O estranho relacionamento do discípulo e seu descobridor

O experiente jornalista Nilton Oliveira analisa a relação entre Lamenha Filho e Divaldo Suruagy em 1974

Lamenha Filho passa o cargo de governador a Afrânio Lages
Lamenha Filho e Teotônio Vilela queriam disputar uma vaga para o Senado em 1974

Lamenha Filho e Teotônio Vilela queriam disputar uma vaga para o Senado em 1974

Nilton Oliveira

O comando das eleições legislativas de novembro de 1974 era o primeiro “abacaxi” que o novo governador Divaldo Suruagy teria que descascar, encargo que Lamenha e Afrânio também enfrentaram. Haveria renovação nas bancadas da Assembleia Legislativa e Câmara Federal. E de uma cadeira no Senado, que estava ocupada por Teotônio Vilela. Cadeira que marcaria os primeiros aborrecimentos do otimista novo governador.

Enquanto as articulações prosseguiam, o candidato a candidato mais noticiado estava curtindo seu mundo há cerca de 60 quilômetros de Maceió, alheio aos problemas políticos. Era o ex-governador Lamenha Filho, num exílio espontâneo no seu engenho Coronha, retraimento que configurava a sua desilusão com a vida pública desde que terminou seu período administrativo.

Ele curtia suas razões, e entre amarguradas lembranças se fixava naquele momento em que, sentado na cadeira maior do salão de despacho, cercado por uns “gatos pintados” de familiares e amigos reais, enquanto aguardava o momento de transmitir o cargo, ouvia num rádio portátil o discurso que seu sucessor proferia na Assembleia Legislativa. E, quando o professor Afrânio Lages afirmou que “solicitaria à Assembleia Legislativa o retorno do processo de reclassificação do funcionalismo para corrigir possíveis injustiças”, Lamenha amargurava sua última decepção no Poder, pois não esperava aquela.

Suruagy reconhecia que foi descoberto para a política por Lamenha Filho

Suruagy reconhecia que foi descoberto para a política por Lamenha Filho

Tanto que o ato de transmissão do cargo foi seco, completado com um cumprimento inamistoso e uma seguida retirada antes que o novo governador discursasse, o que foi percebido por grande parte dos presentes. Em função daquela última ocorrência o ex-governador se retirou para seu engenho, com um compromisso assumido consigo mesmo: nos próximos quatro anos não pisaria os batentes do Palácio Floriano. E não pisou. Consequentemente, ficou desvinculado da atividade política, limitado aos papos com os amigos, até que surgiu a vaga para o Senado que para muitos observadores deveria ser preenchida por ele.

O detalhe constrangedor era que o ocupante do cargo não era outro senão Teotônio Vilela, ainda meio apagado, mais por culpa da censura, que era implacável, que propriamente de sua conduta. Ora, Teotônio saíra senador oito anos antes por iniciativa e com o aval do então governador Lamenha Filho. Então, Suruagy ficou numa situação constrangedora, porque o homem do Coronha não se manifestava se estaria ou não disposto a disputar o cargo.

E a coisa foi cozinhada de maneira tal, resultando na homologação do nome de Teotônio para disputar a reeleição, sem maiores problemas. E assim aconteceu. Enquanto o ex-governador permanecia no seu engenho de onde somente saiu um ano depois para se empenhar na campanha do seu genro Mano, que disputava a Prefeitura de União dos Palmares.

Apesar de tais constrangimentos, resta a Lamenha Filho o consolo do reconhecimento público, sempre que se faz necessário, de parte do atual governador. Suruagy credita a ele sua “descoberta” para a política. Destaca sua admiração e confessa cultivar algumas “manhas” do experiente político. Tanto que, desde a indicação do seu vice-governador, o saudoso Antônio Gomes de Barros, Suruagy procurou cativar Lamenha com algumas decisões que o agradasse. A ponto inclusive, de muita gente dizer que na nova equipe do Governo “só tinha gente do Lamenha”. Era Osvaldo na Fazenda, Gama na Receita, Murillo na Educação, Zé de Melo no Planejamento, Hans na Mordomia e assim por diante.

Tudo aquilo, porém, era pouco receptivo para o ex-governador, que acumulou algumas mágoas do seu discípulo. Por exemplo: ele só tomou conhecimento de que o irmão seria secretário através da imprensa — o que definiu como uma desconsideração. Colocação que certamente fez, de forma idêntica, ao receber e agradecer o convite para presidir o Banco do Estado.

Apesar do que acima de tudo Lamenha ainda coloca sua amizade e admiração pelo discípulo, do qual se confessa eleitor. Sem deixar de lamentar ter ele, o discípulo, se desviado do seu melhor caminho. De parte do discípulo é verdadeira a recíproca na amizade e admiração. Relacionamento que encuca até o macaco do Planeta dos Homens: “Eu só queria entender”.

*Publicado originalmente no livro Eu fui Testemunha, Maceió, 1979.

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