A saga do petróleo alagoano IV – O Petróleo é Nosso

Transporte do petróleo produzido na Bahia pelo Rio São Francisco, na altura de Petrolina, em 1952

Em meio as polêmicas sobre o petróleo brasileiro, Getúlio Vargas instaurou, em 10 de novembro de 1937, a ditadura que ficou conhecida como Estado Novo.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo regime estado-novista foi modificar, em 14 de dezembro, a Lei de Minas por meio do Decreto-Lei nº 66. A referida norma estava em vigor desde 10 de julho de 1934, instituída pelo Decreto nº 24.642.

O controle do Estado sobre as concessões praticamente inviabilizou o funcionamento das minas de empresas privadas. Edson de Carvalho assim reagiu: “Impossível dar um passo dentro daquela maranha de entraves criados pela mais cavilosa burocracia”.

Getúlio Vargas anunciando a instauração do Estado Novo em rede de rádio

Avaliou ainda que houve uma regressão responsável por dissolver as empresas ou paralisá-las. “Se a intenção do Governo Federal é impedir que os particulares toquem no subsolo, parece-nos muito mais simples, muito mais honesto, que essa proibição se faça às claras. ‘Ninguém pode mexer no subsolo’ e acabou”, desabafou.

E foi assim que aconteceu, pelo menos para ele.

Em dezembro de 1940 recebeu a comunicação do Conselho Nacional do Petróleo de que tinham sido canceladas suas concessões. O Decreto assinado pelo presidente explicava que a suspensão se deu por não terem sido cumpridas algumas exigências legais.

E assim acabou o sonho do visionário Edson de Carvalho, mas ficou para a história a sua contribuição na mobilização do país em busca da exploração do subsolo.

Os estudos posteriores comprovaram que o petróleo existente em Riacho Doce não tinha viabilidade comercial para sua exploração, revelando as limitações tecnológicas e científicas dos primeiros estudos

Além disso, a politização do assunto levou à falta de confiança em qualquer pesquisa. O boicote sofrido pelo empreendimento de Edson de Carvalho alimentava fortemente as suas suspeitas contra os estudos do Governo.

Em 1973, o professor norte-americano John D. Wirth, no livro A Política do Desenvolvimento na era de Vargas, editado pela Fundação Getúlio Vargas, confirma a atuação da Standard Oil no Brasil para impedir a exploração do petróleo.

Ele afirmou que existiam agentes desta empresa infiltrados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) divulgando pronunciamentos falsos e pessimistas sobre companhias nacionais de petróleo como a do alagoano Edson de Carvalho.

A última informação sobre o histórico empreendimento liderado pelo engenheiro alagoano foi publicada no jornal Correio Braziliense de 18 de julho de 1973. Era a convocação para uma Assembleia Geral, assinada por Edson de Carvalho, com o objetivo de liquidar a histórica Companhia Petróleo Nacional S/A.

CNP e o processo contra Edson de Carvalho

A primeira ação governamental com a intenção de cuidar das riquezas do subsolo brasileiro surgiu após a criação da Comissão Geológica do Império em 1875. Em seguida veio o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1907. Foi a primeira instituição a pesquisar petróleo no país. Era ligada ao Ministério de Agricultura.

Após várias modificações de denominação e de atribuições, surgiu o Conselho Nacional de Petróleo (CNP), que dirigiu a política petrolífera entre 1939 e 1960, quando foi incorporado ao Ministério de Minas e Energia.

O Decreto nº 395, de 29 de abril de 1938, declarou de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Determinando ainda o controle do governo federal sobre a importação, a exportação, o transporte, a construção de oleodutos, a distribuição e o comércio de derivados.

Além disso, refinarias de petróleo só poderiam ser instaladas com autorização do Governo Federal, que teria de aprovar todas as suas especificações técnicas, localização etc. Estava autorizado também o controle de preços em favor da indústria de refino nacional.

Por fim, o Decreto nacionalizava toda a atividade de refino e criava o Conselho Nacional de Petróleo, que exerceria as atividades regulatórias acima descritas e mais aquelas estipuladas no Decreto nº 538, de 7 de julho de 1938, que o organizaria.

Em 1938, o presidente do Conselho Nacional do Petróleo, Horta Barbosa, visitou Riacho Doce e conversou com Edson de Carvalho

Seu primeiro presidente foi o general Júlio Caetano Horta Barbosa, que formou uma comissão de técnicos sob a direção do professor Fleuri da Rocha. O primeiro bom resultado após a criação do CNP foi a descoberta de petróleo no dia 21 de janeiro de 1939, no poço Lobato na Bahia.

