A tromba d’água de 1949 em Maceió

Rua Barão de Atalaia na cheia de 1949

O aguaceiro que iria entrar para a história de Alagoas teve início da noite da segunda-feira, 16 de maio de 1949, em plena semana santa. As chuvas caíram por 70 horas ininterruptas até que, na madrugada da quinta-feira, 19 de maio, Maceió foi atingida por uma das suas maiores tragédias.

Ponte do Salgadinho, na Av. da Paz, destruída pela tromba d’água de 1949

A quedas de barreiras e uma tromba d’água, que desceu o Riacho Salgadinho destruindo casas e pontes do Vale do Reginaldo, incluindo a Ponte da Av. da Paz, trouxeram pânico à população.

Humberto Calheiros Carvalho, sonoplasta da Rádio Difusora de Alagoas, lembra que o episódio foi noticiado pela primeira reportagem externa da Rádio, que ainda vivia na sua fase experimental. “A rádio fez a primeira reportagem para avisar a população sobre os riscos, que não saíssem de casa. A reportagem alertava a população sobre o desabamento da barreira, os riscos causados e que ainda poderiam causar”.

Vários bairros da capital estavam inundados e barreiras deslizavam em toda a parte deixando famílias inteiras soterradas. Mangabeiras, Cambona, Mutange, Bebedouro, Fernão Velho e o Centro, na Rua do Sol e Barão de Atalaia, foram atingidos por deslizamentos, provocando mortes, feridos e desabrigados.

As duas primeiras vítimas foram conhecidas ao meio-dia da quarta-feira, 18. O alfaiate e desportista José Rodrigues e a doméstica Antônia Maria da Conceição foram encontrados soterrados, a última delas na Rua Barão de Atalaia.

Durante a madrugada, às 3h30, “quando as chuvas caiam com uma violência assustadora, verificou-se a inominável catástrofe da Rua Barão de Atalaia”, registrou Floriano Ivo Júnior para a Revista da Semana do Rio de Janeiro.

Parte da barreira deslizou sobre algumas casas deixando 19 mortos. Este número não foi maior devido a retirada dos moradores da maioria dos imóveis após o primeiro desabamento ocorrido no dia anterior.

Rua Barão de Atalaia após o desabamento da barreira em 1949

Como a avalanche se deu em etapas, algumas pessoas conseguiram escapar, alertadas pelos gritos de Eurico Jucá Rego, que percorreu a vizinhança chamando todos a saírem à rua.

Somente à 6h da manhã começou o trabalho de remoção das 34 vítimas. Eram elas: “Mário Mendes, sua esposa, sra. Doralice Barros Mendes, e cinco filhos menores, Mariuze, Verônica, Marize, Viviane e Mário Ney; sr. Fernando Caldas, srta. Maria Cândido Soriano, srta. Maria Teresa Cerqueira, sra. Maria Alves Caldas, sra. Dalva Rocha Leite, sr. Paulo Mendonça, sr. José Diogo Sarmento, sr. José Tavares de Mendonça, sr. Mário Morais, sr. Amálio Lopes, sra. Otacília Lopes, sr, Júlio Ferreira Melo, três mulheres e seis menores que não puderam ser identificados”. Relação publicada na Revista Ilustrada.

No vale do Riacho Reginaldo foram seis mortos e em Fernão Velho, um desabamento de barreira matou mais oito pessoas.

Na região sul de Maceió, as águas da Lagoa Mundaú invadiram o Pontal da Barra, Trapiche, Ponta Grossa, Vergel do Lago e Levada. O Mercado foi totalmente inundado. Em Bebedouro, a situação foi a mesma, com a parte baixa do bairro ficando embaixo d’água.

Na Praça Pingo d’Água, no bairro do Trapiche da Barra, o altar original em madeira da Igreja de Nossa Senhora da Guia foi destruído pela força das águas. Nas ladeiras dos Martírios e da Catedral, o volume de água que descia do Farol era assustador. A igreja de Santa Rita, no Farol, também foi atingida e desabou.

Com os bondes e trens impedidos de circular por conta das vias férreas destruídas ou soterradas, Maceió ficou sem transportes por vários dias. Em alguns bairros era possível ver canoas e jangadas transportando pessoas e mercadorias.

O que restou da Ponte do Salgadinho em 1949

O que restou da Ponte do Salgadinho em 1949

O farol da capital, que ficava no Alto do Jacutinga onde hoje está o prédio do CREA-AL, também foi atingido pela queda da barreira da Rua Barão de Atalaia. O material retirado da sua base deixou a construção instável, provocando a sua desativação em 1951 e a sua demolição em 1955.

