Presidente FHC visita Arapiraca em 1998

No dia 14 de fevereiro de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso visita o município de Arapiraca, em Alagoas, e assina atos relativos à distribuição de água para Arapiraca pela Adutora do Agreste e, aproveitando que em outubro daquele ano haveria eleições e sua candidatura à reeleição já estava posta, discursa em um encontro de agentes comunitários de Saúde.

Estavam presentes o governador Manoel Gomes de Barras, alguns ministros, os senadores Teotônio Vilela, Renan Calheiros e Guilherme Palmeira, deputados federais e deputados estaduais. A prefeita e anfitriã era Célia Rocha.

Discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso:

Eu queria, em primeiro lugar, dizer da minha humilde satisfação, se é possível dizer isso, pela forma tão generosa com que sempre fui recebido aqui, em Arapiraca.

Prefeita Célia Rocha, FHC e o governador Manoel Gomes de Barros

Prefeita Célia Rocha, FHC e o governador Manoel Gomes de Barros

Eu não me esquecerei nunca que, em 94, quando estive aqui, em campanha eleitoral, esta cidade me fez uma manifestação extraordinária, generosa, de carinho, e eu disse em Arapiraca, naquele instante, que eu voltaria, se fosse eleito Presidente da República.

Hoje, ao chegar aqui, em Arapiraca, mesmo antes de me dirigir aos locais previamente marcados, pedi que o ônibus que me conduzia parasse, porque vi uma aglomeração de populares e achei que era meu dever me expressar, de coração, estendendo a mão a uns poucos habitantes de Arapiraca e pedindo que eles me estendessem essa mesma mão a toda a população de Arapiraca.

E volto, Prefeita, contente. Volto porque encontro um Alagoas diferente.

Uma Alagoas, como disse há pouco o Governador, que estava à beira do caos. Um Alagoas, sobre o qual não faltava o argumento que chegava ao Palácio do Planalto, até mesmo pela imprensa, para exigir que o Presidente da República fizesse uma intervenção federal em Alagoas.

Graças aos conselhos que recebi dos senadores, dos deputados federais, resisti à tentação mais fácil. A tentação mais fácil num país de tradição autoritária, como é o Brasil, é sempre a mesma: intervém, prende, mata, esfola. Isso não leva a nada.

Aqui, em Alagoas, nós estamos reconstruindo as bases morais para o funcionamento do estado de direito. E quem está reconstruindo não é o Presidente da República, não são os delegados do Presidente da República, embora eles estejam aqui ajudando, mas quem está reconstruindo tudo isso é a própria população de Alagoas, que deu apoio ao Governador, aos senadores, aos deputados. Eu não conheço – e já tenho alguns anos de experiência política – uma capacidade de renúncia equivalente àquela que vi na bancada federal de Alagoas, nestes seus senadores, notadamente, ao dizerem: agora, é o momento da unidade, não é o momento da discórdia. Não importa saber o que vem depois, porque ou fazemos já a reconstrução de Alagoas, ou depois vem a desordem e vêm as propostas demagógicas, que tampouco vão resolver as questões de Alagoas. E Alagoas, hoje, está se reorganizando.

Senadores Renan Calheiros, Teo Vilela e deputada federal Ceci Cunha chegando ao evento

Senadores Renan Calheiros, Teo Vilela e deputada federal Ceci Cunha chegando ao evento

E quero deixar bem claro que, se há um ato que me deixa contente, como Presidente da República e como brasileiro, é o fato de o governo ter tido a capacidade, com o nosso apoio, de começar a quebrar o crime organizado, o banditismo, a roubalheira e de botar na cadeia quem na cadeia deve estar. Essa manifestação expressa Alagoas.

Alagoas é um estado honrado, de um povo bom e sofredor. Um estado de lideranças capazes. Um estado que não se curva, portanto, à podridão de uma parte de suas elites e dos seus governantes, que, hoje, só deseja uma coisa: limpar essa gente, afastá-la do comando para sempre, em Alagoas. Para sempre, em Alagoas.

Esse novo Alagoas que eu visito, hoje, é o Alagoas que eu vi, dos agentes comunitários de saúde, da saúde da família. E lá está dito: é cidadania. E é cidadania, mesmo, aumentar a consciência social, a capacidade de reivindicar, a consciência tranquila de que o povo sabe o que deseja e, organizado, ele faz com que os governantes possam ter a força necessária para fazer aquilo que o Ministro Krause disse: a ética não seja uma retórica, uma palavra, mas seja um comportamento quotidiano.

