Teatro Maceioense e o Cine Delícia da Rua do Sol

Rua do Sol nos anos 50 em foto de Stuckert. O Cinema Delícia ficava em frente, onde se vê a calçada desalinhada

Em meados do século XIX, Alagoas viu surgir dezenas de Sociedades Dramáticas Particulares, a ampla maioria estabelecida em Maceió. Umas das mais importantes e duradoura foi a Sociedade Dramática Particular Maceioense, fundada em 1846.

Após adquirir um prédio que havia sido construído em 1845, passou a ser uma das poucas instituições artísticas alagoanas com teatro próprio.

Ficava na Rua do Rosário, na área central de Maceió. Essa via depois foi rebatizada como Rua da Imperatriz, Rua 15 de Novembro e Rua João Pessoa, voltando a ser Rua do Sol graças ao então vereador Enio Lins, que fez aprovar a Lei Municipal nº 4072, de 29 de outubro de 1991.

Rua do Sol foi a denominação inicial da continuação da Rua do Rosário, trecho entre a antiga Capela do Rosário, que que ficava no leito da via, e o Largo dos Martírios. Com a relocação do templo, a rua foi unificada, mas os dois nomes ainda permaneceram por algum tempo

Teatro Maceioense, depois Cine Delícia, na Rua do Sol

Após os dois primeiros anos de existência, o Teatro Maceioense paralisou suas atividades até que em abril de 1850 surgiram os protestos de alguns sócios, que passaram a cobrar o funcionamento da entidade.

Um deles publicou nota no Correio Maceioense, de 14 de abril de 1850, rogando ao tesoureiro e demais membros da instituição que declarassem “o que pretendem fazer da casa e mais móveis do Theatro desta Capital; visto que há mais de dois anos não se reúnem para promoverem alguma representação”.

A cobrança surtiu efeito e no dia 12 de julho a diretoria convocava publicamente seus sócios para uma assembleia geral marcada para o dia 24 daquele mês, “a fim de deliberar-se acerca do que melhor lhe convier ao interesse comum dos mesmos sócios”.

Entretanto, a reabertura das atividades só ocorreu no dia 14 de setembro de 1850, quando os sócios foram prevenidos em nota publicada no Correio Maceioense, que podiam “mandar receber os seus bilhetes de entrada em casa de sr. tesoureiro João d’Almeida Monteiro”. Quem assinou a nota foi o 1º secretário José Correia d’Araújo.

A segunda récita foi anunciada para acontecer no dia 19 de outubro. Os sócios foram novamente prevenidos que não seriam enviados os bilhetes para suas casas “por causa d’alguns inconvenientes difíceis de resolver” e que deveriam procurá-los na casa do diretor Manuel da Costa Pereira Cutrin. Quem assinou foi o 2º secretário M. C. d’Arroxelas Jaime Galvão.

Em novembro daquele ano foi publicado o anúncio da peça Os Dois Renegados, em benefício do ator Francisco de Salles Guimarães Cunha, também atuando no “mui difícil papel de Samuel”.

Rua do Sol com um bonde ao lado do Cine Delícia

No início de 1851, o teatro dava sinais que estava funcionando plenamente, a ponto de não ser possível prorrogar as apresentações da companhia Robert por falta de pauta naquela casa de espetáculo.

Em fevereiro a casa estava ocupada exibindo O Sineiro de S. Paulo, “em que o Sr. Guimarães faz o muitíssimo dificultoso papel do Cego Sineiro”, segundo o redator do Correio Maceioense.

O próximo anúncio encontrado nos jornais por esta pesquisa está em O Constitucional de 4 de outubro de 1851, divulgando a presença naquela mesma noite da primeira bailarina do Teatro de S. Pedro de Alcântara, “Mad. Aline Moreau”.

Ela voltava de Pernambuco e apresentaria um extenso programa que seria aberto com uma “Cracoviana executada pela beneficiada” até a sexta parte quando se veria um “lindo e muito divertido passo que a Sra. Moreau dançará em traje de homem”.

Nesse período, o ponto alto da história do teatro foi a presença do imperador D. Pedro II e Dona Teresa Cristina na noite de 1º de janeiro de 1860. Segundo Abelardo Duarte, “O Teatro achava-se decorado internamente com gosto artístico, salientando-se a tribuna imperial”. Foi o maior público recebido pelo Maceioense.

A peça apresentada pela Companhia Dramática Nacional foi 29 ou Honra ou Glória. dirigida pelo ator Duarte Coimbra. D. Pedro II anotou em seu diário: “Teatro como o de Petrópolis quase — Representaram o 29 melhor do esperava, são cômicos de profissão“.

