Octávio Brandão e seus canais e lagoas

Laura Brandão e Octávio Brandão no casamento em 1921

Octávio Brandão Rego nasceu em Viçosa, Alagoas no dia 12 de setembro de 1896. Era filho de Maria Loureiro Brandão Rego e de Manoel Correia de Melo Rego, um farmacêutico prático e ativista da causa republicana.

Manoel Corrêa de Mello Rego, o pai, e Maria Loureiro Brandão Rego, a mãe

Perdeu a mãe quando tinha quatro anos e o pai quando tinha onze anos. Passou a ser tutorado pelo tio Alfredo Brandão, um médico-militar, poeta e escritor, a quem Octávio ajudou nas pesquisas sobre o Quilombo dos Palmares. Seu primeiro contato com o anarquismo se deu no Cinema Aliança, onde trabalhava e passou a conhecer as ideias dos imigrantes italianos.

Quem influenciou Octávio Brandão foi o jovem tipógrafo Antônio Bernardo Canellas, que numa pequena gráfica de Viçosa produzia as propagandas dos filmes e o jornal Tribuna do Povo. Canellas, que era anarquista, foi quem ofereceu os primeiros livros sobre o socialismo para Brandão.

Octávio Brandão

Antônio Bernardo Canellas

O jovem Octávio Brandão

O primeiro registro sobre a presença de Antônio Canellas em Alagoas surgiu no jornal Diário do Povo de 23 de setembro de 1916. Ele era um dos “cavalheiros” presente em uma festa da Sociedade Instrutora Viçosence. No início de 1917, já estendia sua atuação para Maceió como demonstra uma nota que anunciava a formação do Grupo de Propaganda Socialista, secretariado por ele e com sede na Av. Santos Pacheco, nº 85, entretanto, orientava-se que as correspondências fossem enviadas para “Antonio Canellas, rua do Araça, nº 82, em Jaraguá”.

Em 26 de setembro de 1917, o Diário do Povo voltou a citá-lo como tendo participado de um evento da Sociedade Instrutora Viçosence em que se comemorava o centenário de Viçosa. “O jornalista Antonio Canellas inspirado nas humanitárias ideias do nivelamento social ofereceu à assistência uma agradável, sugestiva palestra em que, ora colorida por um fino humorismo, ora denunciadora de uma alma revoltada contra a injustiça universal, o jovem anarquista salientou a ação da Instrutora”, registrou o jornal.

O nome de Antônio Canellas é citado no jornal O Imparcial de 1º de abril de 1919 em uma análise sobre o surgimento da imprensa anarquista em Pernambuco e Alagoas. Assegura o periódico que essa corrente de pensamento era “representada só e exclusivamente por um nome: — Antonio Canellas”.

Esclarece ainda que ele era um tipografo nascido em Niterói [18 de abril de 1898] e que após trabalhar em alguns jornais no Rio, “partiu para Alagoas, depois de ter convivido com Astrogildo Pereira”. Quando chegou a Viçosa, em Alagoas, em 1916, tinha 18 anos de idade.

E continua: “Passou pela imprensa alagoana como um operário, fundando depois um periódico em que iniciou a propaganda do anarquismo. Quando do decreto do governo brasileiro aceitando o estado de guerra com a Alemanha, Antonio Canellas fez um jornal que escandalizou os pacatíssimos comedores de sururu. Era a condenação da guerra em termos violentíssimos contra os nossos dirigentes”.

Rara foto de Octávio Brandão com 19 anos no jornal A Pyrausta de 21 de março de 1917

O jornal carioca informa ainda que Canellas recebeu uma carta elogiosa de Oliveira Lima e que a sede do jornal Semana Social foi apedrejada pelos “patriotas maceioenses”, havendo ainda ameaças de morte ao redator.

