Nise da Silveira, uma revolucionária na psiquiatria brasileira

Nise da Silveira chegou a criar 23 gatos

Nise da Silveira nasceu, de parto normal, às 2 horas da madrugada do dia 15 de fevereiro de 1905, em Maceió, Alagoas, na Rua Boa Vista. Era filha única dos pernambucanos Faustino Magalhães da Silveira e Maria Lydia da Silveira.

A jovem Nise da Silveira

A jovem Nise da Silveira

Sua mãe, também conhecida como Dona Nazinha, era exímia pianista e sonhava em fazer da filha sua seguidora. Seu pai, além de professor, era jornalista. Faustino Silveira chegou a ser diretor do Jornal de Alagoas junto com seus irmãos, José Silveira e Luiz da Silveira, este último fundador do Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas.

Morou em Bebedouro, no Flechal de Cima, e na Rua do Sol. Desde criança Nise conviveu com animais. Na infância tinha dois cães: Top e Jiqui. No final da vida chegou a ter 23 gatos morando com ela em um apartamento no Rio de Janeiro. Uma vez perguntaram a ela que outro animal gostaria de ter em casa. – Elefante –, respondeu secamente.

Em dezembro de 1920, com 15 anos, conclui seus estudos secundários no Colégio S. S. Sacramento. Como com esta idade não podia fazer o vestibular para Medicina em Salvador, alteram seus documentos de nascimento para 16 anos. Ela mesma revelou este fato mais tarde e reclamou do trabalho que deu depois para regularizar a sua idade.

Neste mesmo ano, conheceu Arthur Ramos e estudaram juntos para o ingresso no curso médico em Salvador, onde chegam no início de 1921. O professor que os preparou em Maceió era o pai da Nise, Faustino Silveira, que ensinava Matemática e Geografia. Terminaram o curso juntos no dia 2 de dezembro de 1926, em Salvador, e Nise foi a única mulher a se graduar entre os 157 alunos da Faculdade de Medicina da Bahia.

Nise da Silveira já no Rio de Janeiro

Nise da Silveira já no Rio de Janeiro

Ainda estudando em Salvador, Nise passou a morar com o seu primo Mário Magalhães de Silveira, também colega de turma do curso de Medicina. Mesmo com a reprovação dos pais, Nise casou com ele somente quando saiu da prisão, em 1937, no Rio de Janeiro. Estava desempregada e sob perseguição. Mário Magalhães insistiu no casamento como forma de beneficiá-la caso ele morresse.

Voltou para Maceió em 6 de janeiro de 1927 e perdeu o pai um mês depois, no dia 10 de fevereiro. Após dois meses mudou-se para o Rio de Janeiro onde, em 1928, iniciou estágio na renomada Clínica Neurológica do professor Antonio Austragésilo.

Nesta época, morava com seu primo e companheiro Mário Magalhães na Rua do Curvelo, nº56, no bairro de Santa Teresa, em frente à casa onde residia Manuel Bandeira, com quem fez amizade.

Em 1933 foi aprovada em Concurso Público no Serviço de Assistência e Psicopatias e Profilaxia Mental, antiga Divisão Nacional de Saúde Mental. No ano seguinte, começou a trabalhar no Hospital da Praia Vermelha (hoje Hospital Pinel), onde também passou a residir.

Como Nise da Silveira mantinha livros socialistas em sua estante no hospital, foi presa injustamente no dia 26 de março de 1936, denunciada por uma serviçal. Nesta época, a polícia política de Getúlio Vargas perseguia brutalmente os militantes comunistas e prendia qualquer um que estivesse sob suspeita de ter ligações com o Partido Comunista do Brasil, PCB.

Nise da Silveira e Carl Jung

Nise da Silveira e Carl Jung

Segundo Rachel de Queiroz, Nise era apenas simpatizante dos ideais comunistas. Era muito influenciada por seus amigos Octávio Brandão e Castro Rebelo, que a iniciaram nos estudos sobre o socialismo. Ela esteve vinculada ao PCB entre 1931 e 1933, quando foi expulsa por não ter tempo para o partido, mas tinha para estudar. Foi acusada de trotskismo como justificativa.

Ficou na Casa de Detenção durante um ano e quatro meses, onde conheceu e fez amizade com Olga Benário, Graciliano Ramos e outros participantes do movimento comunista. Foi libertada em junho de 1937, mas ficou afastada do serviço público até 1944, período em que vagava pelo Brasil sem endereço fixo e se escondendo com medo de nova prisão.

Anistiada em 1944, voltou ao serviço público no dia 17 de abril, desta feita trabalhando no Hospital do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde, em 1946, criou e foi a diretora da Seção de Terapia Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro, posteriormente conhecido como Centro Psiquiátrico Pedro II.

Em 1947, com o apoio do Ministério da Cultura, realizou a primeira exposição com os materiais produzido pelos seus doentes. Exposição semelhante aconteceu em 12 de outubro de 1949 no Museu de Arte Moderna, em São Paulo, intitulada Nove Artistas do Engenho de Dentro, tendo Nise prefaciado o Catálogo da Amostra.

Em 1950, o material exposto em São Paulo foi apresentado no Salão Nobre da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com o apoio do vereador e Presidente da Câmara, o poeta e também médico, Jorge de Lima.

Quadro de Fernando Diniz, o mais famoso paciente de Nise da Silveira

Quadro de Fernando Diniz, o mais famoso paciente de Nise da Silveira

Fundou o Museu de Imagens do Inconsciente em 1952, um centro de estudo e pesquisa que reúne obras produzidas nos ateliês de pintura e modelagem.

Por meio desse trabalho introduziu a psicologia junguiana no Brasil. Participou, em 1960, da fundação da Societé International de Psychopatologie de L’Expression, com sede em Paris, tornando-se membro fundadora.