O inusitado deste episódio foi o custo para manter a Companhia Dramática Nacional em Maceió. Ela fazia suas apresentações em novembro quando foi contratada para permanecer até 15 de janeiro. Foi preciso investir “dois contos de réis” dos recursos estaduais, incluindo aí os custos com a montagem da tribuna imperial.

O Teatro também funcionava como auditório para palestras, solenidades e assembleias de instituições, como ocorreu em 1º de novembro de 1869, quando realizou-se a instalação da Associação Tipográfica Alagoana de Socorros Mútuos. Um mês após, no dia 2 de dezembro, o local serviu para as comemorações do aniversário do imperador D. Pedro II.

O drama em três atos O Fogo do Céu e a comédia Sr. Thomaz e a Sra. Monica também estiveram no Teatro Maceioense no dia 4 de abril de 1879. O ator principal era Norberto de Brito.

No início de setembro daquele mesmo ano a principal atração foi uma função de ginástica apresentada por Bayma e Barbosa, que solicitavam “as pessoas conhecedoras da arte para apreciarem na última cena a difícil e incerta posição intitulada Escorrego, Glória ou Morte. Era um espetáculo de ginástica, equilíbrio e agilidade, com o teatro achando-se “competentemente decente para receber o belo sexo, empregados, estudantes e caixeiro”.

Encerrando o ano de 1879, o Teatro recebeu o cearense Eustáquio Martins da Rocha que apresentou um “espetáculo de prestidigitação, acrobatismo e outros exercícios de força e de equilíbrio”.

Vista parcial do Centro de Maceió com o telhado do Cine Delícia no primeiro plano

No dia 28 de setembro de 1881 foi a vez de sediar a instalação da Sociedade Libertadora, instituição que liderou em Alagoas a luta contra a escravidão. O ato foi encerrado solenemente com duas alforrias.

Em junho de 1983, quem se apresentou no Maceioense foi a atriz Filonilla de Paiva. No final do ano, em dezembro, foi a vez de um grupo português, que segundo o jornal O Orbe, “não agradou ao geral dos espectadores”.

Apresentadas pelo grupo do “Snr. Guilherme de Silveira”, estiveram no palco na noite de 20 março de 1884 o drama Ódio de Raça e a comédia Morte de Gallo. “A execução correu bem e o snr. Guilherme revelou-se conhecedor do proscênio”, avaliou o jornal O Liberal.

Cinco dias depois, o “snr. Guilherme da Silveira” estava de volta ao palco com os dramas Os Portugueses na Índia e a Cabana do Pai Thomaz.

Para comemorar a Independência do Brasil, o Teatro Maceioense recebeu “senhoras e distintos cavalheiros, no dia 7 de setembro de 1897, para assistirem o espetáculo Mãe, de José de Alencar. O Orbe assim retratou o ambiente: “O adorno do edifício era lindo embora de má efeito, por ser no velho, imundo pardieiro, que se chama por escárnio Teatro Maceioense”.

Em outubro, o velho e desgastado Maceioense voltou a ser alvo de discussão quando um jornalista do Gutenberg propôs a restauração do antigo teatro argumentando que custaria, no máximo, “20 contos”.

O Orbe rebateu cobrando a necessidade de Maceió ter um teatro “com condições e regras d’arte; e mais que tudo isso, com a higiene e em bom local”. Revelou que o prédio foi construído há 52 anos e que “não merece o nome de Teatro, porque lhe faltam todos os preceitos da arte”.

Ainda em outubro daquele ano foi tornado público que o Teatro Maceioense tinha sido fechado pela Inspetoria de Higiene do Estado.

Como havia um espetáculo marcado para o dia 15 de novembro de 1897 em benefício da viúva de um dos operários do jornal O Orbe, uma comissão de artistas e de tipógrafos se dirigiu ao governador solicitando a liberação para esta apresentação da Sociedade Cavalheiros da Época. O governo indeferiu o pedido.

Permaneceu fechado em reformas até 1899, quando recebeu, em 7 de março, autorização da Inspetoria de Higiene para voltar a funcionar.

Cine Delícia

A partir de 1895, as artes dramáticas nos palcos passaram a enfrentar, em todos os lugares, um sério concorrente: o cinema e seus precursores. O primeiro deles a desembarcar em Maceió foi cinetoscópio, que havia chegado ao Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1894.

No seu livro Panorama do Cinema Alagoano, Elinaldo Barros informa que o cinetoscópio foi apresentado aos maceioenses em 2 de dezembro de 1895.

Surgiram ainda o motoscópio, de Herman Casler, o bioscópio, de Charles Urban, e o projetoscópio, de Thomas Edison. Eram aparelhos que permitiam a visualização das imagens em movimento por uma única pessoa ou em pequenas projeções.