Como já havia um processo anterior contra ele por crime de injúria, Canellas fugiu para Recife onde passou a trabalhar na revisão do Diário de Pernambuco e depois fundou o jornal anarquista Tribuna do Povo, que alcançou circulação também na Paraíba e Alagoas. Em setembro de 1918, o jornal Diário de Pernambuco divulgou uma nota de trabalhadores em armazéns e carregadores daquele estado protestando contra a Polícia que ameaçava expulsar Canellas do Tribuna do Povo.

Em 1919 já estava de volta ao Rio de Janeiro, de onde partiu para Amsterdam como delegado da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Na Europa, participou da Conferência Internacional Sindicalista. No mês de outubro deste mesmo ano, participou da comissão organizadora do Terceiro Congresso Operário Brasileiro.

Canellas, que faleceu em 1936, foi fundador do PCB e fez parte da primeira Comissão Central Executiva do Partido, eleita no I Congresso em 1922.

Foi esse jovem anarquista do Rio de Janeiro que possibilitou o contato de Octavio Brandão com as obras de Humboldt, Ratzel, Darwin, Euclides da Cunha, Castro Alves e outros, além de começar a estudar Ciências Naturais, Literatura e História.

Octavio Brandão em Maceió

Laura Brandão

Laura Brandão

Aos 16 anos, Brandão rompeu com o catolicismo, para o desespero de parentes e familiares, todos tradicionalmente católicos. Seus conceitos e atitudes libertárias se chocavam com os valores das classes dominantes alagoanas.

Em 1913, aos 17 anos, morando em Recife onde foi estudar Farmácia, escreveu dois trabalhos sobre a história pernambucana para o Diário de Pernambuco: Aspectos pernambucanos nos fins do século XVI e O Forte do Buraco. Os textos foram publicados somente em 1914.

Nesta época, também fazia pesquisas no Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco e as enviava para o tio Alfredo Brandão, que escrevia o livro Viçosa das Alagoas. Graduou-se em Farmácia pela Universidade do Recife.

Quando aconteceu a Revolução Russa em 1917, Octávio Brandão estava morando em Maceió na Rua Santa Maria, onde fundou a Farmácia Pasteur, que logo passa a ser ponto de encontro dos intelectuais alagoanos.

Em pouco tempo, Brandão já estava produzindo o jornal Semana Social. O periódico foi fechado pela Polícia quando passou a não defender a participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial.

A vítima maior da experiência jornalística de Brandão foi Canellas, seu amigo anarco-socialista de Viçosa, que o acompanhou até Maceió ajudá-lo na edição do jornal. O tipógrafo foi ameaçado e teve que sair de Alagoas.

Envolvendo-se com estudos mineralógicos ligados ao petróleo, encontrou 14 locais com indícios e anunciou, em 1917, a existência do óleo em Alagoas.

No Jornal do Commércio, de Maceió, em 1º de junho de 1918, Octávio publica uma matéria que tinha o título: Um evadido da realidade. Recebeu várias ameaças, inclusive de morte. Passou a escrever sob pseudônimo. Assinava como Salomão, Fogaréo e Salomão Bombarda, mas todo mundo sabia que era ele. Maceió era uma cidade pequena.

Octávio Brandão

Octávio Brandão

Em 12 de setembro de 1918, a capital alagoana acordou com o manifesto Apelo á Revolta colado nas paredes. Os autores do texto eram Os libertários. O cartaz explicava a manobra do governo contra os pequenos plantadores de cana de açúcar.

Nesse mesmo período iniciou as viagens pelos canais e lagoas, percorrendo 1.500 km para escrever o seu livro mais conhecido, Canais e Lagoas.

A primeira edição do livro foi impressa com recursos próprios e chegou a somente 500 exemplares. Foi lançada em outubro de 1919, quando o autor já morava no Rio de Janeiro.

Primeira prisão

Sua primeira prisão aconteceu no dia 13 de março de 1919. Mas ele já vinha sendo observado pela polícia há mais de um ano, por seus escritos em defesa da reforma agrária e por participar da fundação da Congregação Libertadora da Terra.

