SNI SECRETO: As revelações sobre Alagoas

O então líder estudantil Radjalma Cavalcante foi fichado pelo SNI

ÚLTIMA PALAVRA foi aos porões do arbítrio e conseguiu os documentos confidenciais que mostram como atuaram os agentes e como funcionaram as atividades da doutrina dita de Segurança Nacional na vida política e econômica do Estado.

Informe do SNI sobre atividades de lideranças estudantis em Alagoas

Informe do SNI sobre atividades de lideranças estudantis em Alagoas

A descoberta de um foco guerrilheiro no distrito de Pariconha, município de Água Branca, Sertão de Alagoas, onde dirigentes comunistas aliciavam camponeses para a luta armada e compravam propriedades rurais para organizar manobras táticas militares de guerra de guerrilhas, e que culminou com a prisão dos envolvidos pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e o enquadramento deles na Lei de Segurança Nacional (LSN).

O registro deste fato, acontecido em agosto de 1968, ano de muita turbulência política no pais, está no relatório de atividades do Núcleo da Agência Central do Serviço Nacional de Informação de Maceió (NAMO), enviado anualmente ao presidente da República e à Agência Central do SNI em Recife, à qual o NAMO era subordinada enquanto funcionou, de 1967 até meados de 1972.

Documento sigiloso, sob o carimbo de “reservado” e “secreto”, o relatório foi expedido todos os anos enquanto durou o NAMO, que teve como chefe o general de divisão R/1 Mário de Carvalho Lima, ex-comandante do 20º Batalhão de Caçadores e autor do livro “Sururu Apimentado”, memórias do militar acerca da Revolução de 30 no Estado de Alagoas.

As principais ocorrências nos “campos políticos, psicossocial, econômico e militar”, como informa o documento conseguido com exclusividade pelo Última Palavra, vistos sob a ótica da doutrina da Segurança Nacional, estão condensadas em quatro relatórios de análises, comentários e críticas que vão desde o comportamento do clero, da imprensa do movimento sindical e estudantil até o movimento da bolsa de valores da capital.

Fichário confidencial

Jailson Bóia e Radjalma Cavalcante tiveram sua participação no movimento estudantil acompanhada pelos órgãos de repressão

Jailson Bóia e Radjalma Cavalcante tiveram sua participação no movimento estudantil acompanhada pelos órgãos de repressão

As atividades do SNI em Alagoas não ficaram restritas, apenas, à elaboração de relatórios, como também a infiltração de agentes nos meios em questão, a prática comum de escuta telefônica clandestina e o fichamento de cidadãos considerados “elementos subversivos”. Só no ano de 1967, o núcleo do SNI em Alagoas apresentou um fichário individual de exatos 571 nomes. Entre eles os dos comunistas Nilson Miranda, Jaime Miranda, assassinado pela ditadura militar, Dirceu Lindoso e José Maria Cavalcanti, citados com frequência nos relatórios.

O documento registra, por outro lado, um vigoroso protesto movido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas contra a Lei de Imprensa, comentando um manifesto enviado pela categoria ao presidente Marechal Arthur da Costa e Silva. O relatório informa também que a manifestação dos jornalistas teve repercussão nos meios estudantis, quando o Diretório Central dos Estudantes (DCE), promoveu o trote dos calouros de 1967, tendo como palavra de ordem o repúdio à Lei de Imprensa.

Mesmo considerando o clero no Estado “absolutamente conservador”, na pessoa do arcebispo Dom Adelmo Machado, o núcleo do SNI em Alagoas tinha uma constante preocupação com as visitas ao arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. Só em 1968, o religioso veio a Maceió mais de três vezes. Na última, num encontro com estudantes e jovens trabalhadores, os “olheiros” do SNI resgataram essa pérola de Dom Helder e que está expressa no relatório: “É preciso o calor da juventude para continuar mandando brasa”.

“Exército de ocupação”

Uma das áreas que deu mais trabalho aos setores da Segurança Nacional no Estado foi a estudantil. Em 1968, ano de protesto e revolta dos estudantes de todo o pais contra a ditadura militar, Alagoas não passou em branco. Impedidos de realizar passeatas nas ruas de Maceió, (sob o cerco policial), os estudantes comemoraram seu dia (11 de agosto), com uma grande manifestação no pátio da Faculdade de Medicina. Segundo o relatório cio NAMO, os oradores atacaram com firmeza o governo militar e as forças armadas, que classificaram de “Exército americano de ocupação”.