A exploração era do engenheiro Manuel Inácio Bastos em parceria com Oscar Cordeiro, também presidente da Bolsa de Mercadoria e Futuro da Bahia, que vinham há anos tentando convencer as autoridades da existência de petróleo naquela região baiana.

Com a descoberta, o Departamento Nacional de Produção Mineral determinou a nacionalização da jazida sem pagar qualquer indenização aos exploradores pioneiros. Além disso, Oscar Cordeiro foi afastado da presidência da Bolsa de Mercadoria e Futuro da Bahia.

No mês seguinte, uma grande área no entorno poço descoberto, no Recôncavo Baiano, foi transformada em reserva petrolífera pelo Decreto nº 3.071, de 8 de fevereiro de 1939.

Somente 11 anos depois Oscar Cordeiro seria reconhecido e premiado pelo governador da Bahia, Otávio Mangabeira. Amenizava-se a injustiça, concedendo-lhe uma indenização no valor de CR$1.000.000,00.

No início de 1940, Monteiro Lobato também passou a receber perseguição por parte do CNP, sendo obrigado a paralisar os trabalhos da sua empresa com sede em São Paulo.

Insatisfeito, Lobato enviou carta a Getúlio Vargas cobrando a inversão da política de nacionalização. Por opiniões contidas na correspondência, foi processado por crime de injúria ao presidente da República, ao CNP e ao Departamento Nacional da Produção Mineral.

Gilberto Goulart de Andrade

Quem o denunciou foi o procurador do Tribunal de Segurança Nacional, o alagoano Gilberto Goulart de Andrade, atendendo pedido do general Horta, que, em solicitação de 17 de dezembro de 1940 ao presidente do Tribunal de Segurança Nacional, assim argumentou: “Por várias vezes se serve o autor da carta do seu argumento ‘Qui Prodest?’ (Quem aproveita?), para sustentar que a política do Conselho é conduzida segundo os interesses dos trustes internacionais, pois que só a estes aproveita”.

Tal atitude surpreendeu até mesmo a Getúlio Vargas, que disse não ter se sentido ofendido pela carta de Lobato. O general respondeu ao presidente argumentando que o Exército é que se sentiu agredido.

Lobato anunciou que não suportava mais essa situação e que iria embora do país. Para impedir o que classificou como tentativa de fuga, o procurador, em 18 de março de 1941, requereu ao presidente do Tribunal, coronel Maynard Gomes, a decretação da sua prisão preventiva. Foi atendido.

Após o devido processo, Lobato foi absolvido no primeiro julgamento e condenado a seis meses de detenção no segundo, realizado em 20 de maio de 1941. Foi posto em liberdade no dia 20 de junho de 1941.

Em 1943 foi a vez do CNP fazer o ajuste de contas com Edson de Carvalho e os outros diretores de sua Companhia, que já havia sido proibida de funcionar desde 1940 sob a justificativa de não se achar em condições de existir como sociedade anônima e nem habilitada como empresa de mineração e industrialização do petróleo em Riacho Doce.

Com base em queixas apresentadas por acionistas prejudicados, abriu-se inquérito contra a direção da empresa. “Apurou-se então, que a Companhia espalhara, por todo território milhares de ações. No exame de escrita [escrituração], não foi possível encontrar elementos positivos, com os quais se pudesse definir a situação exata das operações e recolhimentos feitos pela companhia”, registrou o jornal A Manhã de 2 de fevereiro de 1944.

Foi o mesmo procurador alagoano, Gilberto Goulart de Andrade, quem os denunciou como incursos na lei de economia popular. O advogado de defesa de Edson de Carvalho foi o alagoano Carlos de Povina Cavalcanti.

Coronel Costa Neto e Gilberto de Andrade inauguram auditório da Rádio Nacional, dirigida pelo alagoano

Por ironia da vida, Gilberto Goulart de Andrade era o mesmo que quando jovem advogado e jornalista estabeleceu sociedade com José Bach, em 1918, e entrou em conflito com ele antes de sua trágica morte em um naufrágio na Lagoa Mundaú, entre Maceió e Coqueiro Seco.

Durante o inquérito, novamente a empresa de Edson de Carvalho foi devassada, com buscas nos escritórios e exame pericial na escrita. O julgamento ocorreu em 29 de agosto de 1944 e todos os acusados foram absolvidos por unanimidade.

Estes foram os últimos embates ente os pioneiros do petróleo brasileiro e os militares e nacionalistas que, vitoriosos, iniciaram a campanha para nacionalização do subsolo. Foi o general Júlio Caetano Horta Barbosa quem deu força a palavra de ordem: O Petróleo é Nosso!