Do interior do estado também chegavam notícias dos estragos provocados pela chuva. Os municípios dos vales do Mundaú e do Paraíba foram os mais atingidos. Satuba, Pilar, União, São José da Lage, Murici, Branquinha, entre outros, ficaram totalmente inundados.

Na área ribeirinha do Rio São Francisco houve registro de inundações em Penedo, Colégio e Igreja Nova. Em Sergipe e na Bahia, várias cidades também sofreram com a elevação do nível das águas do rio. Na capital do Ceará, as chuvas caíram um pouco antes. No dia 12 de maio, Fortaleza já estava inundada.

Praça Costa e Silva em Penedo durante a cheia de 1949

Praça Costa e Silva em Penedo durante a cheia de 1949

O governador Silvestre Péricles, diante da calamidade, pediu ajuda ao Governo Federal para abrigar os flagelados e recuperar as cidades atingidas. O prefeito de Maceió nesse período era João Vasconcelos.

Somente no dia 21 de maio é que as águas baixaram e os trabalhos de recuperação da cidade começaram. Os relatórios apontavam grandes prejuízos e a preocupação com possível surto de doenças endêmicas.

As primeiras obras de recuperação incluíam a construção de ponte improvisada para dar acesso a Jaraguá e a elevação de muro de contenção para a barreira da Rua Barão de Atalaia, que continuava a oferecer perigo.

O pedido de socorro do governador também começou a ser atendido e os auxílios vieram de vários estados. Da Cruz Vermelha de Pernambuco vieram medicamentos e alimentos. De lá também veio um grupo de estudantes de medicina e alguns médicos.

Fonte: Artigo científico, Maceió, maio de 1949. Uma tragédia, de José de Oliveira Junior. Site Difusora Memória http://www.difusoramemoria.com.br/p/historia.html. Jornais diversos.

24 Comments on A tromba d’água de 1949 em Maceió

  1. Jian Callil // 10 de maio de 2016 em 21:07 //

    Já deixei registrada minha gratidão outra vez por aqui, mas não me reprovo de novamente exprimir minha sincera gratidão pelas lições de História de Alagoas aqui registradas!

    Obrigado, Edberto Ticianeli pelo esforço!

    Um forte abraço,

  2. Que documentário fantástico é história real Parabéns continue publicando mais histórias você tem um acervo muito rico em informações, para que todos nós possamos conhecer a nossa história.

  3. Delma Conceição de Lima // 27 de maio de 2017 em 11:47 //

    Muito boa reportagem. Voces estão de parabéns!!!

  4. Luiz Claudio Alexandre dos Santos // 27 de maio de 2017 em 12:52 //

    Parabens pela matéria e pela sacada de publicá-la nesta ocasião quando um paralelo histórico se nos apresenta.

  5. Me amarro muito nas histórias relacionadas ao meu estado. Oportuna essa postagem, pois vivemos um período de muita chuva. Parabéns!

  6. Ronaldo Cavalcante Silva // 27 de maio de 2017 em 18:14 //

    Muito bom esse relato. Importância histórica!

  7. Excelente material histórico. Obrigado!

  8. José Aldo Buarque de Mendonça // 27 de maio de 2017 em 22:03 //

    Relato histórico importante para nosso conhecimento. No episódio da Rua Barão de Atalaia, conta-se que uma moradora, como que prevendo os riscos de desabamento, pegou sua mãe, objetos pessoal e outros e foram se abrigar para em lugar seguro; pouco tempo após a barreira caiu e sua casa foi totalmente destruída; salvou-se assim Dra. Vitória Pontes de Miranda, junto com sua genitora. PAZ e BEM.

  9. Diva Maria Vital Cavalcante // 27 de maio de 2017 em 23:24 //

    Lembro desse episódio terrível. Nos morávamos na Rua do Imperador 372, com saída para a Rua Roberto Ferreira. Começamos a dia retirando com baldes a água , que alagou a casa toda. Tinha eu 8 anos, e lembro que as casas da Barão de Atalaia, com o deslizamento das barreiras caiam sobre as do lado oposto matando famílias inteiras. Foi muito triste.

  10. Alda Barros // 28 de maio de 2017 em 12:35 //

    Excelente trabalho, parabéns!!

  11. Alexandre Mendonca // 28 de maio de 2017 em 13:28 //

    Esta cheia de 49 vitimou meu avô e deixou minha mãe com ferimentos que carregou por toda a vida e traumas de escuro, lugares fechados.

  12. Rafael Melo // 28 de maio de 2017 em 13:45 //

    E a dois dias atrás fomos informados que teríamos uma tromba d’água e várias Barreiras deslizaram ruas alagadas gentes mortas 🙍 graças a Deus hoje a chuva deminuiu.