A primeira projeção de cinema em Maceió, entretanto, somente aconteceu dois anos depois da estreia do cinetoscópio. Como o Teatro Maceioense estava interditado, os filmes foram exibidos no térreo do edifício da antiga Intendência Municipal, na Praça dos Martírios, no dia 27 de outubro de 1897.

Uma nota no Gutenberg de 31 de outubro, ao anunciar que no dia anterior tinha ocorrida a segunda exibição e que naquele dia haveria a terceira, revela a outra atração do evento, “sendo os intervalos preenchidos com a audição do sempre maravilhoso fonógrafo”.

A partir de então, o cinema passou também a ocupar as casas de espetáculos de Alagoas, a exemplo do Teatro Polytheama, que no dia 15 de janeiro de 1908, estreou o “cynematographoda empresa Juca Carvalho.

Reformado

Depois de sofrer reformas, o Maceioense recebeu em 7 de março de 1899 autorização da Inspetoria de Higiene para voltar a funcionar. Nesse período de sua existência, o Teatro Maceioense tinha como locatária a Sociedade Dramática Particular Cavalheiros da Época, que investiu em alguns importantes melhoramentos na principal casa de espetáculos da capital. Luiz Lucariny foi o arquiteto responsável pela reforma.

Em julho estreava a Companhia de Novidades do alagoano José Ouvídio de Farias Lobo Filho, um renomado ilusionista. Tinha ainda a participação de Olindina Lobo e Mr. Eugene Profillet, anunciado como “transformista, fascinador e excêntrico do teatro San Martin, de Buenos Aires”.

No mesmo ano, em agosto, a Inspetoria de Higiene Pública proibiu terminantemente “o uso de fumar-se dentro do Teatro Maceioense”.

Jayme Teixeira de Almeida e Alberto Teixeira de Almeida estiveram no Teatro no dia 15 de março de 1908. Foram anunciado pelo jornal Gutenberg como “empresários do cinematógrafo que brevemente estreará no teatro Maceioense”.

Ainda em 1908 o Teatro Maceioense passou a ser divulgado como Cinema Delícia, dotado de um aparelho Pathé. Havia sido vendido ao sr. Carneiro Tiririca. Mas continuava a apresentar peças de teatro e a receber palestras, como a de Osório Duque Estrada, autor da letra do hino nacional, que em 1908 fez conferência sobre O Leque e Alma do Povo.

Vista aérea da Catedral de Maceió. O prédio do Cinema Delícia é o segundo no início da Rua do Sol. Acervo Fondation Latécoère

Outras atividades que também aconteciam no Maceioense eram os bailes de carnaval.

Em 1911, por exemplo, promoveu três bailes, nos dias 25, 26 e 28. “O Theatro acha-se decorado a capricho, iluminação a giorno abrilhantará a este grandiosíssimo festival uma esplêndida orquestra dirigida pelo conhecido professor Antônio João de Lima”, noticiou um dos jornais da capital.

Em 9 de maio de 1911, entrou novamente em reforma e o “Cinema Delícia que ali funcionava resolveu suspender as sessões temporariamente, prometendo avisar ao público logo que sejam ultimados os serviços de conserto do referido prédio”.

Após sua reabertura, a última citação do Teatro Maceioense – Cine Delícia surgiu no Gutenberg em setembro de 1911.

Com a inauguração do Teatro Deodoro em 15 de novembro de 1910 e o surgimento do Cinema Helvética em 22 de outubro de 1910, o Teatro Maceioense não suportou a concorrência e fechou as portas por algum tempo.

Não foi impossível identificar quando voltou a funcionar, mas o Almanak Laemmert, do Rio de Janeiro, registrou em 1929 o Cine Theatro Delícia funcionava na Rua 15 de Novembro, como propriedade da Empresa Capitólio. Há também publicações informando que estava em atividade somente como cinema nos últimos anos da década de 1930.

O prédio foi demolido em 1945.

3 Comments on Teatro Maceioense e o Cine Delícia da Rua do Sol

  1. Lucia Campana // 15 de outubro de 2017 em 09:10 //

    Excelente informação, nossa história, nossos passos, o que tivemos… o que deixamos de ter… Sem essas informações não teremos memórias, não seremos uma sociedade simplesmente Dramática, como tb uma sociedade… partida, sem memória… sem conhecimento de nossas raízes… Simplesmente… uma sociedade esquizofrênica.

  2. Alexandre Toledo // 15 de maio de 2021 em 20:52 //

    Adorei conhecer a história do Teatro Maceioense e do Cine Delícia da Rua do Sol!
    Bem que a o logradouro poderia voltar a se chamar rua da Imperatriz!

  3. Sandra Alencar // 16 de maio de 2021 em 20:14 //

    Muito bom ter informações culturais de Maceió no século 19. Nós, alagoanos, somos muito carentes de informações sobre nossa cidade nesta época, não conhecemos nossa história, o que é uma pena.

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