Ao noticiar a detenção de vários ativistas do movimento operário em Maceió, o jornal O Imparcial (RJ) de 1º de abril de 1919, revela que o “complot” estudava a organização dos “soviets do sururu”. O líder deste movimento era Pedro Codá ,que foi preso com seus companheiros.

“Notou a polícia que quase todos os operários guardavam cuidadosamente artigos assinados por Octavio Brandão”, informou o jornal, acrescentando uma serie de elogios entre eles que o rapaz de 21 anos tinha uma erudição que se destacava no meio em que vivia.

Identificando que pertencia a uma das famílias mais ricas de Alagoas, o periódico carioca noticiou ainda que sua prisão se deu durante uma visita na Cadeia Pública a “um anarquista conhecido pelo pseudônimo de Ariel”. Era o seu amigo Rosalvo Guedes.

“Depois, fui solto e deportado para o interior. Ao voltar a Maceió. compreendi que era preciso partir, de qualquer forma, sob pena de ser assassinado e o crime ficar impune. As autoridades já tinham preparado um pistoleiro para matar-me”, esclareceu no livro de memória “Cartas de Octavio Brandão” (Editora da UFSC, 2005).

Deixou Alagoas no dia 18 de maio de 1919 a bordo do vapor Itapura. O secretário do Interior, Manoel Moreira e Silva, havia advertido: “Não me responsabilizo pela vida do Octávio Brandão”.

Militância comunista no Rio de Janeiro

Octávio Brandão, em pé, o segundo da direita para a esquerda, funda o jornal A Classe Operária, do PCB, em 1925

Na Capital Federal, Octávio Brandão estabeleceu a sua Farmácia Belga na Rua São Francisco Xavier, 228, defronte ao Colégio Militar. Faz contato com José Oiticica, intelectual e militante anarquista, mas, aos poucos, se afastou do anarquismo.

Em 1920, ligou-se ao Grupo Clarté de Paris e através do Grupo Comunista Brasileiro Zumbi, teve contato com o marxismo-leninismo e conheceu Astrogildo Pereira, a quem ajudou a fundar o Partido Comunista do Brasil (PCB), partido a que se filiou somente no segundo semestre de 1922, tornando-se dirigente nacional.

Ainda em 1921, casou-se com a educadora, poetisa e militante comunista Laura da Fonseca Silva.

Nesse período, realizou a primeira tradução brasileira do Manifesto Comunista de Marx e Engels, a partir da edição francesa de Laura Lafargue, que foi publicada no jornal sindical Voz Cosmopolita, em 1923.

Em 1925 esteve à frente da criação de A Classe Operária, o primeiro jornal de massas do Partido Comunista, da qual foi o primeiro editor. Dois anos depois foi editor-chefe do diário A Nação.

Octávio Brandão participa de um comício no Rio de Janeiro

Ainda em 1925, após revolta tenentista ocorrida em São Paulo, entre os dias 5 e 28 de julho de 1924, publicou Agrarismo e Industrialismo, considerado a primeira tentativa de interpretação marxista da realidade brasileira. A edição era argentina, e Octávio Brandão se assinava com o pseudônimo de Fritz Mayer.

Em 1928 foi eleito para o Conselho Municipal (atual Câmara dos Vereadores) da cidade do Rio de Janeiro pelo Bloco Operário e Camponês, frente eleitoral criada pelo PCB, então clandestino.

Logo após a guinada esquerdista da III Internacional, as ideias originais de Brandão sobre a revolução brasileira foram condenadas e acusadas de direitistas e menchevistas. Teve que fazer uma humilhante autocrítica e foi destituído dos cargos da direção partidária.

Após dezenas de prisões no Brasil, foi deportado pelo governo Vargas. Partiu em 25 de junho de 1931 no navio Wiser para Bremen, na Alemanha. De lá, foi para a União Soviética, onde permaneceu exilado por 15 anos trabalhando na organização da Internacional Comunista.