Para estudar o livro C. G. Jung – Psicologia e Alquimia, em 1955, Nise junto-se ao também alagoano Bandeira de Mello. Foi o embrião do Grupo C. G. Jung, que somente seria formalizado em 1968.

Em 23 de dezembro de 1956, com esse grupo de pessoas, Nise realizou mais um projeto revolucionário para a época: a criação da Casa das Palmeiras, uma clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições psiquiátricas, onde atividades expressivas são realizadas livremente, em regime de externato.

Nise da Silveira em 1998. Foto arquivo Casa das Palmeiras

Nise da Silveira em 1998. Foto arquivo Casa das Palmeiras

Em Zurique, durante o II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, Nise conheceu C. G. Jung. Como tinha montado uma exposição com os materiais produzido pelos seus doentes, procurou saber a opinião de Jung sobre os quadros expostos. Ela esclareceu antes que criava condições ambientais acolhedoras para que eles produzissem as pinturas. A resposta de Jung: “os frequentadores pintavam acolhidos por pessoas que não tinham medo do inconsciente”.

Permaneceu em Zurique por mais de um ano e fez análise com Marie Louise Von Franz, retornando várias vezes, anos depois, para análise com a mesma Marie Louise, a quem se referia como a mulher mais inteligente da Europa.

Em 1962, o grupo de estudos que vinha de 1958 passou a se reunir todas às quartas-feiras na biblioteca da Nise, à Rua Marquês de Abrantes, nº 151, no Flamengo. Ela residia em outro apartamento no andar inferior.

Por causa destas reuniões, Nise foi surpreendida em 1964 com uma denúncia ao Serviço Nacional de Informação (SNI), que partiu de um morador do prédio. Em plena Ditadura Militar, o apartamento foi vasculhado, mas não encontraram nada que pudesse comprometer a moradora famosa.

Quadro do paciente Raphael Domingues

Quadro do paciente Raphael Domingues

Em 1975, aposentou-se compulsoriamente do Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental. Tinha 70 anos de idade.

Nise faleceu de complicações respiratórias em 30 de outubro de 1999, aos 94 anos, na cidade do Rio de Janeiro, após 45 dias de internação em uma UTI de hospital público, o Miguel Couto, sendo sepultada no dia seguinte no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Em 1999, por decreto, o governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, instituiu a Comenda Nise da Silveira, outorgada a mulheres que se destacam na sociedade alagoana, principalmente na luta em defesa da cidadania. As homenagens acontecem sempre no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

No ano 2000, o Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, foi municipalizado e em homenagem à fundadora do Museu passou a chamar-se Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira.

Em seu livro Nise, abecedário de uma libertadora, Didimo Otto Kummer se refere a ela como uma revolucionária: “Apaixonada pelos que estão à margem da vida,

Nise tornou-se uma referência nacional na Psiquiatria. Na contramão dos conceitos dominantes, realizou uma tarefa heroica, libertando os doentes mentais do peso discriminatório da Psiquiatria, deixando-os livres para poderem se expressar humanamente”.

Nise da Silveira. Foto de Arquivo do Jornal do Brasil

Nise da Silveira. Foto de Arquivo do Jornal do Brasil

Obras:
1968 – Lançou o seu primeiro livro “Jung: Vida e Obra“, José Álvaro – Editor, Rio de Janeiro, com 194 páginas.
1979 – Publicou “Terapêutica Ocupacional” com 66 páginas, pela Casa das Palmeiras.
1981 – Lançou o livro “Imagens do Inconsciente“, pela Editora Alhambra – Rio de Janeiro, contendo 346 páginas.
1987 – A emoção de lidar. Coordenação e prefácio de uma experiência em psiquiatria na Casa das Palmeiras. Editora Alhambra.
1987 – Imagens do Inconsciente. Editora Alhambra.
1989 – O livro “Artaud: a nostalgia do Mais” foi publicado pela Editora Numem, com 91 páginas.
1990 – Pela mesma Editora lançou o livro “A Farra do Boi, do sacrifício do touro na Antiguidade à Farra do Boi Catarinense“, com 127 páginas.
1992 – Publicou o livro “O Mundo das Imagens“, pela Ática, com 165 páginas.
1995 – Lançamento do livro “Cartas à Spinoza“, Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, com 128 páginas.
1998 – Sua última obra “Gatos, a emoção de lidar“, Léo Cristiano Editorial, com 72 páginas, recheada de fotografias de Sebastião Barbosa.

Fonte principal: Nise, abecedário de uma libertadora, de Didimo Otto Kumer, Edições Catavento, 2004.

4 Comments on Nise da Silveira, uma revolucionária na psiquiatria brasileira

  1. Cidinha Madeiro // 2 de julho de 2015 em 21:36 //

    Ticianeli, colaborei com o saudoso Dr Dídimo, emprestei livros meus que pertenceram à Dra Nise para a realização do ABECEDARIO. Mulher brilhante, bela história de vida!
    Adquiri há pouco o livro NISE – ARQUEÓLOGA DOS MARES (“uma biografia composta de biografemas”, de Bernardo Carneiro Horta).

  2. Sonia Maria Xavier de Araujo-Ulrich // 17 de outubro de 2015 em 06:30 //

    Minha prima NISE DA SILVEIRA era quarta-neta dos pernambucanos GERVASIO PIRES FERREIRA e GENOVEVA PERPETUA DE JESUS CALDAS.

  3. Sonia Maria Xavier de Araujo-Ulrich // 17 de outubro de 2015 em 06:31 //

    Sou fundadora e moderadora do grupo Genealogia Alagoana.

  4. Admiro Dr: Nice da Silveira com seu trabalho extraordinário e libertario para com os doentes mentais.

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