  13. Paulo pinheiro // 28 de maio de 2017 em 14:44 //

    Falou-se também que atravessa não foi maior porque um navio da marinha deu tiros de canhão nas nuvens fazendo parte da tromba d’Água cair no mar.

  14. Fátima campos // 28 de maio de 2017 em 14:58 //

    Que relato triste mas ao mesmo tempo histórico e Real. Não deve ter sido fácil esses momentos desesperador. Parabéns pelo relato.

  15. FLORISBELA INOCENCIO DE JEUS // 29 de maio de 2017 em 22:01 //

    a força da historia ede verdadeiros jornalista,que descreviam os fatos com realidade,sem invençoes ou fantasias,parabens

  16. Simplesmente demais…e bom saber dessas histórias q aconteceram no passado!
    Cara vc tem um ótimo acervo muito obrigado por compartilhar isso tudo! Estou curtindo muito saber desses fatos!

  17. Felipe Duarte // 22 de julho de 2017 em 01:46 //

    Passando para dar os parabéns pelo rico conteúdo que o site oferece.

  18. Minha avó era desse lugar so q ela venho embora pra São Paulo e perdeu o contato com a família me ajudam encontrar a familia dele mãe dela Marina Ana algusta E bisavó João padre da silva mais nha avó falou q tinha irmão com bome de Quitéria Benedita José jao q tiver noticia entre contatos comigo 11974841843

  19. O meu pai tem 90 anos e diz que essa tempestade foi por conta das piadas que disse um ateu de Maceió. Que disse se Deus existisse acabaria Maceió em um segundo.

  20. Claudio de Mendonça Ribeiro // 10 de junho de 2018 em 20:52 //

    Prezado Ticianelli, grato pelos textos publicados.
    Em maio de 1949 tinha eu 6 anos e cinco meses, mas lembro-me muito bem da tromba d’água e da cheia. Morava, com a minha família, em Fernão Velho na rua da Praia, que ficava próxima à margem da Lagoa Mundaú. A lagoa encheu e a água ultrapassou a rua da Praia e chegou até à linha do trem. Lembro-me do estrondo da barreira que despencou adiante do centro de Fernão Velho, sobre a linha férrea. Não recordo se já havia rua e casas nessa área. Era muito criança e na minha faixa etária não se faz ideia do perigo. Lembro-me, também, que a minha inesquecível mãe, Odinete, ao ver a água da lagoa adentrar a casa que morávamos, me colocou e a uma irmã em cima de uma pequena mesa, para nos proteger. Muito grato, Claudio Ribeiro

  21. Raquel Gomes Costa // 17 de março de 2019 em 09:09 //

    Sou natural de União dos Palmares e morro em Maceió a 49 anos .Esta de parabém a reportagem me fez entende o fenômeno da natureza hoje em nosso estado. temos historia de rios e lagoas que foram aterradas para formações de bairro .E qui ficar a minha peguntar o que esta acontecendo hoje será que tem a ver com o desaparecimento deste Rios e Lagoas. Agradeço mais uma vez a reportagem, estou muito grata.

  22. Boa tarde meu caro Ticianeli,
    Estive envolvido com esta tragédia. Minha mãe, Professora Nair de Paula Houly, grávida da minha pessoa, saiu pelo Rio São Francisco de Traipu para Penedo e lá embarcou numa aeronave da FAB, que pousou nas águas da Levada. Ela ficou agasalhada alguns dias na região da Levada, até que foi liberado o acesso a Jaraguá, Poço e Pajuçara, bairros onde residiam nossas famílias. Eu nasci na proximidade da Praça Rayol, atual Praça Artur Ramos, em 13. 06.1949.
    A”diáspora” dos moradores do Pinheiro, me trouxe essa lembrança, em conversa telefônica com minha irmã Socorro de Paula Houly, nascida em Maceió, em 1950.
    SOU UM SOBREVIVENTE DA TROMBA D’AGUA DE 1949, em nossa querida Maceió. Agora, vivo em Aracaju. Parabéns pelo seu trabalho de pesquisador, e gerador de conteúdos inestimáveis da nossa Terra das Alagoas.

  23. Dênis G. Ferreira // 14 de abril de 2021 em 06:56 //

    Excelente reportagem. Nasci em 22abr1949, na rua Barão de Atalaia, na casa de meus tios Eraldo Calado e Zilda. Era no “olho do furacão “. Felizmente não houve perdas na família. Muito bom conhecer er a história.

  24. Morro exatamente aonde aconteceu o deslizamneto na Rua Barão de Atalaia numca esqueci do que as pessoas falava até hoje lamento muito moro justamente aonde as casas desabaram

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