Alagoana pretendeu ser a autora da música A Jardineira em 1939

Rancho Inocentes do Catumbi mostra suas fantasias para o carnaval carioca de 1938

Benedito Lacerda e Pixinguinha

Qualquer folião que mereça essa qualificação conhece alguma marchinha e sabe da sua importância para os antigos carnavais.

A primeira marchinha conhecida foi Ó Abre Alas, uma composição de 1899 especialmente feita por Chiquinha Gonzaga para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro.

Com origem nas marchas portuguesas que fizeram sucesso no Brasil até a segunda década do século XX, as marchinhas eram consideradas crônicas urbanas e alcançaram sucesso, principalmente no Rio de Janeiro onde se encontravam as mais potentes emissoras de rádio, gravadoras de discos e os grandes estúdios do país.

Mas nem tudo era música no carnaval dos tempos das marchinhas, principalmente para uma delas: A Jardineira, que na mesma velocidade com que fez sucesso, teve sua autoria questionada, sob acusação de plágio.

Jardineira

Em entrevista para a revista Carioca nº 160, de 12 de novembro de 1938, Benedito Lacerda, ao relacionar seus sucessos, profetizou que “dentro em breve, porém, juntarei mais um: ‘Jardineira’. Música baseada em motivos da Bahia. Letra de Humberto Porto. Gravou-a, Orlando Silva…”.

Acertou em cheio. Foi, de fato, uma das músicas de maior sucesso no carnaval de 1939 e de muitos outros carnavais durante décadas.

Humberto Porto era baiano

Porém, os compositores demoraram a comemorar o sucesso alcançado. Ainda em janeiro de 1939 surgiram as primeiras contestações sobre a autoria da marchinha de sucesso.

Foi a própria revista Carioca de 7 de janeiro de 1939 que colocou em dúvida a autoria da música. O título da reportagem perguntava aos leitores se os compositores mereciam aplausos ou assovios, mesmo reconhecendo que a música havia caído no gosto popular.

No texto, o desafio continuava: “A música é de uma velha canção. A letra foi readaptada. Que merecem, em face disso, Benedito Lacerda e Humberto Porto? Em seguida foram publicadas várias cartas de leitores testemunhando que a música já existia.

José Jeronymo de Souza, morador da Rua Areal de Baixo, 31, na Bahia, argumentando que era embalado para adormecer com essa música, protestou dizendo que a canção já pertencia ao povo e “ninguém se lembra mais do seu autor. É do povo, portanto”.

Outro a reclamar contra Benedito Lacerda e Humberto Porto foi Altino B. de Sá, morador da Rua Coronel Monteiro, 24, em São José dos Campos. Altino afirmou que desde 1936 já vinha publicando na revista seus protestos contra os plágios no Carnaval. “A marchinha ‘Jardineira’ nada mais é que a reprodução de um sucesso de 1928, que já naquele tempo era calcado numa valsa vienense. Basta lembrar este estribilho: Vem, Jardineira. Vem, meu amor. Vem regar as flores. Com teu regador”.

Dr. Pinheiro, de São José dos Campos em São Paulo, lembrou que há quase vinte anos [em 1939] “surgiu aí uma marchinha popular ligeira e harmoniosa. As crianças encantaram-se com a suavidade da música e o doce gorjeio da letra. E nos seus ‘brincos’ infantis, ‘roda’ barulhenta e formada, cantavam, à tardinha, nos jardins floridos”.

“Depois a modinha foi aos poucos desaparecendo, e somente em algumas cidades tristes do interior as criancinhas, de vez em quando, relembravam a ‘tragédia’ da camélia”, explicou o Dr. Pinheiro.

Benedito Lacerda e Humberto Porto explicam em entrevista a origem da Jardineira

A edição seguinte da revista publicou que Humberto Porto e Benedito Lacerda foram até a sede da Carioca para dar explicações.

Benedito começou dizendo que todo mundo queria ser autor da “Jardineira”.

“Apareceu nos últimos dias, uma neta ou sobrinha de uma certa senhora de Alagoas, que entendeu também de participar dos meus lucros e glória. Mas a mocinha, que diz ser a autora da ‘Jardineira’, conheceu-a somente em dezembro de 1937. Sendo assim, a ‘Jardineira’ dela é muito diferente da minha”.

Admitiu que “a Jardineira que eu apresentei para o Carnaval de 1939, vem de muito longe. É do povo. Pertence ao nosso folclore”. Em seguida, cantou as duas Jardineiras para mostrar a diferença entre elas.

Ainda, ao argumentar contra as pretensões da alagoana, afirmou que foi petulância dizer que toda a música seria dela. “Coitadinha… Diz que eu e o Porto colocamos na partitura alguns compassos suaves. Mas o que essa senhora parece desconhecer, é que até uma edição da Livraria Zenith (livraria editora), de Antônio F. de Morais, à rua São Bento nº 40-B, São Paulo, aparece a ‘Jardineira’… Se há motivo de reclamação, ela que se entenda com o Sr. A F. de Morais. Pode ser que ele dê jeito. Entretanto, nada posso garantir…”.