E ética, no Brasil, quer dizer, em primeiro e principal lugar, primeiro e principal lugar, olhar para o pobre, olhar para quem necessita.

Ontem, em Recife e, mais adiante, na Zona da Mata, em Palmares, participei de um encontro. E lá o tema era outro e o mesmo. Tratava-se do programa de retirar, como disse o Ministro, as crianças do trabalho penoso do corte da cana. E tratava-se de dar continuidade ao eixo do nosso programa educacional, que se chama Toda Criança na Escola.

Agentes Comunitários de Saúde ouvem o discurso de FHC

Agentes Comunitários de Saúde ouvem o discurso de FHC

Tiramos da Zona da Mata — estamos tirando — 27 mil, 30 mil crianças. Temos recursos para tirar todas, todas. Mas recursos não bastam. Não adianta só o Governo Federal assinar um papel e mandar dinheiro.

É preciso que haja organização local, é preciso que haja capacidade do prefeito, da Associação de Pais e Mestres, do sindicato, da Igreja, de todos juntos, dando as mãos uns aos outros, aos pais e às mães. Aí, sim, se tira a criança do trabalho e a leva para a escola. Dá-se um pequeno recurso, que serve para ajudar à família, e se cria uma nova escola, que passa a ser o núcleo da mudança social e passa a ser, realmente, aquilo que aqui está dito: a escola da cidadania.

Hoje, aqui, em Arapiraca, ao entrar numa casa pobre – e fiz questão de visitá-la por inteiro -, até meio sem educação e sem que nem mesmo os meus seguranças percebessem, fui à cozinha, fui ao quarto, fui ao quintal, fui ao banheiro, para dar um sentimento de que o Presidente da República precisa ver com seus olhos como vive esse povo que vive com dificuldades. E não me venham dizer que faço isso porque haverá eleições neste ano. Fiz a mesma coisa há três anos, no Ceará, Fiz a mesma coisa há dois anos, no Rio Grande do Norte. Fiz no Maranhão. Fui, sem que ninguém soubesse, visitar um acampamento de sem-terra, próximo de onde eu próprio tenho terra, com três ou quatro pessoas, para ver de perto como essa gente vive. E não chamei a imprensa, para que estivesse a me fotografar, porque não era esse o objetivo. Fui para sentir esse povo,

E eu duvido que, na história do Brasil, um presidente tenha estado tão diretamente vendo seu povo, como eu faço, com tranquilidade, de braços abertos, dando beijos, apertando a mão.

Não que eu queira o voto. Porque quero o afeto e quero dar um pouco de afeto para essa gente que necessita de tudo neste nosso país. Pelo menos, pude perceber que aqueles que, em linguagem popular, estão lá em cima, não estão tão lá em cima as sim, não. Estão com os pés plantados nas raízes deste Brasil. Sabendo das dificuldades deste Brasil, nós temos que ajudar a avançar este Brasil.

Deputado federal Vitório Malta, FHC, Renan Calheiros e Manoel Gomes de Barros

Deputado federal Vitório Malta, FHC, Renan Calheiros e Manoel Gomes de Barros

É a saúde sendo vista não apenas, repito, apenas, porque é necessário também recurso para hospital de ponta, que usa a tecnologia mais avançada, como prevenção, como educação, como escola, como saneamento básico, como atenção àqueles que não têm as condições mini” mas para poder atender a seus filhos e a si próprio.

Mas há mais: aqui, nós firmamos alguns convénios sobre a questão da água. A mim sempre me pareceu que, na parte do desenvolvimento económico – e posso falar disso com tranquilidade -, o maior investimento energético feito no Nordeste foi feito peio meu governo, em Xingo. Das seis geradoras de Xingo, cinco foram feitas por mira, em três anos. Não falo isso para gabar-me. Se, no passado, outros não tivessem construído Xingo, sonhado com Xingo, eu não teria podido continuar, mas a verdade é que demos empenho a isso. Não quero falar de outras obras de desenvolvimento, dos portos que estamos fazendo; no Ceará, Pecém, e Suape, em Pernambuco, não quero falar na Transnordestina, que demos início ontem e que vai beneficiar todo o Nordeste.

Independentemente dessas obras que reestruturam a economia do Nordeste, o Nordeste precisa de três coisas, precisa de atenção básica a seu povo: escola, saúde e precisa de água para beber, e é preciso vergonha na cara de quem dirige. Basta isso. Basta isso para o Nordeste ser, realmente, aquilo que esse povo anseia: um Nordeste de progresso, que divise o futuro, que tenha prosperidade.

