Quase me enterrei de vergonha

Rua do Livramento, onde funcionou o Fórum de Maceió, no prédio do antigo Lyceu Alagoano

Theobaldo Barbosa

Theobaldo Barbosa

Há ocasiões na política, ou fora dela, em que nos sentimos com dificuldade para desvencilharmo-nos dos atropelos.

Porto de Pedras, município onde sempre cultivei uma base política graças ao empenho do meu amigo Zizo, ex-prefeito e líder da região, realizava grande festa, culminando com o baile, animado por uma orquestra de Recife, especialmente contratada para a beleza daquela noite.

Eu, na qualidade de governador, Dr. Clayton Sampaio, na condição de secretário do Gabinete Civil e Dr. Luciano Chagas, como Promotor Público da Comarca, éramos as autoridades de mais destaque. Natural que o animador do baile nos citasse, constantemente, mencionando nossas presenças. Só não prevíamos que na hora do desfile da rainha e das princesas eleitas momentos antes, fôssemos convidados para com elas desfilar ao som de uma valsa e sob ruidosos aplausos da plateia. O salão, um enorme armazém, transformado em local de festa, era todo ele uma passarela, na qual morto de vergonha, desfilei pelos seus quatro cantos. Nunca pude tirar da memória aqueles momentos tão desconfortáveis.

Em outra ocasião, tive mais uma crise de riso que de vergonha. Não podia conter-me ante o inesperado. O prefeito de Atalaia convidou-me, na qualidade de governador, para inaugurar uma série de obras no município. Após um dia cansativo de muito caminhar e de muita oratória, chegou a vez da inauguração da estátua do Padre Cícero Romão Batista erigida em um dos bairros da cidade, adorado em Alagoas, talvez mais do que em seu Estado, Ceará. O prefeito fez o discurso inicial após o corte da fita simbólica. Vários oradores o seguiram, exagerando em elogio ao prefeito pela “grande obra” e tecendo louvores ao padre milagroso. Quando chegou minha vez de falar à multidão que ali se concentrava, mal iniciei a saudação às autoridades como é de praxe, fui interrompido pelo Dr. Antônio Moreira, velho amigo, ex-colega de banca escolar do Colégio Guido e da Assembleia Legislativa como deputado estadual:

— Governador, você não vai fazer discurso algum, você vai, como todos nós, cantar um bendito em louvor ao “padim Ciço”. Espantei-me com o inusitado, mesmo porque o Antônio Moreira que conheci nunca fora de reza. Parecia-me até um tanto agnóstico. Atônito, deixei a coisa rolar e, em vez de falar, passei a ouvir o Antônio Moreira e seus “fiéis” seguidores a cantarem, a todo pulmão, alguns hinos em louvor ao Padre Cícero:

Minha santa beata mocinha
Eu vim aqui visitar meu padrinho.
Meu padrinho fez uma viagem
E deixou Juazeiro sozinho.

Meu padrinho Padre Cicero foi ao céu
Vendo o povo sem sorte.
Foi pedir ao Senhor
Proteção pros romeiros do Juazeiro do Norte.

Doutra feita, convidado a paraninfar o casamento de uma eleitora, quase me enterrei de acanhamento. O Procurador de Justiça e escritor Arnaldo Paiva Filho ouviu-me, numa reunião, contando a história e, com sua verve, transformou-a nesta bela crônica, dando outro nome ao personagem, quando, na verdade, o fato havia comigo acontecido:

“A POLÍTICA DO CASAMENTO — Por ter conseguido emprego para determinada moça, Genebaldo foi convidado para padrinho de seu casamento. A noiva, sarará, dentuça e magricela, varapau de metro e oitenta de altura, pediu ao vereador como presente de casamento, o favor de conduzi-la de automóvel até o edifício do fórum, no centro da cidade, onde seria realizado o matrimonio. A contragosto, o político, homem fino e educado, não teve como se safar do convite. Afinal de contas, um voto é sempre um voto, justificava-se, e não poderia desperdiçá-lo depois do trabalho que tivera para arrumar tal emprego. Assim sendo, no dia e na hora ajustados, lá estava o Genebaldo, temo de linho e gravata de seda, no volante de seu possante carro, esperando na porta da eleitora. De véu e grinalda, sob um sol escaldante, surgiu a noiva, andando desengonçada, metida em sapatos de saltos altos de camurça verde.

“É feia que nem o demo” foi o primeiro pensamento a assaltar o político, que gentilmente abriu a porta do carro, ajudando-a a sentar-se sem amassar o angelical vestido.

— Você está muito bonita, mentiu ele, como de praxe, antes de seguir viagem, entabulando conversa sobre a corrupção que grassa na política.

Para a infelicidade do vereador não havia vagas para estacionar o carro nas proximidades do fórum e ele, então, sem saber como proceder para evitar o vexame de ser reconhecido na rua em companhia de uma mulher tão feia, tentou — sem sucesso — convencê-la a aguardá-lo na calçada do edifício, enquanto procurava um local para estacionar seu veículo.

— De forma alguma, doutor Gene. Eu vou com o senhor. Sem outra alternativa e lamentando-se por não ter pensado antes naquela possibilidade, perfeitamente previsível àquela hora do dia, saiu guiando no tráfego intenso à procura de um estacionamento, o que somente encontrou alguns quarteirões adiante.

E lá veio o casal, caminhando de braços dados pelas ruas centrais da cidade, em direção ao fórum. O político suando a bicas, rindo amarelo e morto de vergonha, desejando passar despercebido entre os transeuntes, e sua acompanhante chamando atenção nos seus brancos trajes nupciais, rindo à toa no dia mais feliz de sua vida.

Ao passarem em frente ao “Bar do Chope”, nas cercanias do fórum, um procurador de Estado, meu amigo, que ali proseava, aguardando a hora de uma audiência, reconhecendo Genebaldo e não se contendo com a cena, exclamou: — Olhem o vereador Genebaldo, gente! Vamos fazer um brinde ao casal de noivos!”

*Extraído do livro “Além do sério – memórias de um político alagoano”, 1998.

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