Rua do Comércio e o desenvolvimento do Centro de Maceió

Rua do Comércio com bonde elétrico na década de 1950

No início do século XIX, Maceió era apenas um pequeno povoado que fazia parte da freguesia de Santa Luzia do Norte e tinha o privilégio de ter um dos melhores portos da região.

Mais quatro outros pequenos povoados completavam a freguesia: Trapiche, Jaraguá, Poço, Mutange e Bebedouro.

A primeira grande via de Maceió foi aberta naturalmente como o melhor caminho em direção ao porto utilizado pelos tropeiros e seus animais de carga.

Estrada de Bebedouro, Largo dos Martírios, Rua do Comércio, Praça dos Palmares (Boca de Maceió), travessia do Riacho Maceió e areal de Jaraguá, ao que tudo indica, compunham o trajeto inicial dos que abasteciam o comércio da futura capital das Alagoas ou os armazéns de Jaraguá, com produtos para a exportação.

Rua do Comércio em meados do século XIX

Rua do Comércio no final do século XIX

Essa ligação entre o Largo dos Martírios e a Boca de Maceió foi reforçada, no início do século XIX, com duas ruas paralelas à Rua do Comércio: a Rua Boa Vista e a Rua do Sol.

O Largo dos Martírios, ou Atalaia, funcionava como um entreposto, recebendo as mercadorias que chegavam à Maceió em canoas pela Lagoa do Norte (Mundaú) até o porto de Bebedouro ou em montarias pelo vale do Rio Mundaú.

As que se destinavam à Jaraguá, percorriam a Estrada de Bebedouro, atravessavam o povoado e chegavam ao porto. Foi nas margens destes caminhos que ocorreu, espontaneamente, a sua ocupação por moradias e estabelecimentos comerciais.

Outro espaço urbano de Maceió foi ocupado a partir da Igreja Matriz, que atraiu, naturalmente, a sede do poder, constituindo o coração do povoado, como definiu Craveiro Costa. Foi no entorno do pátio da Capela que se estabeleceu a sede da Ouvidoria.

O Ouvidor era a maior autoridade do povoado, que se expandia mantendo as ruas nos traçados primitivos, com casas geminadas e lotes irregulares.

Foi essa a situação encontrada pelo primeiro presidente da província, Sebastião Francisco de Mello e Póvoas, quando desembarcou em Jaraguá no ano de 1819.

Planta de Maceió de José da Silva Pinto de 1820 por ordem do capitão governador Sebastião Francisco de Mello e Povoas utilizada em 1841 por Carlos Monay

Planta de Maceió de José da Silva Pinto, utilizada em 1841 por Carlos Mornay

Essa disposição urbana está registrada em uma planta de Maceió de José da Silva Pinto, elaborada em 1820 por ordem do presidente da província. Desenho que foi utilizada em 1841 pelo engenheiro Carlos de Monay para o primeiro esboço de planejamento urbano da capital.

Outra tentativa de se ter plano urbanístico para a cidade só voltou a acontecer em 1868, quando o presidente da Província, José Bento Júnior, apresentou o Plano de Remodelação. As ações deste plano aconteceram entre 1868 e 1871, contemplando a capital e toda a província.

Nesse período, as ruas de Maceió permaneciam, durante a noite, praticamente na escuridão, com uma iluminação pública precária.

Henrique Marques d’Oliveira Lisboa, presidente da província em 1845, relatou à Assembleia que a capital era iluminada por 18 lampiões sob a responsabilidade do padre Joaquim José Domingues da Silva.

Mesmo reconhecendo que a iluminação era insuficiente, o governante explicava que não proporia o aumento porque reconhecia que “esta despesa é agora incompatível com o estado das finanças”.

Rua do Comércio nos 20 ou 30

Rua do Comércio nos 20 ou 30

Outro problema importante para a Maceió de 1845 era o abastecimento de água potável.

