TV Gazeta de Alagoas — a minha —

Pedro Collor, Arnon de Mello, Márcio Canuto, José Barbosa e Jorginho na inauguração da TV Gazeta de Alagoas em 1972
Edécio Lopes e Jalon Cabral

Edécio Lopes e Jalon Cabral

Edécio Lopes*

Nos áureos tempos do Rádio Jornal do Commércio, conheci Amarílio Nicéas, uma das vozes mais privilegiadas que o rádio pernambucano possuiu.

Amarílio, além de ter um belo timbre, sabia dar a modulação certa, rica, quer no rádioteatro — no qual viveu papéis de grande destaque — quer na apresentação da oração da Ave Maria, dando o tom de respeito e devoção que a prece exigia.

Diretor Artístico da Emissora, produzia grandes musicais, comandava as famosas revistas carnavalescas, chegando a fazer alguns papéis humorísticos.

Depois que deixei Limoeiro passei muitos anos sem ver Amarílio Nicéas. Com o surgir da televisão, foi ele figura de proa, um homem inventivo, criador, fazendo, no Recife, uma programação de alto gabarito.

E, tão grande era o valor desse homem que, ao surgir a TV Bandeirantes, em S. Paulo, o seu primeiro Diretor de Programação foi Amarílio Nicéas.

Prédio da TV Gazeta de Alagoas nos anos 80

Prédio da TV Gazeta de Alagoas nos anos 80

Foi em S. Paulo, no aeroporto, por acaso, que eu o reencontrei e, depois disso, outro tempão de isolamento.

Agora, estávamos juntos, outra vez, traçando planos para a primeira emissora de televisão do Estado de Alagoas. Amarílio viera contratado para dirigir a programação do Canal 7.

Era delicioso o seu entusiasmo. Gratificante beber os seus conhecimentos, enquanto falava de suas ideias, das coisas que pretendia realizar.

Começou a selecionar os valores da terra porque ele queria fazer uma televisão com muita coisa local e, a bem da verdade, tinha amplos poderes e conhecimento para tanto.

Saíamos sempre para jantar em companhia de Floracy Cavalcante, de quem se tornara admirador. Já imaginava Floracy no vídeo e estudava os ângulos, a posição das câmeras, o tipo de maquilagem, pensava em tudo. E de tudo falava.

De todos os elementos masculinos que viu, entusiasmou-se pelo tipo físico de Arivaldo Maia e, artisticamente, repetia sempre que Arivaldo era um homem bonito e que encheria o vídeo alagoano com muita presença.

De Ailton Villanova elogiava a voz mas achava-o fisionomicamente horrível. Tanto que, quando não se lembrava do nome, pedia-me para chamar “aquele cara da voz bonita e que é feio “paca”.

Eu já sabia que era o Ailton Villanova.

Uma noite, jantávamos no Bar das Ostras. Amarílio falava-me de sua infelicidade conjugal e da felicidade que sentia sempre que lembrava o seu filho Cléo, um dos diretores da Rede Globo de Televisão, no Recife.

Emotivo, os olhos enchiam-se de lágrimas, quando exaltava as qualidades do filho. Ele chegou a dizer que, por mais que tentasse, não conseguia encontrar um só defeito em Cléo.

E nós, que conhecíamos Cléo, sentíamos que era verdadeira a sua afirmação pois Cléo, realmente, é um cara espetacular.

E, nas suas mágoas, falava que não ia assistir ao casamento de sua última filha, solteira, em Caruaru, no domingo.

É que ele não desejava, de forma alguma, encontrar-se com sua ex-esposa.

Quando argumentei que Cléo iria ficar muito triste, por não encontrá-lo, lá, em Caruaru, mudou de ideia, de repente e foi ao nupcial da filha.

Maldito conselho o meu. Na volta da Capital do Agreste, o carro em que vinha capotou e Amarílio morreu.

Com ele, morria, também, uma página muito bonita do rádio e da televisão de Pernambuco e um mundo de sonhos acalentados com relação a estrutura de programação do nosso Canal 7.

Rômulo Uchôa, Waldemir Rodrigues e Abílio Dantas, da Rádio Gazeta de Alagoas, entregam presentes no Dia das Mães, 11 de maio de 1975

Rômulo Uchôa (com a mão no ombro de uma garota), Waldemir Rodrigues e Abílio Dantas, da Rádio Gazeta de Alagoas, entregam presentes no Dia das Mães, 11 de maio de 1975

Rômulo Uchoa foi designado para substitui-lo, mas, apesar de todo o esforço, de toda a vontade de acertar, Uchoa não tinha um quinto dos conhecimentos de Amarílio e, em função disso, Pedro Collor fez valer mais a sua vontade e a autoridade maior de quem sabia mais do que eu e Rômulo juntos.

