por parte de pai e avô por parte de mãe. É que o pai de Moreno Brandão (Dr. Félix Moreno Brandão) casou-se com a sobrinha Maria de Aguiar Moreno Brandão.

3 Comments on Corografia de Alagoas – Pão de Açúcar

  1. Billy Magno // 4 de janeiro de 2020 em 01:03 //

    Ticianeli, a rua Dom Antônio Brandão citada no texto seria a antiga rua da Aurora e hoje Professor Antônio de Freitas Machado onde funcionou o Cine Palace?
    Aldemar de Mendonça da a localização do Politheama na rua Aurora 130.

  2. Informações do Etevaldo: Originalmente era Rua Aurora. Passou a se chamar Rua Dr. Paes Barreto (João Francisco de Novaes Paes Barreto, neto do Barão de Piaçabuçu). A partir de 1971, passou a se chamar Antônio de Freitas Machado.

  3. Bom dia amigo
    Primeiramente quero parabeniza lo pelos textos sobre a cidade de Pão de açúcar AL.
    Porém, escrevi um texto sobre a história da cidade e gostaria muito que você lesse e apontasse algumas incoerências caso haja. Eu resido em São Paulo, sou professor, conheci a cidade agora em 2023 e fiqui apaixonado pela simplicidade do povo e pelo acolhimento também.
    Gratidão!

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