Octávio Brandão com as filhas

Octávio Brandão com as filhas

No exílio, foi acompanhado pela esposa, Laura Brandão, e pelas três filhas do casal: Satva, Dionysa e Vólia. Nesse período o casal teve ainda mais uma filha, Valná.

Em novembro de 1943, a família de Octávio Brandão no Brasil recebeu  carta sua comunicando o falecimento de Laura. A morte aconteceu nos Urais, para onde parte da estrutura administrativa de Moscou tinha levada, fugindo do Exército Alemão em plena Segunda Grande Guerra.

Octávio Brandão voltou a casar ainda na Rússia. Sua nova companheira era uma brasileira funcionária da Rádio Moscou, Lúcia Prestes, irmã do líder comunista Luís Carlos Prestes, com quem teve as filhas Iracema e Glória.

Regressou do exílio em 1946 e no ano seguinte foi eleito vereador para a Câmara do Distrito Federal, RJ, logo em seguida foi cassado, iniciando longo período de clandestinidade.

Após a sua separação de Lúcia Prestes em 1953, Octavio Brandão ainda teve mais uma companheira: Marisa Júlia Coutinho. Era 34 anos mais nova que ele. Em 1965 houve a separação com a interferência dos pais de Marisa, segundo Valná Brandão.

Em 1955, Octávio Brandão foi preso pela 17ª vez. Apenas em 1958, durante a presidência de Juscelino Kubitschek, pôde voltar à vida legal.

Octávio Brandão (segundo da esquerda para a direita, de pé), ao lado de membros da Internacional Comunista em 1931

Aqueles, no entanto, foram dias dramáticos para os comunistas. Dois anos antes, Khrushchov havia denunciado os crimes de Stalin e aberto uma crise sem precedente no movimento comunista internacional.

Brandão foi atingido por essa crise e acabou, lentamente, se afastando da militância partidária. O descaso da direção do Partido pelos seus antigos militantes também contribuiu para sua atitude.

Obras

Figura essencial para a compreensão da história sociocultural de Alagoas, somente nos últimos anos seu nome vem sendo lembrado. Estudioso e pesquisador que foi, deixou um acervo monumental, utilizado até hoje como fonte para vários estudos acadêmicos desenvolvidos no Brasil.

Escrito nos idos de 1916-17, o livro Canais e Lagoas representa um dos poucos registros da natureza que circundava o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, quando a intervenção humana ainda não havia provocado mudanças significativas nesse notável ecossistema.

João Cândido, o almirante negro e Octávio Brandão

João Cândido, o almirante negro e Octávio Brandão

O livro traça um roteiro preciso do quão exuberante era a mata atlântica e seus recursos hídricos à época.

Serve de precioso contraponto ao absurdo representado pelo processo de irresponsável ocupação do solo que caracteriza, principalmente, a zona costeira do Brasil e, particularmente, o litoral de Alagoas.

Octávio Brandão, na verdade, foi nosso primeiro ecologista. Era dono de um idealismo sem limites e de grande coragem cívica, ainda que sofresse a frustração de não encontrar entre grande parte dos intelectuais da época “calor e simpatia, apoio e estímulo, justiça e compreensão”.

O livro Agrarismo e Industrialismo foi pioneiro na reflexão dos comunistas sobre a sociedade brasileira.

Escreveu ainda: Mundos Fragmentários, Rússia Proletária, Intelectuais Progressistas, O Niilista Machado de Assis, Combates e Batalhas, Apontamentos de um Burguês, Desmoronamentos Divinos, As Forças Encadeadas, Apelo à Nacionalidade Brasileira e Vida do Novo Mundo.

Faleceu no dia 15 de março de 1980, no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, na Estrada do Sumaré, onde viveu os seus últimos 16 anos.

Fontes principais:
Pesquisa de Luiz Nogueira para o fascículo Memória Cultural de Alagoas, editado pela Gazeta de Alagoas.
Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Oct%C3%A1vio_Brand%C3%A3o.

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