Mas Rômulo foi um bom diretor de programação. Caprichava nas chamadas, interessava-se pelos programas ao vivo e deu a cobertura necessária ao Sábado Maior que Luiz Tojal apresentou durante algum tempo, “ao vivo e em cores”.

Nos dias que antecederam a inauguração da TV Gazeta era gostoso viver, com o Senador Arnon de Mello, o seu entusiasmo por dotar Alagoas de tão importante quanto desejado melhoramento.

Muitas e muitas vezes tive que interromper contatos com anunciantes para atender a chamados do Senador no seu desejo de me levar junto a visitantes para mostrar a emissora que estava surgindo.

No dia em que foram iniciadas as transmissões experimentais, Arnon de Mello estava no Rio ou em Brasília. Não me lembro bem.

No outro dia chegou e me mandou chamar à sua luxuosa sala. Mal fui entrando ele veio ao meu encontro, estendeu-me a mão e disse:

— Meus parabéns pela SUA televisão. Está ótima.

Cândida Palmeira fala durante a inauguração da TV Gazeta de Alagoas, observada por Arnon de Mello e Pedro Collor

Cândida Palmeira fala durante a inauguração da TV Gazeta de Alagoas, observada por Arnon de Mello e Pedro Collor

Isso era muito característico de Arnon de Mello. Não é nada demagógico dizer um troço assim. O que ele fazia, com uma expressão como essa, era transferir, para um subalterno, pequeno auxiliar em função do tamanho da empresa, o sentir-se ligado a uma causa muito sua, embora não de sua propriedade.

Como seria lógico esperar eu fui um fracasso como diretor comercial da TV. Gazeta. Tudo que fiz deu errado.

O faturamento, em função da expectativa que se formou em torno de uma televisão alagoana até que não foi ruim. Sustentá-lo, porém, é que foi difícil.

Primeiro porque eu não sabia nada, mesmo, do assunto.

Comercializava para rádio. Segundo porque, a equipe que se formou, apesar de algumas honrosas exceções, foi de péssima qualidade. E eu sucumbi. Principalmente depois da vinda de um Festival de um tal de CLIO, programado para o auditório do Banco do Estado.

Tudo o que era para ser providenciado eu providenciei.

E saí perguntando, a cada um, se tudo havia sido realizado. A resposta era sempre afirmativa.

Na hora, um desastre. Falhas de toda parte, equipamento quebrado, falta de lugar para instalar até um projetor, uma desgraça. E o pior de tudo é que esse fiasco foi diante de altas figuras da televisão no Brasil.

Pedro quase morreu de vergonha.

No corredor da Emissora, com muita calma, que ele jamais alterou a voz para mim, embora, fossem fato conhecido suas repetidas explosões dentro da televisão, ele me fez ver que eu havia fracassado.

E eu concordei com ele.

Não adiantava alegar que o meu assistente, o Passos, que ele trouxera do Recife, mentia até quando estava calado.

Passos, bom papo, boa figura, tinha esse grande defeito.

Roosevelt Pereira Valões, o Chaparal, na TV Gazeta em 1978

Roosevelt Pereira Valões, o Chaparal, na TV Gazeta em 1978

Nunca respondia negativamente se eu lhe perguntava por alguma coisa que precisava ser feita. Já estava feita, ora! Era sempre assim.

Pela necessidade de produzir anúncios, a Direção Comercial se envolvia, bastante, com o setor técnico.

Era um Deus nos acuda.

Uma só mesa operacional para manter a estação no ar, gravar os promocionais da emissora, as suas chamadas e, naturalmente, os anúncios, com toda uma série de aprendizado em que se transformou o Canal 7, porque, na verdade, os nossos publicitários, também engatinhavam no assunto.

O técnico era competentíssimo: Pitangueira.

Ainda hoje Zé Barbosa lamenta a sua saída da televisão. Profissional correto, equilibrado, realmente, entendido do assunto, não recebeu, a bem da verdade, a cobertura desejada para ficar entre nós e, nesse particular, a própria direção da Organização Arnon de Mello concorda comigo. Foi uma pena.

