Pioneiros da Psiquiatria alagoana

Asilo Santa Leopoldina, primeiro hospital psiquiátrico de Alagoas
Francisco de Paula Leite e Oiticica

Francisco de Paula Leite e Oiticica

Agatângelo Vasconcelos

Os primórdios da psiquiatria em Alagoas remontam a 1886, quando o bacharel em Direito Dr. Francisco de Paula Leite e Oiticica, então ocupando o cargo de Chefe de Polícia de Maceió, sensível às inspirações de sua época e constatando a total ausência de assistência médica aos que “haviam perdido a razão” – como então se dizia – liderou um bem-sucedido movimento filantrópico que culminou com a criação de uma casa para a custódia e o tratamento dos loucos.

Era o “Asyllo de Alienados“, para cuja instalação festiva ocorrida no dia 22 de maio de 1887, toda a sociedade fora mobilizada pela imprensa local (especialmente pelo jornal “O Alagoas“, editado por Tertuliano de Menezes), participando de uma subscrição pública.

Anos depois o governo estadual, então sob a presidência de Aristides Augusto Milton, resolve preocupar-se com o problema e concita Leite e Oiticica para a construção do que viria a ser o “Asilo de Santa Leopoldina“. Para tanto, contava-se com dotações orçamentárias escassas, mas dispunha-se, também, dos prêmios não reclamados pelos ganhadores da loteria provincial.

Felizes tempos em que muitos ganhadores não se dispunham ao recebimento das quantias a que faziam jus! E como a lei orçamentária então vigente permitia o uso destes recursos quantificados em caixa especial quando não reclamados após um prazo de dois anos, foi graças aos fiadores da deusa Fortuna que se conseguiria edificar o nosso primeiro estabelecimento oficial destinado aos doentes mentais.

O Asilo de Santa Leopoldina após muitas tribulações decorrentes até mesmo dos diversos cometimentos que modificaram profundamente o cenário social, político e econômico do país, foi finalmente inaugurado a 28 de junho de 1891. Era um estabelecimento condizente com a assistência então oferecida: humanística e asilar.

Contava com médico e enfermeira, não havia ferros a prender os pacientes e o seu diretor, Leite e Oiticica, cogitava reduzir o ócio dos internados pela ocupação em jardins e parques “para recreio e diversão dos loucos”.

Quartel de Linha e Asilo S. Leopoldina em 1912

Quartel de Linha e Asilo S. Leopoldina em 1912

Não se sabe até quando este homem idealista e empreendedor permaneceu no cargo. Foi substituído pelo Dr. Pedro José Duarte, provavelmente a partir de 1901 e dele não mais temos notícias na vida pública, exceto como membro do “Instituto Archeológico e Geográphico Alagoano“, importante instituição cultural que instalada em dezembro de 1869 congregou durante muitos anos a elite intelectual alagoana, dando lugar, posteriormente, ao atual e não menos importante Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

Quais os médicos que primeiro trabalharam no Santa Leopoldina? Não se sabe. O seu primeiro diretor, como vimos, era advogado; o Dr. Pedro José Duarte era cirurgião dentista, tendo permanecido no cargo até 1921, quando foi substituído pelo médico Manuel Gonçalves Ferreira, este muito provavelmente, o nosso primeiro alienista. Antes dele os médicos que labutaram no velho asilo, eram clínicos gerais ou cirurgiões, os quais, em decorrência a esta ou aquela razão vocacional ou circunstancial aceitaram exercer a profissão entre os loucos daquela instituição hospitalar.

É que raros eram os verdadeiros alienistas, leitores dos clássicos franceses e com prática adquirida talvez no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, ou no Asilo João de Deus, em Salvador, ou ainda no Hospital da Tamarineira, no Recife.

Assim sendo, os nossos antigos médicos, no delicioso e irreverente dizer de um dos nossos informantes, eram como as “polacas”: polivalentes… Já Manuel Gonçalves Ferreira, não. Desde a escolha da sua tese de doutoramento defendida em dezembro de 1907, na Bahia, mostrava a sua inclinação vocacional: “Estudos da insônia”. Manuel Gonçalves Ferreira Filho – nasceu a 15 de maio de 1878, na atual cidade da Barra de São Miguel, sendo os seus pais Manuel Gonçalves Ferreira e lzabel Maria da Cruz Ferreira.

Recebeu a instrução primária na cidade do seu nascimento e a secundária em Maceió, onde foi aluno interno no Colégio do Professor Agnelo Marques Barbosa. Fez os preparatórios no Liceu Alagoano e cursou Medicina na Bahia, onde se formou em 21 de dezembro de 1907.

