As lagoas de Carlos Paurílio

Moradia de pescador em um canal da Lagoa Mundaú ou Manguaba

Carlos Paurílio

*Publicado na Revista Alagoas de outubro de 1938, n° 3, com o título Lagoas…

A lagoa está muito perto e nós muito distante dela. Só um raro domingo, de corpo cansado e espírito sombrio, é que nos lembramos de suas águas claras e tranquilas.

Aproximamo-nos, então, de suas margens características, assustando os caranguejos teimosos e as jaçanãs esquivas. Uma canoa sonolenta convida a um passeio a lugares aprazíveis, onde há banhos sadios, ar puro, frutas saborosas e liberdade.

Para os que não querem saltar, basta o balouço da canoa, o vento morno nas faces e os coqueiros enfeitando a paisagem. Mas a maior poesia é conhecermos o batismo de águas correntes que nos vão limpar de todas as impurezas da cidade.

Lagoa Mundaú no Pontal da Barra na década de 1950. Foto Stuckert

Remédios, Bica da Pedra, Boca da Caixa, Massagueiras. São nomes que nos despertam desejo duma vida ao ar livre, de andarmos atoa, de pés descalços, dependurando sonhos pelos galhos dos caminhozinhos anônimos.

A nota mais sugestiva é a dos coqueiros. Por toda parte, eles nos enchem os olhos com seus perfis trêmulos, abrindo no alto suas grandes palmas verdes.

E também as velas mansas dos pescadores. Da alvorada ao crepúsculo, as canoas deslizam cruzando os canais piscosos. Peixes indígenas esperam com paciência quase humana os anzóis espertos.

Para os sem-barcos há o mangue e o sururu. Esse marisco inesgotável engorda o pobre na sua pobreza e faz com que ele guarde na memória as histórias mais remotas da lagoa.

Mundaú e Manguaba guardam em suas águas as legendas mais singelas e mais trágicas! Entre as baronesas apareceu a cabeça dum afogado. O Calunga tem redemoinhos traiçoeiros, que só sentimos no romance de Jorge de Lima.

A canoa nos leva sempre. Igrejinhas brancas, trepadas nos morros, servem de estações de parada. A dos Remédios, a de Coqueiro Seco, conservam preciosidades e têm em seus nichos santas aparecidas que ainda fazem milagres.

Noite enluarada na Lagoa Mundaú, Pontal da Barra, na década de 1950. Foto Stuckert

Mas, numa dessas canoas, certa manhã, houve um pecado. Aloísio fechava os olhos para não ver. Eu escondia-me no álcool. Os outros olhavam para o outro lado. E o Willy, felizmente, era míope.

Num nudismo pagão, Aurélio e Pelópidas apostavam natação, numa euforia de rapazes que possuem belos músculos. Então lá vinha, apitando de vez em quando, como um aviso ou um protesto, a lanchinha de Alagoas [Marechal Deodoro], carregada de muitos olhos cheios de curiosidade ingênua.

Eram asiladas, a passeio, acompanhadas das freirinhas sisudas. O espanto refletiu-se em seus rostos por esse primeiro encontro com tritões autênticos. Felizmente a água era profunda e escondeu o que não devia ser visto.

Voltamos as velas em direção dos coqueiros. As aves aquáticas continuavam fugindo de nós. Mas os caranguejos teimavam sempre…

1 Comentário on As lagoas de Carlos Paurílio

  1. Vânia Ramires Villela // 11 de outubro de 2022 em 12:47 //

    Eu passei minha infância , nas férias escolares, em uma casinha que papai e outros familiares alugaram, no Broma. Para passarem juntos as férias dos seus filhos. Sinto saudades daquele tempo maravilhoso.

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