Apesar desse equilíbrio de Pitangueira, o setor operacional da TV Gazeta era uma coisa de louco. Desde os gritos terríveis do “Alagoas”, nome pelo qual ficou conhecido o Antônio Manoel, o único alagoano naquele setor, até os desentendimentos gerais que eram coroados como sonoros palavrões, dando uma visão, para mim e para quantos estavam vendo uma estação de televisão funcionando, pela primeira vez, de que aquilo não era trabalho para nenhuma pessoa equilibrada.

No meio disso tudo, além de muita gente boa que se firmou, pela persistência, pela luta, vale destacar o Canetinha, ainda hoje entre nós, embora que, desligado de sua função original.

Canetinha era muito esforçado, dedicado, mesmo e compensava a falta de “paciência” de outros.

Depois viriam o Paulo, o Vitório, o Heleno, o Chaves e as coisas foram adquirindo um ritmo melhor, dando, hoje, a tranquilidade de que a Gazeta sempre precisou para funcionar.

Não esqueço um Antônio Pedro, que Leopoldo Collor mandou para cá. O número de “slides” que esse rapaz perdeu, as produções que deixaram de ir para o ar, por atraso seu, não dá nem para contar.

Mas não adiantava dizer nada ao Pedro Collor, porque ele achava que eu tinha prevenção contra o rapaz. Era exatamente o contrário.

Fora do trabalho ele era um cara sensacional, muito tratável, pessoa de fina educação.

Agora, ruim de serviço, ah, isso era.

Mas o Pedro não aceitava as minhas reclamações.

Um cidadão que era o responsável pela produção de filmes, revelando, copiando, emendando, consertando, tinha um “rei na barriga”.

Conhecedor profundo da matéria, pelo que parecia demonstrar, sempre criava problemas homéricos que, no fim, terminavam me prejudicando embora eu fosse, apenas, o Diretor Comercial.

No setor comercial, propriamente dito, um inferno. Havia gente de toda espécie. Desde Luciano Coutinho, jovem interessado, honesto, aplicado, ao Victor, competente, mas, cheio de vícios operacionais trazidos do Canal 6, do Recife.

O Victor sabia fazer as coisas, conhecia, por dentro, todo o mecanismo de uma TV, levava uma vantagem muito grande sobre mim, que não conhecia coisa alguma.

Aí as complicações iam surgindo.

Mas Victor foi sempre mais um aliado do que um problema.

Havia também o Rubem Gomes, muito amigo de Luciano, também novo na matéria, mas muito interessado. Pela sua função, porém, não podia me ajudar a resolver os galhos que iam surgindo.

Entendi que não havia mais condição para remar contra a maré e saí. Voltei à Rádio Gazeta de onde não me desligara, afinal de contas.

E isso era, também, um problema. Todos os dias, às 7 da manhã, lá estava eu, ao microfone, com o tal “programazinho”. E, quantas e quantas noites, havia saído da televisão meia noite, duas da madrugada, havendo oportunidades, até, de nem sair. Passar a noite inteira.

Agora, somente na Rádio, tinha tudo para recuperar o tempo que considerei perdido enquanto estive na televisão. Acho que cada um na sua. Eu não sou mesmo de televisão.

Mas, incrível, eu ainda voltaria para o mesmo Canal 7.

Como?

Arnon de Mello, ora! Entrevistado no Manhãs Brasileiras, o Senador, saindo do estúdio, chamou-me a um canto e falou dos seus problemas na televisão.

Estava precisando de um Diretor Comercial. Fiz ver que havia muita gente boa por aí, inclusive, em outras emissoras do Nordeste que ele poderia mandar buscar.

“O que eu quero, Edécio, frizou o Senador, é uma pessoa da minha mais absoluta confiança. O fator confiança está muito acima da competência”.

Ponderei que, pessoas de confiança, existiam muitas.

Ele estava cercado de elementos humanos nos quais podia confiar, inteiramente.

O Senador foi taxativo:

— Eu não quero prolongar esse assunto. Chega de arrodeios. Eu quero você de volta à Direção Comercial da TV Gazeta. Aquele lugar é seu, por direito.

E agora?

Antes que eu dissesse alguma coisa, ele falou do ordenado.

As cifras não recordo. Mas havia um fixo e uma comissão sobre a produção comercial.

Lógico que eu não queria voltar, de forma alguma. Mas, para não ser grosseiro, pedi para pensar por 24 horas.