“Para encerrar a baderna”, diz o documento, falou um padre de Olinda, Dom Inácio Pires, que foi o orador mais “subversivo e irreverente do ato”. Estiveram presentes também os deputados Moacir Andrade e Roberto Mendes. O relatório destaca a atuação das lideranças estudantis, como o presidente do DCE, Radjalma Cavalcanti, e do “agitador” Jailson Rocha Bóia, que inclusive chegou a ser detido por alguns meses na Penitenciária São Leonardo. Radjalma Cavalcanti desafiava os setores militares trazendo para Alagoas peças de teatro proibidas e censuradas, como “Liberdade, Liberdade”, de Millôr Fernandes.

O documento também informa que os políticos mais destacados no ataque ao governo eram os deputados Luiz Gonzaga Mendes de Barros (ex-MDB e hoje marajá) e José Muniz Falcão (MDB). Outro muito citado no relatório como de esquerda, mesmo estando no poder, era o então secretário de Educação e Cultura, o atual presidente do Tribunal de Contas, José de Mello Gomes, “elemento considerado como esquerdista atuante e antirrevolucionário, condição que até então não procura disfarçar”, diz um trecho do documento.

Parentes e capangas

sniDe uma maneira geral, os setores militares de informação não tinham boa impressão da conduta dos parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado: “O Poder Legislativo pouco tem feito para justificar sua existência. No exercício de 1967 foram aprovados apenas alguns requerimentos e pareceres do interesse de seus próprios autores. Como defensores do povo e legisladores, esses deputados pouca ou nenhuma falta fariam”, diz o relatório.

Neste ano, a bancada contava com algumas eminências pardas, como os deputados Antônio Amaral, Elísio Maia, Diney Torres, Nelson Costa, Theobaldo Barbosa, Guilherme Palmeira. Já naquele tempo, o documento registrava a conhecida “licença médica por temporada” e o empreguismo: “Na Assembleia Legislativa todos os funcionários são afilhados políticos, parentes e capangas a serviço aos 35 deputados”.

Em 1969 um fato mereceu destaque no relatório do SNI na área política. O Governo Federal, através da Procuradoria da República, apurou uma série de irregularidades através de um inquérito administrativo, entre elas a remuneração em dobro dos vencimentos mensais dos aposentados da Assembleia. O inquérito tornou inconstitucional o ato, mas no entanto o resultado só ficou no papel, pois a partir nessas leis foi que se oficializou o “efeito cascata”, “repicão” e os supersalários dos marajás.

Imprensa submissa

Segundo o relatório do SNI em Alagoas, o comportamento da imprensa na época sempre foi dócil e submisso para com o governo militar, sem nunca registrar porém a censura ostensiva nas redações e as ameaças e perseguições a jornalistas. Diz o documento: “Também tranquila a conduta dos órgãos da imprensa local, com notável obediência às instruções baixadas pelo Ministro da Justiça e peio Departamento da Policia Federal (DPF). De um modo geral, editoriais e comentários plenamente aceitáveis, quando não de aplausos”.

Em 1970, o Núcleo da Agência do SNI em Maceió (NAMO) muda de endereço, sai do segundo andar do prédio onde hoje é a Sunab, na Conselheiro Lourenço de Albuquerque, e vai para a Praça dos Martírios, junto ao Palácio do Governo. É o começo do governo Médici, o mais duro período da ditadura militar no país. No Estado de Alagoas o relatório do NAMU registrava uma “vitória espetacular da Arena”, em 15 de novembro, e a nomeação do governador Afrânio Lajes e José Tavares como vice, indicados pelo Governo Militar e setores da política.

No plano nacional, o Brasil endoidecia com o tricampeonato da “seleção canarinha” no México, enquanto os porões da ditadura estavam repletos de presos políticos mortos e torturados, e desaparecidos. No entanto, o relatório do NAMO desconhecia esse grave momento, anunciando com ufanismo a patriotada em que o pais mergulhou:

— Todos os jornais e televisões destacaram a conduta do chefe da nação, possibilitando que todo Brasil assistisse ao vivo aos magníficos espetáculos esportivos. O povo alagoano teve um, novo alento de civismo e vibração patriótica ante o feito espetacular de nossos atletas”, diz um trecho do documento.

Publicado originalmente na Revista Última Palavra, nº1, de 17 de dezembro de 1987.

2 Comments on SNI SECRETO: As revelações sobre Alagoas

  1. Parabenizo-os pela iniciativa desta publicação e compartilho pois tem relevância histórica. Grato

  2. Pedro Moura // 4 de setembro de 2016 em 11:30 //

    Excelente e brilhante informação. Um verdadeiro mergulho nos anais antes vivido por poucos.
    O que nos chama mais atenção, foi a participação de muitos políticos de um modo geral, e a famigerada assembléia já dava ares de corrupção, o que continua até hoje não somente em Alagoas, mas no país inteiro.
    Parabéns aos pesquisadores por nós trazer tão ávidas lembranças.

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