Inicialmente clinicou na Amazônia (Estado do Amazonas e Território do Acre), retornando, posteriormente, a Alagoas. Em Coruripe clinicou e montou uma farmácia, mas logo depois passou a trabalhar em Penedo. Finalmente fixou-se na capital de Alagoas, estabelecendo consultório na Farmácia Brasil, na rua do Livramento.

Foi nomeado médico da Escola de Aprendizes Marinheiros e Diretor do Asilo de Santa Leopoldina, no governo de Fernandes Lima, em 1922. Resolveu, então, desativar o seu consultório particular e também solicitou exoneração da Escola de Aprendizes Marinheiros para melhor dedicar-se à direção daquela instituição psiquiátrica, onde permaneceu até a data do seu falecimento ocorrido em 21 de janeiro de 1934.

Era homem retraído, pouco falava sobre as suas atividades profissionais. Extremamente dedicado ao trabalho e muito zeloso em relação aos seus pacientes, comparecia diariamente ao hospital e jamais gozou férias. Era comum vê-lo no asilo em dias de sábado, domingo, feriados e dias santificados.

Não permitia maus tratos aos insanos e certa feita afastou do hospital um funcionário, ex-presidiário e perigoso indivíduo, que fora flagrado maltratando a um deles. Sempre criticava, veementemente, as precárias condições do Santa Leopoldina, motivo pelo qual sofreu grandes contrariedades.

Um Diretor da Saúde Pública, por esta sua posição de intransigente denúncia das más condições hospitalares, considerou-o como indisciplinado e através de portaria suspendeu-o de suas funções por vários dias. Não obstante, Manuel Gonçalves Ferreira continuou a comparecer diariamente ao seu trabalho, dirigindo o hospital e cuidando dos internados, apesar da suspensão oficial com o consequente desconto pecuniário em seus vencimentos.

Considerando o prédio do velho asilo obsoleto e inadequado, dedicou-se a esboçar um projeto para nova edificação e a isto entregava as suas horas de descanso, quando regressava do trabalho, até altas horas da madrugada. Colaborou com o Poder Judiciário emitindo pareceres psiquiátricos elogiados inclusive pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.

Grandemente considerado por seus colegas médicos, os quais enalteciam a sua competência profissional bem como a sua integridade de caráter, Manuel Gonçalves Ferreira Filho terá sido o nosso primeiro médico especialista em psiquiatria, um alienista, como se dizia na época de sua atuação profissional.

Com o falecimento do Dr. Manuel Gonçalves Ferreira Filho, foi nomeado Diretor do Santa Leopoldina em 1934, o Dr. Rocha Filho, o nosso segundo especialista em doenças mentais, já agora preferencialmente denominado de psiquiatra, não mais de alienista.

José Simplício da Rocha Filho, médico e escritor, deixou um bom número de trabalhos científicos em publicações psiquiátricas nacionais e estrangeiras. Publicou dois livros de poesias e um de contos (respectivamente, “Sombras do Meio-Dia”, “Poemas” e “Falai-me de Amor”), restando um romance que permanece inédito.

Formado na Bahia, em 1931, faleceu no Rio de Janeiro, em 1983. Foi Diretor de Saúde Pública e Diretor do Asilo de Santa Leopoldina, em Maceió. Neste último cargo, Rocha Filho, um verdadeiro psiquiatra com curso no University Hospital, da Universidade de Maryland, em Baltimore, EE. UU, permaneceu até 1943.

Apresentava anualmente, minuciosos relatórios das suas atividades à frente do estabelecimento que dirigia. Procurou melhorar as condições gerais do velho asilo introduzindo novos métodos terapêuticos e implantou um adequado sistema de prontuário médico, cujo modelo foi fornecido pelo eminente psiquiatra brasileiro Ulysses Pernambucano, um dos precursores da psiquiatria social em nosso pais.

Chamando sempre a atenção dos governantes para a precária situação do seu hospital, buscou modernizá-lo, chegando mesmo a substituir-lhe o nome de “asilo“, pelo de “hospital“, o que não propunha como mera questão semântica, mas principalmente como formulação de trabalho.

Em 1934 introduziu a malarioterapia, em 1939 a cardiosolterapia e em 1942 a insulinoterapia, como novas formas de tratamento. De suas leituras conhecia a eletroconvulsoterapia, pois cita artigo publicado por Kalinowsky no periódico “The Lancei” de dezembro de 1939. Não parece, contudo, haver sido Rocha Filho o introdutor desta forma terapêutica entre nós, pois em seus relatórios não consta a ECT como sendo praticada no velho hospital, até 1942.

