Manifestação barrou a Taxa do Lixo em 1980

Renan Calheiros discursando durante o ato contra a Taxa do Lixo. Foto de José Feitosa

Jornalista Freitas Neto foi um dos detidos durante a manifestação do dia 8 de fevereiro de 1980

Em 1979, Maceió vivia a expectativa em torno do prefeito recém-nomeado. O jovem Fernando Collor era um desconhecido em Alagoas. Sabia-se apenas que era filho de Arnon de Mello e Leda Collor, e que não tinha nenhuma experiência política.

No final daquele ano, uma polêmica veio à tona: o prefeito queria implantar a cobrança da Taxa do Lixo, uma medida que estava em vigor no Rio de Janeiro, apesar de contestada pela população.

No começo de 1980, a temperatura dos debates sobre o assunto esquenta quando o vereador Galba Novaes de Castro renunciou a liderança da bancada governista, denunciando que a aprovação da cobrança da Taxa do Lixo foi uma fraude.

Ele explicou que a inclusão da taxa no novo Código Tributário do Município somente poderia acontecer com autorização da Câmara, algo que não aconteceu pois tal solicitação não constava na mensagem enviada ao poder legislativo pelo prefeito e aprovada pelos vereadores.

Mobilização popular

Aldo Rebelo e Edberto Ticianeli em uma assembleia estudantil na Ufal em 1979, foto de José Feitosa

A denúncia do vereador provocou indignação popular e os setores mais organizados da sociedade resolveram protestar publicamente contra a medida. Encabeçados pela Sociedade Alagoana de Defesa dos Direitos Humanos, Diretório Central dos Estudantes da Ufal e por vários partidos e sindicatos foi marcado um ato público para a tarde do dia 8 de fevereiro de 1980, uma sexta-feira, a uma semana do carnaval.

Estudantes e trabalhadores dos sindicatos da Construção Civil, Radialistas, Jornalistas, militantes do PMDB, PCdoB, PTB, PP e PT foram as ruas com 50.000 panfletos conclamando a população a não pagar a taxa. Até um cordel foi produzido pelo jornalista José Feitosa, o Zé da Feira.

Ato público

No dia do ato, sexta-feira (8), por coincidência o ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel estava chegando a Maceió para descansar por três dias e teve que conviver com o engarrafamento provocado pela manifestação em quanto era levado para o pernoite na casa do vice-governador Theobaldo Barbosa, onde teve a segurança reforçada.

O local escolhido para os discursos durante a manifestação foi a esquina da Rua do Comércio com o Beco do Moeda. Edberto Ticianeli, que participou ativamente da construção do ato e era quem anunciava os oradores, explicou que o escolha desta esquina se deu por um motivo técnico: “Precisávamos de ponto de energia para ligarmos o pequeno som e a Loja Soares Sobrinho tinha como proprietário o Toinho Soares Cotrim, que nos permitiu fazer a ligação elétrica”.

Os oradores se revezavam subindo e descendo de um caixote, todos fazendo duras críticas ao prefeito Fernando Collor. Figuras expressivas da política alagoana como José Moura Rocha e o deputado estadual Renan Calheiros, dividiam a atenção da multidão com as lideranças estudantis e sindicais. A aglomeração congestionou o Calçadão do Comércio.

Repressão

Jornalista José Feitosa, repórter fotográfico da Tribuna de Alagoas em 1980

A primeira ação policial em repressão ao ato aconteceu enquanto o jornalista Freitas Neto discursava. Uma equipe de policiais civis cercou o local e deu voz de prisão para algumas das lideranças. Edberto Ticianeli lembra dos detalhes do que aconteceu. “Ao mesmo tempo que cercavam o Freitas dando voz de prisão, dois deles me pegaram os braços e os torceram para trás. O fotógrafo José Feitosa começou a disparar sua máquina e teve sair correndo em direção ao jornal Tribuna de Alagoas na Rua do Sol. Foi perseguido até lá e escapou da prisão. Na Rua do Comércio, começaram a nos conduzir detidos até a esquina da Av. Moreira Lima, onde uma viatura da Polícia Civil nos aguardava”.

Edberto Ticianeli recorda que também prenderam o som e que houve uma crescente mobilização em torno dos policiais cobrando a soltura dos presos. “Mal tínhamos começado o trajeto em direção ao camburão quando os policiais foram cercados pela multidão exigindo que nos soltassem. Aproveitei o momento e me livrei dos que me seguravam. Eles correram para reforçar o grupo que levava o Freitas. Nesse momento, alguns estudantes já balançavam o carro da Polícia tentando tombá-lo”.