Edson de Carvalho assim descreveu o quadro político dessa época: “O general Horta Barbosa se tornara líder nacionalista, e os comícios no Rio e São Paulo eram quase que diários. Assisti a um deles em frente ao Teatro Municipal. Lá estava o general como símbolo vivo do nacionalismo bocó. Formou-se por todo o Brasil uma grande corrente nacionalista, fortemente apoiada pelos comunistas”.

Em 1945, quando Getúlio foi afastado e teve início o processo de redemocratização do Brasil, Edson de Carvalho acionou a Justiça protestando contra o “esbulho de que foi vítima a sua Companhia”, mas nada conseguiu.

Ponta Verde e Mutange

Exploração de petróleo na Ponta Verde com o Gogó da Ema ao fundo

Novas pesquisas foram realizadas em Alagoas a partir de 1939. Nesta nova fase, sob os auspícios do Departamento Nacional de Produção Mineral. Os estudos foram realizados inicialmente pela United Geophysical Company, uma empresa norte-americana.

Entre 1939 e 1942, sete novas perfurações ocorreram em Alagoas. Duas delas na Ponta Verde, uma ao lado do coqueiro Gogó da Ema e outra nos arrecifes. Esta última teve, posteriormente, a sua plataforma de concreto aproveitada para a construção do farol. Segundo Lindonor Mota, quatro delas ocorreram entre maio e novembro de 1939 ao redor da Lagoa Mundaú (Levada, Mutange e Bebedouro), em Maceió.

Sem melhores resultados, no final de 1942 as sondas foram desmontadas e levadas para Salvador. Em entrevista publicada em 10 de janeiro de 1940 no Diário de Pernambuco, o engenheiro-chefe da Diling Explorat Company, que estava trabalhando nas explorações de Alagoas há 23 meses, argumentou que a transferência se deu porque “há grande empenho em intensificar a produção de petróleo baiano”.

Foi em uma dessas sondagens em Bebedouro que se “descobriu importantes jazidas de sal-gema que seriam aproveitadas décadas depois”, informa Cícero Péricles de Carvalho no livro Formação Histórica de Alagoas.

O Petróleo é Nosso

Carreata na Rua do Comércio em Maceió comemorando 10 anos da Petrobras, em 1963

Com a declaração de guerra contra a Alemanha e a Itália, no dia 31 de agosto de 1942, o Brasil iniciou a sua participação no maior conflito mundial da história. Um dos reflexos do esforço de guerra no país foi a redução das pesquisas sobre o petróleo.

No período pós-guerra a discussão sobre o desenvolvimento do país e a necessidade da independência energética voltaram com toda força.

Meses antes do fim oficial do conflito — 2 de setembro de 1945 — o CNP já anunciava a contratação do geólogo norte-americano Hachinig Keller pelo prazo de três anos, com vencimentos mensais de 500 dólares, para realizar pesquisas no Brasil.

A partir de 1947, a campanha “O Petróleo é Nosso” estava nas ruas. No debate público a polarização acontecia entre os “nacionalistas”, liderados pelo general Júlio Caetano Horta Barbosa e defensores da estatização dos recursos naturais, e os “entreguistas”, que se alinhavam com o general Juarez Távora, advogando a participação do capital nacional e estrangeiro.

Essa mobilização nacional resultou na criação, em 3 de outubro de 1953, pelo governo Vargas, da empresa Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras. A Lei nº 2.004 estabelecia que cabia à companhia a execução do monopólio estatal do petróleo, incluindo pesquisa, exploração, refino do produto nacional e estrangeiro, transporte marítimo e sistema de dutos.

O primeiro presidente da Petrobras foi o coronel Juracy Magalhães. Nesse mesmo período tomou posse Plínio Cantanhede, como presidente do Conselho Nacional do Petróleo.

Em Alagoas, os trabalhos da nova companhia têm início em 1955 com estudos geológicos. A primeira equipe de pesquisadores foi liderada pelo engenheiro Diego Lodroño. Ainda em 1955, mais duas equipes desembarcaram em Maceió.

Início das perfurações em Alagoas em 1957

Os trabalhos de prospecção, a encargo da firma norte-americana Hanney and Williams Drilling Co., tiveram início em 28 de janeiro de 1957 com a instalação de duas sondas: uma no Tabuleiro do Martins e outra em Jequiá da Praia, ainda pertencendo a São Miguel dos Campos.

No dia 17 de agosto de 1957, o petróleo jorrou em Jequiá da Praia. No Tabuleiro do Martins o mesmo aconteceu dois meses após, no dia 17 de outubro. Com essa descoberta, Alagoas passou a ser o segundo Estado brasileiro a produzir petróleo, registrou o professor Cícero Péricles.