Consultando prontuários médicos advindos daquele frenocômio e hoje conservados, embora precariamente, no Hospital Portugal Ramalho, encontramos prescrições da eletroconvulsoterapia somente a partir de 1944.

E sobre a clínica privada, qual terá sido a primeira casa de saúde de psiquiatria em Alagoas? Em 1942, o Dr. Pedro Newton Bernardes, médico alagoano formado em Recife em 1940, fundou a Casa de Saúde Pedro Bernardes, situada na Rua Boa Vista, nº 248. Contudo, não era uma clínica exclusivamente psiquiátrica, como facilmente se deduz do anúncio publicitário constante do Jornal de Alagoas do dia 08 de maio de 1942, a seguir transcrito “ipsis literis“:

“Casa de Saúde Pedro Bernardes
Diretor: Dr. Pedro Bernardes.
Internato e serviços especializados para tratamento das moléstias nervosas e mentais. Moléstias de nutrição e endócrinas. Moléstias internas. Operações. Tratamento especializado das fraturas. Moléstias de senhoras. Parto. Metabolismo basal. Laboratório de análises para controle dos tratamentos. Duchas e massagens. Eletricidade médica: ondas ultra-curtas, raios ultra-violetas, alta frequência, raios infra-vermelhos, ultra-termoterapia, indutoterapia. Vitalizador elétrico.
Rua Boa Bista, 248. Fone 529.
Atende a qualquer hora do dia ou da noite. O Dr. Pedro Bernardes atende a qualquer consulta ou a chamados, na Casa de Saúde Pedro Bernardes, onde se encontram instalados o seu consultório e residência”.

Em 1946, com o nome de “Casa de Saúde Santa Cândida“, transferiu o Dr. Pedro Bernardes o seu estabelecimento hospitalar para o bairro de Bebedouro. O prédio aproveitado parece ter pertencido à família do famoso compositor alagoano Heckel Tavares, tendo sofrido grandes modificações até os dias de hoje.

Nele funciona atualmente a “Casa de Saúde Miguel Couto“. Há controvérsia, ainda não esclarecida, sobre se o Dr. Pedro Bernardes chegou a fazer funcionar a sua clínica na nova localização. Há afirmações no sentido de que antes de adaptar o prédio para as finalidades pretendidas, o psiquiatra em foco passou adiante o negócio que só então recebeu pacientes, já sob a denominação que ainda conserva.

Em Juiz de Fora, para onde se transferiu, instalou um moderno hospital psiquiátrico inaugurado em 28 de julho de 1946, denominado “Sanatório Santa Cândida”, em homenagem à Da. Cândida da Cesarina Bernardes, sua genitora. Antes de radicar-se em Maceió, o Dr. Pedro Bernardes, exerceu alguns cargos médicos importantes, no Recife, tais como o de Assistente dos Serviços da Clínica Médica dos Hospitais Centenário e Pedro II, bem como de Assistência a Psicopatas de Pernambuco (o Hospital da Tamarineira) e da Clínica Neuro-Psiquiátrica da Faculdade de Medicina de Pernambuco. Nascido em 1917, Pedro Newton Bernardes faleceu em 1971 na capital daquele Estado.

*Publicado originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Volume 44, 1995.

**As fotos foram incluídas pela editoria do História de Alagoas.

4 Comments on Pioneiros da Psiquiatria alagoana

  1. Fatima Angelica Bernardes Lopes // 29 de dezembro de 2016 em 17:40 //

    Foi com surpresa e emoção que me deparei com esse texto, cujo conteúdo está maravilhosamente descrito e fiel aos acontecimentos relatados. Digo isso por ser filha do Dr. Pedro Newton Bernardes, médico citado nesta. Apresento minha gratidão ao Dr. Agatângelo pela realização deste livro, no qual resgata a memória dos pioneiros da Psiquiatria Alagoana, dentre eles, meu pai.

  2. josias eleoterio dos santos // 22 de julho de 2017 em 14:10 //

    Quanta gente de boa índole já existia naquela época. Congratulo-me pelos feitos do nosso conterrâneo.

  3. Carlos Roberto da Silva // 9 de setembro de 2021 em 19:57 //

    Para mim, foi muito impressionante e emotivo em saber um pouco da História Psiquiátrica de Alagoas.

  4. Fiquei surpresa de não ter nenhuma menção à Nise da Silveira.

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