Diante desta ameaça e percebendo que não conseguiriam prender ninguém, os policiais bateram em retirada deixando todo mundo livre. “Resolvemos que o ato deveria continuar e voltamos para a esquina do Beco do Moeda. Mal tínhamos reiniciado quando o Pelotão de Choque da PM começa a marchar em direção onde estávamos. Uns vinham do Cinema São Luiz e outros da Av. Moreira Lima”, lembra Ticianeli.

A coordenação do ato reúne-se apressadamente e, ouvindo Renan Calheiros, decide que todos deveriam seguir para Assembleia Legislativa onde se tentaria continuar a manifestação. “Deveríamos sair pelo Beco do Moeda, mas sem o som, não conseguimos avisar a todos”, testemunha Ticianeli, ao narrar ainda que durante a caminhada para a Assembleia, policiais civis apontaram armas para o grupo, particularmente para José Moura Rocha e aos gritos de que ele era comunista. “Ele não titubeou e enfrentou o policial chamando-o de covarde. Vi a hora do pior acontecer, mas felizmente eles recuaram e nos deixaram prosseguir”.

Os manifestantes que ficaram na Rua do Comércio procuravam se proteger entrando nas poucas lojas que ainda permaneciam com as portas abertas. Alguns tentaram furar o cerco policial e houve o enfrentamento, com muita bomba de gás lacrimogênio e pancadaria.

“Na confusão, agrediram e prenderam o colega Arthur Fassy, da Agronomia, que foi detido porque se parecia comigo. Eles queriam me pegar de todo jeito”, revela Ticianeli, que pouco tempo depois já estava na Assembleia participando de uma reunião onde se preparava habeas corpus para todos os ameaçados de prisão pela polícia.

Repercussão

No dia seguinte à repressão, o secretário de Segurança, coronel José de Azevedo Amaral, deu entrevista dizendo que não tinha autorizado a violência e que apenas tinha mandado impedir a manifestação por considerá-la ilegal. O governador Guilherme Palmeira foi outro que também se disse surpreso com o ocorrido. Ele estava em Brasília e soube dos acontecimentos no dia seguinte, quando voltou a Maceió.

A coordenação da luta contra a Taxa do Lixo resolveu que se deveria se tentar uma audiência com o ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel para denunciar a violência e o desrespeito cometidos pela polícia. Uma comissão formada pelo senador Teotônio Vilela e pelos deputados estaduais Mendonça Neto e Renan Calheiros, além do presidente do PMDB, Djalma Falcão, foi constituída para esse fim.

Como estava de férias e não queria contato com inguém, o ministro Ibrahim Abi-Ackel ficou sob a proteção policial, impedindo que estudantes fizessem manifestação onde ele se encontrava e afastando a imprensa. Mesmo assim, a comissão conseguiu falar com ele e Teotônio Vilela, logo após, deu entrevista com repercussão nacional sobre a conversa que teve com o ministro do general Figueiredo.

Gilberto Soares Pinto, velho militante de esquerda em Alagoas

Para barrar a Taxa do Lixo, foi ainda movida uma Ação Popular assinada pelo aposentado Gilberto Soares Pinto, pai de Edberto Ticianeli. “Fiquei muito exposto por ter participado desta mobilização e o resultado imediato foi a minha demissão da função de estagiário de Engenharia da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, que elaborava o Plano Diretor de Transportes para Maceió e Curitiba. Eu trabalhava no conhecido GEIPOT há três anos”, menciona Ticianeli.

A mobilização surtiu efeito e na terça-feira, dia 12 de fevereiro, o juiz da 8ª Vara da Capital, Adalberto Correia, citou a Prefeitura e a Câmara Municipal para, em um prazo de 30 dias, contestarem a ação movida por Gilberto Soares Pinto.

No dia 13 de fevereiro, o DCE, que ficava ao lado do Reitoria, na Praça Sinimbu, foi cercado por policiais que ainda tentavam prender as lideranças que participaram do ato contra a Taxa do Lixo. Foi o reitor João Azevedo que intercedeu junto às autoridades para impedir as prisões, dizendo que era responsável por tudo que acontecia na Ufal. A perseguição aconteceu devido a insistência da entidade em continuar se posicionando contra a cobrança ilegal.

Após o episódio de Alagoas, mobilizações voltaram a acontecer em outras cidades onde os prefeitos tentavam criar a fatídica taxa. Em setembro daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou que a Taxa do Lixo cobrada no Rio de Janeiro era inconstitucional. Essa decisão pôs fim a tentativa de estabelecer de uma vez por todas a bitributação nos municípios.

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