Em 1958, foram abertos poços de sondagem em Jequiá da Praia, São Miguel dos Campos e foz do Rio São Francisco. Em Piaçabuçu a exploração teve inicio em 1961. Dois anos depois foi a vez de Coqueiro Seco.

As perspectivas em relação as possibilidades de extração de petróleo na Bahia e em Alagoas eram tais que a companhia instalou em 1959, nestes dois estados, estruturas administrativas da empresa para acompanhar os serviços.

Até 1960, mais 22 poços foram perfurados entre São Miguel dos Campos e Piaçabuçu. Nenhum deles tinha viabilidade comercial. Naquele ano, somente o de Jequiá produzia a contento da empresa.

Acampamento de Piaçabuçu junto ao poço PIA-1 perfurado em 1961. Foto de 1962

Foi neste ano que os jornais iniciaram uma campanha de denúncia contra a possível sabotagem do petróleo alagoano por parte das empresas estrangeiras, que utilizavam os serviços do “nocivo Mr. Walter Link, homem chave da Petrobras e que move os cordéis do monopólio estatal, recebendo ordens dos grandes trustes americanos do petróleo” (O Semanário de 13 a 19 de agosto de 1960).

O engenheiro mineiro Lindonor Mota, superintendente da empresa em Alagoas, fortaleceu a denúncia ao declarar que “não há dúvidas que os trustes estrangeiros têm interesse em deixar o nosso petróleo guardado para uma eventualidade ou para quando suas reservas se esgotarem”.

Todo o problema em Alagoas surgiu após Lindonor solicitar autorização para proceder perfurações de 500 em 500 metros, quando havia uma norma estabelecida por Mr. Link de somente realizá-las de 2 em 2 km.

A partir de 1961, Lindonor Mota assumiu o setor de perfuração da Petrobras no Nordeste. Após essa restruturação, 16 novos poços foram prospectados em Alagoas entre 1961 e 1964. Estavam distribuídos por Piaçabuçu, Feliz Deserto, Coruripe, Coqueiro Seco, Pilar, Marechal Deodoro, Paripueira, Passo de Camaragibe, Satuba e Tabuleiro dos Martins.

Primeiro embarque marítimo de petróleo em Piaçabuçu ocorreu no dia 6 de abril de 1962, utilizando o navio “Rio de Janeiro”

Produziam comercialmente somente 12 deles. As jazidas eram avaliadas em oito milhões de barris. O petróleo retirado saía de Alagoas para a Refinaria de Mataripe por via marítima. No dia 6 abril de 1962 o petroleiro “Rio de Janeiro” recebeu em Piaçabuçu uma carga dez mil barris.

No início de agosto de 1962, o presidente da Petrobras, Francisco Mangabeira, percorreu alguns estados do Nordeste e, em Maceió, visitou os campos de extração e assinou convênios com o governador Luiz Cavalcante para o asfaltamento de estradas em Alagoas.

Neste ano, os quatro poços do Tabuleiro dos Martins produziam em média 40 barris diários. Em Piaçabuçu, dos 12 poços perfurados, quatro deles geravam também uma média de 40 barris por dia.

A segunda carga marítima de petróleo saiu do mesmo porto de Piaçabuçu em 11 de outubro de 1964 no navio “Rio Grande do Norte”, da Marinha de Guerra.

Frustrando o entusiasmo inicial, os 58 poços de Alagoas não renderam o esperado, além disso nada se conseguiu nas prospecções dos campos marítimos de Mero e Cavala na plataforma continental.

O vice-governador Teotônio Vilela acompanhou o presidente da Petrobras Francisco Mangabeira nas visitas ao poços de Alagoas

Assim, em 1969 o distrito operacional de Maceió foi transferido para Aracaju, em Sergipe, que operava o poço de Carmópolis desde 1963 e conseguia extrair petróleo da plataforma continental desde 1968.

Nos anos seguintes, poucos poços de Alagoas conseguiram manter a produção em escala comercial. Em 1978, o petróleo extraído em Alagoas representava somente 1,5% da produção nacional.

Com o desenvolvimento de novas técnicas na década de 1980, a produção brasileira de petróleo na plataforma marítima continental ultrapassou a extração em terra. Além disso, novas descobertas em outros estados fizeram com que a participação relativa de Alagoas despencasse para 0,3% em 2010, mesmo mantendo sua produção.

Resultados muito distantes do sonho acalentado pelos pioneiros.

(Continua AQUI).

1 Comentário on A saga do petróleo alagoano IV – O Petróleo é Nosso

  1. Elaine Moreira // 12 de agosto de 2019 em 19:43 //

    Coronel Luiz Carlos da Costa Netto era o meu bisavô.

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