E no outro dia, certo de que ele não iria concordar, multipliquei a sua oferta por três. Tanto o salário como o comissionamento. Ele concordou na hora, sem nem pestanejar.

Fim. Tive que voltar a TV Gazeta.

Cheguei a apresentar um programa carnavalesco, à tarde, sem nenhuma repercussão.

E, numa coisa, concordo com Pedro Collor:

Eu sou muito feio. Minha cara, numa televisão ao invés de agradar, espanta.

Na minha segunda temporada como Diretor da TV demorei pouco e fui substituído pelo experiente Orion Lagrotta, com enorme bagagem trazida do Paraná e que fez O veículo dar um pulo fantástico em termos de faturamento.

Orion criou planos, abriu espaços para comerciais de cinco segundos que, embora sujando o vídeo, fizeram com que muita gente que estava sem anunciar, aderisse à televisão.

Fez um bom trabalho, o Orion.

É bom registrar, também, neste capítulo, o sucesso alcançado por alguns dos companheiros de então.

Orion, deixando algum tempo, depois, a TV GAZETA, fundou, comigo, uma agência de publicidade da qual eu me afastaria mais tarde, ficando Orion associado a Nelson Ferreira, não o maestro, mas uma boa figura que eu conhecera em Brasília quando o mesmo era diretor da sucursal da Gazeta na capital federal.

Nelson terminou vindo para Maceió e aqui ficou por muito tempo, transferindo-se depois para Goiás.

Luciano Coutinho, o esforçado Luciano, venceu na vida. Mas não de forma simples ou gratuita.

Venceu pela sua inteligência e pelo seu esforço.

Tendo que deixar Maceió abruptamente, por um problema pessoal, Luciano comeu o pão que o diabo amassou em Brasília, cidade onde foi parar com os costados.

Trabalhou na Rádio Planalto e depois ingressou no campo publicitário passando um longo período na MPM uma das maiores agências do Brasil, passando-se, mais tarde, para a EBN, Empresa Brasileira de Notícias, sucessora da Agência Nacional.

Atualmente é Diretor Comercial do Jornal de Brasília, o matutino de maior credibilidade na Capital da República.

Luciano um dos meus melhores amigos e grande incentivador na realização deste livro, cuja ideia lhe transmiti há muitos anos e ele sempre me ficou cobrando a sua realização, até por telegrama.

O nome que eu queria dar a esses apontamentos era “Antes que me esqueça”, mas, o Professor Vilaça, em Limoeiro, chamou-me a atenção para um livro de José Américo de Almeida que já existia com esse título.

Um dia, recebi um telegrama de Brasília. Era de Luciano e o seu texto eu nunca esqueci:

“Antes que me esqueça, parabéns pelos seus 27 anos de rádio”.

Quer dizer: O desejo desse registro vem de muito tempo e o incentivo de Luciano se fez constante.

O Heleno Edson está na TV Alagoas, a nova Emissora de Maceió.

Canetinha associou-se a Ranildo Paranhos, este um publicitário muito inteligente, cria de Arnaldo Costa e dessa união nasceu a PUBLIMARK, uma agência que marcou muitos pontos no setor especializado.

Ranildo era uma figura singular. Tremendamente artificial, parecendo programar todos os seus gestos e falas era, ao mesmo tempo, um cara bom, de uma gargalhada espalhafatosa e mil planos em torno de sua vida e da vida de sua agência.

Sem dúvida que Ranildo foi o publicitário mais criativo entre os valores da terra. Criou campanhas de grande efeito, dinamizou o seu campo de atividades e investiu na carreira a que abraçou.

Trabalhou, também, em jornais de Maceió e foi, por algum tempo, diretor de programação da Rádio Gazeta de Alagoas, oportunidade em que realizou uma excelente campanha de promoção para a Emissora.

De repente, apagou. Foi como uma vela, exposta a um vento muito forte. Ninguém estava preparado para o pré-maturo desaparecimento de Ranildo, que tinha um pouco mais de 30 anos.

Num sítio, em companhia de seu pai, sentiu-se mal, foi levado às pressas ao Pronto Socorro, mas a característica fulminante do mal que o acometeu falou mais alto e Ranildo morreu.

A PUBLIMARK terminou os seus dias e Canetinha abriu uma nova agência que não repete o sucesso de sua empreitada com Ranildo.

*Publicado no livro Vaias e Aplausos, 1984.

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