O discurso que encerrou uma brilhante carreira

Segismundo Andrade, Freitas Cavalcante e Jânio Quadros
Segismundo Andrade em foto de Max Rosenfeld

Segismundo Andrade em foto de Max Rosenfeld. Foto do acervo de Etevaldo Amorim

Nilton Oliveira*

Na manhã daquele dia de agosto de 1970 o deputado federal Segismundo Andrade vivia o maior momento de sua vitoriosa carreira política. Com extraordinária capacidade oratória, ele discorria sobre sua vida pública, lembrava os tempos de estudante no Recife, participando de movimentos em defesa da democracia, como o testemunho daquele fatal no qual tombou sem vida o estudante Demócrito de Souza.

Descia a detalhes quanto a sua participação na vida política do Estado, através de dois mandatos de deputado estadual e três de deputado federal. Ele falava para um auditório em silêncio, repleto de fiéis arenistas vindos de todos os municípios alagoanos e integrantes do Diretório Estadual, que ali estavam convocados para escolherem os candidatos que formariam a chapa do partido que disputava as eleições de novembro.

Aquela convenção no salão superior do Clube Fênix Alagoana foi uma das mais quentes entre as já realizadas por quaisquer partidos políticos. E tudo motivado em função dos candidatos que disputariam as duas vagas para o Senado da República. Um dos ocupantes das cadeiras era Arnon de Mello, que se apresentava como postulante à reeleição. A outra cadeira estava vazia, pois há menos de dois anos morrera Rui Palmeira e seu suplente, Mário Gomes de Barros, havia partido antes.

Surgiram, então, nada menos de quatro candidaturas e. curiosamente, todas de deputados federais: Luiz Cavalcante, Segismundo Andrade, Medeiros Neto e Pereira Lúcio. O governador Lamenha Filho, desiludido com a Revolução e com a classe política por não ter feito seu sucessor, lavou as mãos. E o “abacaxi” ficou em poder do professor Afrânio Salgado Lages, que já estava escolhido como o novo governador.

Segismundo Andrade e o presidente Castelo Branco. Foto acervo Etevaldo Amorim

Segismundo Andrade e o presidente Castelo Branco. Foto acervo Etevaldo Amorim

Comentava-se a existência de uma orientação de cima para baixo, ou seja, vinda de Brasília, mais precisamente do presidente nacional do partido, o deputado Rondon Pacheco, para que os dois nomes homologados fossem os de Arnon de Mello e Luiz Cavalcante. A notícia correu célere, mas nem assim desestimulou os candidatos. Houve alguns aborrecimentos, porque outras versões existiam em sentido contrário. O deputado Segismundo Andrade, por exemplo, consultou suas fontes em Brasília e se robusteceu como candidato: não haveria veto.

Supunha-se uma “sugestão” da direção nacional do partido no sentido de que, sem “queima” de ninguém para não criar arestas, os nomes dos preferidos fossem “trabalhados” junto ao eleitorado, no caso, os diretorianos. Mas, o professor Afrânio Lages não tinha hábitos de cabalar votos. Então a coisa correu apenas na confiança do seu comando, numa discreta cobertura aos nomes de Arnon e Luiz Cavalcante.

No dia da Convenção, porém, as prévias não eram nada otimistas. O deputado Segismundo Andrade realmente havia trabalhado junto ao diretorianos, percorrendo todo o interior. Havia quem duvidasse da vitória de Arnon ou do major Luiz, mas ninguém desacreditava na vitória de Segismundo.

Já convicto dos seus votinhos, o deputado estava na tribuna apenas para justificar, perante a cúpula do partido, sua decisão de pleitear uma cadeira do Senado. Brilhante discurso, até que ele resolveu enveredar pelo histórico dos fatos dos bastidores. Contestou que houvesse qualquer orientação da Capital Federal sugerindo nomes. Na mesa, presidindo os trabalhos, o professor Afrânio Lages arrepiou mas não deu bandeira.

O deputado continuou e, pelo exposto de sua fluente fala, aquilo havia sido uma sinistra trama nada lícita, contra qual se insurgia. Ao concluir seu discurso, a ovação que se seguiu foi instantânea. Como instantaneamente parou alguns segundos depois, porque antes mesmo de Segismundo descer da tribuna improvisada já o governador escolhido arrastava a cadeira e arrancava em direção ao microfone.

E quem conheceu o Afrânio Lages dos bons tempos deve imaginar como ele “estava fervendo”. Caiu sobre o deputado Segismundo, detalhou tudo que havia acontecido, confirmou a orientação do partido em favor de Luiz Cavalcante e Arnon de Mello e, para terminar, tomou a posição que não havia tomado antes: fechou a questão em torno dos dois. Eram seus candidatos. E não abria mão…

Ora, qual o matuto que se atreveria votar contra a opinião de um governador novinho, que ainda ia começar seu mandato? Mesmo assim, como o voto era secreto, deu para todos. Os dois preferidos venceram, com pouco mais de setenta votos, cada. O deputado Segismundo teve quase sessenta, perdendo por uma margem de quinze votos.

Com dois terços brilhantes de um discurso, o deputado Segismundo Andrade discorreu sobre uma vida pública de efetiva atuação, por mais de duas décadas. Com um terço infeliz, ele encerrou sua carreira.

Conhecido o resultado, foram em vão os apelos insistentes e quase patéticos de alguns companheiros para que ele continuasse, concorrendo a novo mandato federal. Só quem não apelou foi o professor Afrânio Lages. Talvez por isso ele não cedeu. A política perdeu um dos seus mais brilhantes aliados. Os usineiros ganharam um companheiro, competente, discreto e trabalhador, como foi o deputado. Que hoje não deseja ao menos ouvir falar em política.

O pior viria depois: segundo a revista “Veja”, Segismundo estava certo. Não havia orientação do Planalto para quaisquer nomes. Do que se conclui que Rondon Pacheco, para prevalecer sua preferência iludiu o professor Afrânio e até a Presidência da República, “usando seu poderoso nome em vão”…

*Publicado originalmente no livro Eu fui testemunha, Maceió, 1979.

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