Para fornecer água de melhor qualidade, o governo de então fez publicar a Lei que concedia exclusividade por 30 ou 50 anos ao indivíduo ou companhia que quisesse explorar os chafarizes da capital.

O investidor teria que fazer o encanamento das águas do Riacho Bebedouro ou Riacho Jacarecica para Maceió, estendendo-se até a povoação de Jaraguá. Essa obra demorou décadas para ser concluída.

Emergencialmente, naquele ano se discutiu a possibilidade de aproveitamento da água potável da Cambona construindo um pequeno chafariz, “que sem dúvida fornecerá a água suficiente para o público desta capital”.

Café Colombo no início do século XX

Café Colombo no início do século XX

Em meados do século XIX, quando Maceió já era a capital de Alagoas, suas principais vias eram a Rua do Comércio, Rua Boa Vista e Rua do Sol.

Em direção ao sul, dois arruados também já estavam bem habitados: a hoje Rua do Livramento e a Rua Nova (Barão de Penedo), que ligavam respectivamente a Rua do Comércio e a Boca de Maceió ao Largo da Cotinguiba (hoje Praça Deodoro).

Rua do Comércio

Ao historiar sobre a Rua do Comércio, Félix Lima Júnior em Memórias e Minha Rua, informou que ela começava no Largo dos Martírios, então conhecido como Atalaia, por ser o local onde os comerciantes esperavam os almocreves com as mercadorias daquele município, confirmando a sua função de entreposto comercial.

Rua do Comércio nos anos 40

Rua do Comércio nos anos 40

Talvez por ser a via mais utilizada do povoado, na Rua do Comércio foram se instalando as principais lojas comerciais e escritórios de serviços da vila.

Luiz Lavenère, em seu texto “Recordando” (Revista do IHGAL, nº 30), lembra que na segunda metade do século XIX, o cruzamento entre a Rua do Comércio e a Rua do Açougue, que veio a ser a Av. Moreira Lima, era conhecido como “Quatro Cantos” e “ali se reuniam negros africanos e brasileiros, homens de frete, a espera de chamados”.

Em 1831, quando o presidente da província de Alagoas, o paraibano Manoel Lobo de Miranda Henriques, instalou a primeira tipografia em Maceió, A Patriótica, o fez na Rua do Comércio, nº 6, após ter ficado um breve período na Rua do Livramento, nº 3.

O primeiro grande investimento realizado na Rua do Comércio foi a sua pavimentação em 1854, no governo de Antônio Coelho de Sá e Albuquerque.

Uma obra realizada “sob a direção científica” do engenheiro Pedro José de Azevedo Schamback.

O sistema adotado foi o de pavimentação Macadam – camadas de brita com cobertura de cascalho fino sob compactação.

Rua do Comércio nos anos 20

Rua do Comércio nos anos 20

Sá e Albuquerque informou ainda que foram calçados 120 palmos e construídos 421 palmos de valetas laterais, mas, por falta de “instrumentos convenientes” (provavelmente o rolo compactador), “o calçamento ficou muito defeituoso”, o que levou o governante suspender a obra alegando que era muito dispendiosa.

Em 1857, o mesmo Sá e Albuquerque manifestou interesse em melhorar a pavimentação da Rua do Comércio, “a mais frequentada desta capital”, e nomeou uma comissão para contratar operários, instrumentos e materiais para a obra.

A iluminação pública de Maceió foi melhorada a partir de 1858 com a utilização de “gás líquido hidrogênio” nos agora 100 lampiões, cada um deles equivalente a cinco velas de cera.

A empresa contratada teria que estender a iluminação até Jaraguá.

Mesmo com ampliação, o presidente da província, Angelo Thomaz Amaral, considerava que esse serviço ainda era insuficiente para uma população de 10.568 habitantes, dos quais 2.110 eram escravos.

Mudanças na denominação

Mesmo já sendo registrada como Rua do Comércio em impressos, um mapa de 1841 denominou o trecho entre a atual Av. Moreira Lima e a Praça dos Martírios como Rua Alecrim e o outro trecho como Rua do Palácio.

