Maceió às 11 e meia

Rua 2 de Dezembro em 1940

Por Humberto Bastos
Publicado na Revista Alagoas Mensário Ilustrado, nº 1 de agosto de 1938, páginas 10 e 11.

Os olhos esperavam ansiosos que o ponteiro grande dos relógios desça até o VI enorme gravado no mostrador. Os olhos obedecem aos apertos do estomago vazio, a lembrança do feijão fervendo na panela e da carne de ceará assada ao fogo.

Obedecem também a vontade que os corpos têm de se libertar, de fugir para a rua, de andar para cima e para baixo, com a certeza confortante de haverem vencido meia tarefa de um dia de trabalho.

Pavimentação da Rua do Comércio em 1940

Nas ruas o movimento aumenta. São pessoas que aproveitam os últimos minutos do primeiro horário para comprar o que lhes faltou.

São namorados que não se cansam de olhar a fachada das lojas diminutas, esperando a saída das namoradas bonitinhas, das meninas da 4$400.

Passam carroças e caminhões. Os bondes aparecem lotados, com gente brigando por lugar no estribo, já que os bancos estão repletos de mais, como latas de sardinha.

A Bota de Ouro em Maceió dos anos 40. Esquina da Av. Moreira Lima com a Rua Boa Vista. Firma de Domingos Fasio & Cia

11 e meia em Maceió é uma coisa séria. A cidade parece criar nova vida, tonificar com sangue novo suas artérias.

Nas escolas o barulho cresce, na antecipação de a garotada correr pelas praças, longe da fiscalização das professoras.

As professorinhas também fecham os olhos, sonham com o momento feliz que se avizinha, seu Clark Gable esperando na esquina, dizendo-lhes coisas bonitas de cinema, falando a Greta Garbo das belezas impossíveis do amor…

Jornalista e escritor Humberto Bastos

Nas repartições o trabalho é interrompido minutos antes. Não adianta fazer força se falta tão pouco tempo para a hora abençoada.

No antigo relógio oficial, hoje chamado tabuleiro da baiana, os vagabundos todos da cidade, os Boas-Vidas, de costeleta grande, cabelo alinhado, enfronhados em roupas que não lhes custaram suor, falam da vida alheia, soltam risadas gostosas, comentam as notícias do dia, demonstrando entender de política e de economia, de futebol e de modas, fiscalizam os namoros recentes, as pernas grossas das mocinhas, os palminhos de cara, põem defeitos em tudo, sem fazer nada de produtivo.

11 e meia. Aparece gente por todos os lados. Surgem vestidos de todas as cores. Zum-zum medonho apodera-se das ruas. Gritos, chamados, assovios, as carroças passam, os bondes passam, os automóveis passam, o povo passa. Tudo passa…

4 Comments on Maceió às 11 e meia

  1. Sérgio Lima // 25 de junho de 2021 em 23:53 //

    Muito bom. Parabéns
    Gostaria de saber como faço para ter acesso a apenas os artigos ou fotos, ou documentos, da primeira metade da década de 1940 (1940-1945). Muito obrigado desde já

  2. Sérgio Lima, lamentamos, mas o mecanismo de busca que oferecemos é do sistema e não permite tais filtros.

  3. Cida Meneses // 27 de junho de 2021 em 07:38 //

    Olá simplesmente uma obra de arte da nossa Cidade Maceió. Parabéns meu querido. Te admiro muito. Nenhum Alagoano da História da nossa Cidade e do nosso Estado de Alagoas o senhor é o primeiro que eu estou vendo. Lendo tudo que nossa a cidade era nos anos de 1940..Parabéns.

  4. Pedro Bastos // 10 de dezembro de 2021 em 20:31 //

    Oi Ticianeli.

    Fiquei muito feliz com o texto, principalmente pelo fato de Humberto Bastos ser meu bisavô!

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