Humberto Porto esclareceu que a música tem origem no folclore, tal qual Casinha Pequenina, Ciranda, Cirandinha ou Meu Limão, Meu Limoeiro. “Reportem-se à Ilha de Paquetá, da Bahia de Todos os Santos — Itaparica… É noite de Reis. Veremos, então, o ‘terno’ da ‘Jardineira’. ‘Ela’ vem na frente. O cortejo em coro, pergunta-lhe:

‘Oh! Jardineira, por que estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?’

Ela, sozinha, responde:

‘Foi a camélia que caiu do galho,
deu dois suspiros
e depois morreu…’

E toda gente:

‘Foi a camélia que caiu do galho,
deu dois suspiros
e depois morreu…’”.

Lobo concluiu lembrando que “eu não disse que a melodia é ‘minha’. Eu a trouxe para o Rio, com um ritmo diferente”.

Em outra entrevista, Humberto Lobo afirmou ter recolhido o refrão original na localidade de Mar Grande, na Bahia, em dezembro de 1937.

Ainda em 1939, surgiram outros pretendentes a autores da Jardineira, entre eles o padre gaúcho Frederico Manthe, que apresentou uma coletânea de “Hinos e Canções” editada pela Livraria do Globo em Porto Alegre, contendo a música.

A alagoana, que também reivindicou ser autora da música, era Maria da Dores Corrêa Xavier.

Segundo a revista O Malho de 26 de janeiro de 1939, ela afirmava que teria composto a Jardineira em 1906, na cidade de Piranhas, em Alagoas, onde dirigia um conjunto de ‘Pastorinhas’.

O Malho avaliou ainda que, “as provas da sua afirmativa são ingênuas. Mas os advogados Costa Pinto e Costa Magalhães aceitaram a causa de d. Maria das Dores e vão tomar as dores por ela, exigindo de Benedito Lacerda e Humberto Lobo uma indenização de vinte contos de réis…”.

Na verdade, Humberto Porto, que era baiano, e Benedito Lacerda nunca poderiam ter sido acusados de plágio ou coisa parecida, como explicou Oswaldo Santiago na revista O Malho de 12 de janeiro de 1939.

O crítico esclareceu que no texto que está na capa da música impressa, eles deixaram claro que é uma canção com que as mães embalam os filhos na Bahia, e que eles somente “apresentaram” a marcha.

Como se tratava de obra de domínio público, sem autor conhecido, a lei permitia a adaptação que fizeram para o ritmo carnavalesco carioca, além de outras modificações na letra e na música.

A polêmica ainda se arrastou por anos e novas informações foram surgindo.

Em O Jornal de 23 de janeiro de 1966, o jornalista Jota Efegê publicou um artigo informando que foi Hilário Jovino Ferreira, um pernambucano criado na Bahia, quem levou a Jardineira para o carnaval carioca.

Orlando Silva, em foto de 1953, foi quem gravou a Jardineira em 1938

Jovino, um dos sambistas pioneiros do Rio de Janeiro, criou um o rancho A Jardineira em 1899. A música ele aprendera na Bahia, vendo os desfiles dos ternos de reis.

Com o sucesso do rancho do Jovino, logo surgiram outros abordando o mesmo tema. Até 1910 se conhecia no Rio de Janeiro os ranchos “A Flor da Jardineira“, “As Filhas da Jardineira” “O Triunfo da Camélia“.

Uma pesquisa realizada por Almirante para o seu programa “Curiosidades Musicais” descobriu que a música também existia em outros estados, com algumas adaptações. Mesmo no Rio de Janeiro existia também uma versão do velho Candinho, identificado como um tradicional folião carioca de diversos ranchos.

Como se percebe, A Jardineira teve mesmo origem no folclore brasileiro, provavelmente com mais enraizamento na Bahia e no Rio de Janeiro.

Quanto aos pretendentes a autores, incluindo a alagoana de Piranhas, não se sabe o resultado de suas reivindicações. Entretanto, como a música continua ser divulgada tendo como compositores (ou apresentadores) Benedito Lacerda e Humberto Porto, pode-se concluir que nada conseguiram.

Ouça a gravação de A Jardineira de 1938, com Orlando Silva.

 

A Jardineira

Benedito Lacerda e Humberto Porto

Oh jardineira
Por que estás tão triste
Mas o que foi que te aconteceu?
Foi a camélia
Que caiu do galho
Deu dois suspiros
E depois morreu

Vem jardineira
Vem meu amor
Não fique triste
Que este mundo é todo teu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia que morreu.

3 Comments on Alagoana pretendeu ser a autora da música A Jardineira em 1939

  1. Quero saber quem era !! Camélia!! na música: Jardineira.?

  2. Clara Manica // 18 de novembro de 2021 em 06:24 //

    Eu era criança morava no interior do RS, com minhas coleguinhas cantávamos essa música

  3. Carnaval é a maior e a melhor festa do mundo

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