Entretanto, a Rua do Commercio, como registrava a grafia da época, não teve uma vida tranquila com esta denominação. Por sua importância também foi vítima das políticas de homenagens do Conselho da Intendência Municipal.

Assim, no dia 3 de fevereiro de 1883, “prestando homenagem ao mérito de alguns varões ilustres filhos a maior parte dessa província” foram alteradas as nomenclaturas de algumas ruas de Maceió.

O jornal O Orbe, no dia seguinte à aprovação da Lei, informava as alterações.

A Rua do Comércio passou a ser a Conselheiro Sinimbú; Rua Boa Vista, Conselheiro Lourenço; Rua Nova de Maceió, Barão de Penedo; Rua do Palácio, Barão de Anadia; Rua do Alecrim, Barão de Maceió; Rua das Verduras, Barão de Atalaia; Rua Augusta, Ladislau Neto; Rua da Alegria, Pedro Paulino; Rua do Macena, Cincinato Pinto; Rua Nova de Jaraguá, Royal; Rua da Cambona, General Hermes e Rua do Jogo, Voluntários da Pátria.

Rua do Comércio nos anos 50

Rua do Comércio nos anos 50

Dessa data em diante, os jornais tratam a Rua do Comércio como “a atual Conselheiro Sinimbu”, ou ao contrário, como “Rua Conselheiro Sinimbu, antiga Rua do Commercio”.

Alguns deles simplesmente desconheceram as mudanças e continuaram a se referir as ruas da cidade como antes da alteração aprovada pela Câmara.

A homenagem ao Conselheiro Sinimbu não demorou a entrar em desuso pela força do costume e também porque na sessão do Conselho da Intendência Municipal do dia 4 de fevereiro de 1890, o conselheiro Filigonio A. Jucundiano de Araujo aprovou uma indicação restituindo o nome original da via, que voltou ser Rua do Commercio.

Nos anos da década de 1920, a principal via da capital foi utilizada novamente para homenagear uma personalidade da vida política do Estado. Desta feita foi o Dr. Rocha Cavalcante. Também não durou muito. A rua estava predestinada pela vontade popular a ser mesmo a Rua do Comércio.

Equipamentos

Ao meio-dia de 11 de março de 1922, o entroncamento entre a Rua Dr. Rocha Cavalcante (Rua do Comércio) e a Rua do Livramento ganhou um equipamento que faria história em Maceió: o Relógio Oficial.

Foi o governador Fernandes Lima quem instalou o aparelho adquirido à joalharia carioca A Nacional. Tinha quatro mostradores brancos com ponteiros pretos e foi fixado sobre uma coluna de cimento armado, que logo ficou conhecido como Pombal Oficial.

Rua do Comércio nos anos 50

Rua do Comércio nos anos 50

Na esquina em frente ao Relógio Oficial ficava a Chapelaria Lisboa. Antes foi o sobrado do português Francisco José da Graça, que funcionou como o primeiro palácio governamental em Alagoas. Foi lá que se instalou o primeiro governante da nova capitania das Alagoas, Sebastião Francisco de Mello e Povoas, após desembarcar em Jaraguá no dia 27 de dezembro de 1818.

Foi por muitos anos a Loja Iracema. O sobrado foi demolido nos primeiros anos do século XX para dar lugar ao prédio que recebeu a Joalheria Ômega, a Chapelaria Lisboa (em 30 de março de 1917) e o Café Ponto Central (inaugurado no dia 25 de abril de 1931). Atualmente sua parte frontal, que foi reconstruída após ter desabado em 1º de julho de 1980, está ocupada por uma das lojas das Óticas Flamengo.

O Café foi o ponto de encontro dos intelectuais, políticos e empresários durante décadas. O relógio ficou por lá até que o prefeito Álvaro Guedes Nogueira (1935/1936) mandou retirá-lo e entregá-lo à igreja de Nossa Senhora das Graças, na Levada.