Quanto à água para beber, além da água para irrigar, basta olhar, neste mapa, o canal do Sertão, já em andamento, o que nós estamos fazendo com o Pão de Açúcar, o que nós estamos fazendo em termos de reservatórios e o mais importante, ou tanto quanto, porque uns são indispensáveis aos outros, é que agora começam a se fazerem os dutos que vão levar água para a casa das pessoas, porque isso é essencial, porque não adianta nada ter a água parada, a água do reservatório, que não atenda ao povo.

E eu quero dizer ao povo de Alagoas que essa linguagem que tenho aqui, em Alagoas, eu posso ter na Paraíba, porque lá também – sabe o Ministro – nós estamos completando obras que estavam paradas por dezenas de anos, há 50 anos: o canal que vai ligar Coremas a Mãe d’Água, o canal de Souza, que é uma reivindicação histórica da Paraíba.

Ontem, em Pernambuco, acionei o botão que fez jorrar a água na represa de Jucazinho. Estamos levando adiante a Adutora do Oeste, em Pernambuco. Lá no Rio Grande do Norte, dentro de poucos meses, irei inaugurar, junto com o Governador, um canal também, uma adutora, que já está a mil quilómetros sertão adentro no Rio Grande do Norte. E isso eu faço com alegria, até porque foi o Padre Expedito quem me pediu, foi Dom Eugênio Sales quem me pediu, foi o Arcebispo da região quem me pediu. Eles são daquela região sofrida e sabem que nunca os governos tinham olhado para aquela região com o empenho necessário.

E eu vi, lá, no interior do Rio Grande do Norte, uma represa tão grande quanto a Baía da Guanabara, e tão inútil quanto qualquer represa que estivesse posta num polo glacial, porque não tinha um canal que levasse a água dessa represa à boca sedenta da população do Rio Grande do Norte. E nós estamos fazendo os dutos, para que a população tenha água para beber.

Estamos, portanto, mexendo profundamente nas estruturas do Nordeste. E vamos continuar mexendo. Vamos continuar mexendo, porque o Brasil já não pode mais suportar a desigualdade regional. E quem vos fala é do Sul, quem vos fala é paulista de formação e carioca de nascimento, mas me orgulho de dizer que aqui, em Alagoas, nunca nenhum governo colocou tantos recursos quanto o meu governo está colocando. E me orgulho de dizer que posso repetir essa frase em vários estados do Nordeste. Ouvi do Governador do Ceará, recentemente, expressões muito parecidas ao que me disse o Governador Manoel neste momento aqui: que lá, no Estado do Ceará, nunca ninguém tinha feito tantas obras estruturadoras quanto as obras que o Governo Federal vem fazendo nestes três anos.

Termino por lhes dizer que não estou lhes contando isso para somar pontos a meu favor, não. A história se encarregará de dizer quem fez e quem não fez. Estou lhes contando isso, porque os que não acreditam no Brasil, os desesperados, os que não têm a capacidade generosa de entender aquilo que foi dito pelo Ministro Krause, que eu preciso de uma base política ampla, tão ampla quanto este país, os que ficam insistindo numa visão separatista, exclusivista, isolacionista, vivem repetindo um refrão falso.

Este governo, sim, estabilizou a moeda. Isso não podem negar. Já é alguma coisa. Quem se lembra dos anos de inflação sabe que era muito difícil. Já é alguma coisa. Já é uma marca. Mas, dizem sempre que foi só isso, como se isso fosse só. Acontece que não foi só isso. O Brasil que nós estamos construindo é o Brasil do social, sim. É o Brasil da mãe atendida. É o Brasil da escola. É o Brasil da reforma agrária. É o Brasil da água para beber.

De modo que eu presto contas ao meu país não para dizer que já basta, que fizemos tudo que era necessário, não, mas para buscar mais estímulo e fazer mais. É para pedir-lhes, a todos, que nunca percam aquilo que é essencial num povo, mesmo quando esse povo está próximo do desespero, o que não é o nosso caso: a esperança. A esperança é o que constrói um país. Quando a esperança é só uma palavra, ela é letal.

Ela mata. Mas, quando a esperança está baseada em obras, como as que nós estamos mostrando, e em gente, gente como a que está aqui, como os agentes comunitários de saúde, não tenhamos dúvida de que é dessa argamassa que nós estamos construindo o grande Brasil do futuro, o Brasil de todos os brasileiros.

 

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Discurso de FHC disponível no site www.biblioteca.presidencia.gov.br (original AQUI).

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