O distraído Marechal

Cláudio Alencar entrevista para a Rádio Gazeta o Capitão-de-Mar e Guerra Fernando de Carvalho Chagas, em presença de José Barbosa de Oliveira, então diretor, em 1965

Cláudio Alencar

Eclodira a Revolução de 31 de março de 1964. Expectativas, temores, mudanças radicais na estrutura política e administrativa do país, cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos. Virava-se mais uma página da história do Brasil.

Chefes militares percorrem o país para sentirem de perto a reação do povo, para conferirem posições e consolidarem o movimento.

General Odílio Denys, um dos articuladores do Golpe Militar de 1964

Vem a Maceió o Ministro do Exército, Marechal Odílio Denis. Vamos fazer a cobertura radiofônica, pela Rádio Difusora de Alagoas, de sua passagem pela capital alagoana.

O aeroporto dos Palmares mais parece uma praça de guerra. Soldados em uniformes de campanha, ostensivamente armados, estão em toda a parte, caras fechadas como se estivessem com raiva de todo o mundo.

O credenciamento dos repórteres foi um sufoco. Vasculharam a nossa vida. Chegaram ao absurdo de exigirem currículo escolar até de curso primário, com nomes e endereços dos estabelecimentos, esse tipo de asneira. Mas, tudo bem, o importante é o trabalho a fazer.

General João de Almeida Freitas, Marechal Odílio Denys e Capitão Lauro Amorim em Brasília, 1960, durante a construção da capital

General João de Almeida Freitas, Marechal Odílio Denys e Capitão Lauro Amorim em Brasília, 1960, durante a construção da capital

O Marechal Odilio Denis foi um dos articuladores da Revolução de 64 e, no momento, é um dos homens mais poderosos deste país. Aterrissa o jato da Força Aérea Brasileira. Autoridades locais perfiladas, no hall do aeroporto, aguardam o homem forte da revolução. E aí está, diante de nós, o Marechal Odílio Denis. Alta estatura, carrancudo, velho, bochechudo, parece não caber no vistoso uniforme. Cumprimentos protocolares. Não há povo.

Aí me aproximei, com o microfone em punho. Militares tentam me impedir mas estou perto e o Marechal faz um sinal permitindo-me a aproximação. Peço-lhe uma saudação ao povo de Alagoas e a faz muito secamente afastando-se e evitando perguntas. Insisto e um segurança fardado me detém. Procuro me informar de sua assessoria horário de entrevista coletiva com a imprensa e rádio. Não haveria entrevista. Mas, como? Num momento como aquele com a revolução começando e o Ministro não vai dar entrevista?

Não, o Ministro não dará entrevista. Sou repórter e, como tal, teria que encontrar um meio de entrevistar o Ministro pela importância do momento e as razões de sua visita a Alagoas.

Palácio dos Martírios nos anos 60

Palácio dos Martírios nos anos 60

Hospeda-se no Palácio dos Martírios, na residência oficial do Governador, sendo proibido o acesso de jornalistas. Procuro a filha do Governador Luiz Cavalcante, Maria Luiza, a quem solicito interferir junto ao Marechal Odílio Denis, entregando-lhe dez perguntas que elaborara, pedindo a sua colaboração, justificando que o povo precisa saber de coisas relacionadas com o movimento revolucionário.

Fico aguardando numa das salas do Palácio a decisão. O tempo passa, já é noite até que Maria Luiza vem ao meu encontro e diz que o Ministro concederá entrevista, logo mais, exigindo, porém, que suas declarações teriam que ser gravadas e revistas quantas vezes fossem necessárias e, das dez perguntas, cortou quase todas, restando apenas três.

As perguntas, realmente, eram contundentes. Lembro que perguntava se era verdade que o Marechal autorizara o bombardeio do Palácio Piratini para desalojar o Governador gaúcho Leonel Brizola e, se verdade, não teria pensado no massacre da população civil? Quando começara a conspirar para a derrubada do Presidente Goulart? Uma ditadura militar não iria liquidar com a democracia?

Fui solicitado à sua presença, cauteloso, receando até ser agredido. Cumprimentei-o, liguei o gravador e arrisquei fazer-lhe as perguntas formuladas como se não tivessem sido censuradas quase todas.

Fui perguntando e, para surpresa minha, o Ministro foi respondendo e assim até a última. Encerrei a entrevista, rapidamente e, antes que o Marechal pedisse para ouvir o que tinha falado, agradeci-lhe a gentileza deixando o local com vontade de sair correndo. Sua entrevista foi um estouro de audiência.

*Publicado no livro Contando Histórias, de 1991.

4 Comments on O distraído Marechal

  1. carlito Lima // 4 de setembro de 2015 em 19:48 //

    História formidável do Cláudio Alencar.

  2. João Marcos Carvalho // 5 de setembro de 2015 em 10:23 //

    Quando Jânio Quadros renunciou à Presidência da República em 25/8/61, os ministros militares, liderados pelo marechal Denys, queriam impedir a posse de João Goulart ( o Jango), vice de Jânio. Brizola, então governador do RS, organizou a resistência legalista no Palácio Piratini, sede do governo do estado. Contava com tropas do Exército sediadas na Região Sul e com a Brigada Militar (PM). Na época, eu morava com minha família na Base Aérea de Canoas, na grande Porto Alegre. Meu pai era 1º sargento da FAB (mecânico de jato) e servia no 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação, equipado com aviões de caça Gloster Meteor (F-8). Durante a crise militar, os ministros golpistas ordenaram que o 1º/14º bombardeasse o Palácio do Piratini, que estava tomado de legalistas liderados por Brizola. O ataque foi abortado pelos sargentos (entre eles meu pai), que desarmaram as bombas e furaram os pneus dos aviões. Caso o bombardeio tivesse ocorrido, calcula-se que pelo menos 5 mil pessoas morreriam, já que toda a área em redor do palácio também seria destruída. Com o fim da crise e a posse de Jango, os militares continuaram conspirado até o triunfo do golpe de 1964. A partir daí, os militares legalistas foram perseguidos, presos e expulsos das Forças Armadas. Meu pai ficou 15 no exílio. Com a anistia (1979) foi reincorporado à FAB, passando para a reserva no o posto de major. O marechal Denys, que foi legalista na crise de novembro de 1955, quando o marechal Lott garantiu a posse de JK, mudou de lado e virou golpista em 1961 e 64.

  3. Denys não era ministro da guerra em 1964

  4. Agradecemos pela correção. Já alteramos a informação.

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