No seu local foi erguida uma estrutura que ficou conhecida como Tabuleiro da Baiana, que anos depois deu lugar a um belo poste de iluminação.

Em 1963, o prefeito Sandoval Caju instalou no local a estátua de Mercúrio que estava na Praça Sinimbu desde o início do século XX. Em setembro de 1968, Mercúrio, cuja nudez vinha incomodando a alguns poucos conservadores religiosos, perdeu sua aparição pública e foi removido para Associação Comercial, uma doação promovida pelo então prefeito Divaldo Suruagy.

Em 1930, como consta no relatório do governador/interventor Álvaro Paes, foi instalado “no ponto de intersecção das ruas Rocha Cavalcanti [do Comércio] e 2 de Dezembro, sobre o pedestal artístico, de um combustor de iluminação que serve, ao mesmo tempo, de sinaleiro para a direção de veículos”. Fotos da área nos anos 50 revelam nesse mesmo local o funcionamento de um poste de iluminação com três luminárias.

Cinearte no dia 17 de maio de 1945

Cinearte no dia 17 de maio de 1945

Outro equipamento urbano que marcou época na Rua do Comércio foi o Cinearte, que começou a funcionar ainda em 1913 com o nome de Cine Floriano e depois, no início dos anos 30, como Cinema Capitólio.

No dia 9 de julho de 1957, o Cinearte fechou para reforma somente reabrindo no dia 27 de fevereiro de 1959, já com o nome de Cine São Luiz.

Tinha poltronas estofadas, ar-condicionado e tela em cinemascope. O filme de reestreia foi Tarde de Mais Para Esquecer, com Cary Grant e Debora Kerr.

Como principal artéria da cidade, a Rua do Comércio naturalmente também passou a ser o espaço preferido para o carnaval de rua da capital.

A partir dos anos 30, os blocos arrastavam multidões para lá. Depois, nos anos das décadas de 1950 e 1960, o Corso e as Maratonas Carnavalescas também foram destaques no Centro da cidade.

No final dos anos 70, na administração do prefeito Dilton Simões, a Rua do Comércio recebeu sua última grande intervenção com a implantação do primeiro trecho do Calçadão, que tirou o trânsito de automóveis, afastando as agências bancárias e definindo a via para uso quase exclusivo para lojas de roupas e eletrodomésticos.

6 Comments on Rua do Comércio e o desenvolvimento do Centro de Maceió

  1. Eliana Neves // 1 de agosto de 2015 em 21:43 //

    É sempre muito bom ler estas histórias sobre a nossa terra.
    Parabéns a todos que fazem este maravilhoso trabalho de informação e divulgação da História de Alagoas contribuindo para a memória do povo alagoano.

  2. Vocês poderiam informar de qual ou quais fontes foram tiradas as fotos da rua do comércio?

  3. AS fotos são do Museu da Imagem e do Som de Alagoas, do Arquivo Público e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

  4. niraldo nascimento // 22 de maio de 2016 em 11:13 //

    Gostaria de saber mais sobre a atuação enquanto deputado estadual Claudionor Lima Albuquerque a maior liderança politica dos anos 50/60 em Arapiraca e suas divergências politicas com outra liderança também deputado e prefeito Robson Mendes da cidade de Palmeira dos Indios.

  5. Alexandre Márcio Toledo // 13 de julho de 2020 em 12:58 //

    Que resgate histórico maravilhoso sobre a rua do Comércio!
    Sugiro consertar o ano da chegada do governador da província (1019).

  6. Flávio Lima Silva // 8 de julho de 2022 em 08:54 //

    Segundo se conversa o Cine Capitólio seria um segundo cinema na Rua do Comércio, localizado onde depois foi a Capitólio Modas, da empresa Magalhães & Cia., que também mantinha a loja A Brasileira, na mesma rua, onde depois passou a funcionar o Edifício Banco Econômico

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